Até médicos concursados se recusam ir para os bolsões de miséria. Quanto mais fiscais do TCU irem amassar barro nestes lugares. Então, como começar a fazer políticas públicas chegarem a estes locais, senão recorrendo às únicas organizações que existem lá, ainda que precárias e com maior risco sobre o uso de verbas?
Na teoria, ONG's (Organizações não governamentais) não deveriam receber verbas de governos, já que são "não governamentais".
A idéia de repassar verbas de governo para ONG's tem até fundo neoliberal. É usada para transferir atividades de estado para entidades privadas. A ditadura queria privatizar a educação superior transformando Universidades federais em fundações privadas. O Telecurso criado na ditadura poderia ser feito pelo MEC, por Universidades, mas foi aparelhado pela TV Globo, e entregue à Fundação Roberto Marinho (privada). O governo FHC era entusiasta de transferir para ONG's as políticas sociais, "enxugando" o Estado.
Portanto, o ideal é que verbas governamentais sejam aplicadas nas estruturas de governo, compostas por funcionários de carreira, concursados, e sob controle dos órgãos de fiscalização.
Mas a teoria, na prática, é outra. Esse ideal funciona bem onde o estado está presente, consolidado, e capaz de prestar atendimento universal, a toda a população.
No Brasil, o estado foi construído durante 500 anos para atender aos interesses da elite, em primeiro lugar. Um enorme contingente da população só aparecia como estatística nos gabinetes governamentais. Havia um ou outro estudo bem intencionado, mas que não eram tirados do papel. Não havia políticas públicas que chegassem aos excluídos. O fato é irrefutável, comprovado pela desigualdade social construída ao longo dos anos, e pelos bolsões de miséria, inclusive no entorno de cidades ricas.
A chegada de um governo popular ao poder, em 2003, mudou o rumo, mas a guinada até fazer os gabinetes funcionarem a contento para a população excluída, levava tempo para ser implantada, porque envolve mudança de pensamento, de cultura, de procedimentos enraizados, e até de acesso a lugares, como territórios conflagrados pelo narcotráfico, ou sem nenhum órgão governamental presente ali.
Tem lugares na periferia das cidades que o estado não estava lá (peça a um fiscal do TCU para amassar barro nestas áreas, para ver se entra lá). Só Igrejas e ONG`s chegavam lá, com todos os defeitos e precariedade que possam ter.
Se o Estado demorasse mais a chegar lá, sem recorrer à ONG's, milhares de jovens já teriam sido perdidos para o tráfico nestes últimos 9 anos.
Nesse contexto, vale aquela frase do Betinho: "Quem tem fome, tem pressa."
O custo das perdas através dos desvios de verbas (que devem ser punidas exemplarmente, para recuperar o dinheiro que não chegou ao povo, e para não estimular a impunidade), são pequenos perante os benefícios alcançados.
Afinal, é muito mais barato gastar com esporte, cultura, educação e lazer para não deixar um jovem entrar no crack, do que tirá-lo do vício. É muito mais barato incluir socialmente um jovem do que manter um futuro presidiário.
Assim, o governo Lula acertou em ousar, no sentido de depositar um voto de confiança em movimentos sociais, em organizações sociais precárias, como pequenas ONG's, às vezes mal estruturadas, quando elas eram a única alternativa possível, para iniciar programas como o Segundo tempo do ministério do Esporte, o PRONASCI do Ministério da Justiça, os pontos de cultura do Ministério da Cultura, etc.
Para cada real investido em para erradicação da extrema pobreza, em gabinetes burocráticos sem tecnologia social desenvolvida, nas sedes de suntuosas repartições públicas, poucos centavos chegavam à ponta, por mais que a contabilidade feche com louvor, computando o custo que vai do cafezinho, ao motorista, à conta de luz do ar-condicionado, custos com auditores, consultores, material gráfico, estudos, publicidade, viagens, diárias, etc, etc, etc.
Para cada real investido numa associação popular já organizada onde a extrema pobreza está, muito mais dessa verba chega à ponta, por mais que seja mal-estruturada em termos administrativos.
O programa de cisternas de captação de chuva no Nordeste andou muito mais rápido, e foi muito mais barato, recorrendo também a ONG`s do que se ficasse dependendo apenas do DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas).
Depois que se consegue virar o jogo e tirar os bolsões da miséria, mesmo com os todos os erros existentes, para serem consertados ou punidos (no caso de picaretagem), é fácil atirar pedras e só falar em "falta de controle", "desvios", etc.
Também é fácil, hoje, chamar de "aparelhamento", empreendedores sociais filiados a partidos de esquerda, vindos de movimentos sociais, que foram os únicos que se engajaram em amassar barro quando ninguém queria ir aos bolsões de miséria. Há aí a necessidade de separar o que é aparelhamento e o que é engajamento.
Não se faz mudanças, sem começá-las, e todo começo de coisas novas, às vezes beira até o caos.
Fazer coisas que nunca existiram, exige desenvolver curva de aprendizado com erros e acertos.
O combate à extrema pobreza no Brasil com políticas públicas ousadas é novidade recente. Vem aprimorando a cada dia, a cada conquista, a cada correção de rumo, a cada aprendizado com acertos e erros. E os acertos são muito maiores do que os erros como provam os resultados de redução da pobreza.
Neste contexto, avaliar o desempenho de um Ministério, não pode ser a partir apenas dos casos que deram errado, explorados com oportunismo oposicionista como se fossem generalizados.
Um bom programa e um ministério, não podem ser demonizados por causa de meia dúzia de pessoas que se locupletaram, e estão sendo cobradas a devolver o dinheiro. Fraudes existem em todos os lugares. O importante é combatê-las com rigor e aprender como evitá-las, e isso o ministério do Esporte parece ter feito e continua fazendo.
É preciso, também, colocar na balança as centenas de casos que deram certo, e evoluir a partir destas experiências acertadas, desenvolvendo mais e melhores controles. E isso também vem sendo feito, a partir da experiência.
A elite não demoniza o Banco Central e o sistema bancário quando um banco privado quebra por fraude em balanço. Responsabiliza quem é responsável: os gestores do banco, e os auditores que referendaram a fraude. Com o Ministério do Esporte, é preciso agir com a mesma justiça, separando os fraudadores dos que combateram as fraudes.