
Entendíamos que fazer essa universidade era o pouco que nos restava como forma de sinalizar um novo tempo, um novo caminho, uma nova esperança e uma nova possibilidade frente ao notório e terrível quadro de exclusão que inexoravelmente vitima o negro na sociedade brasileira.Racistas, não; apaixonados pelo Brasil... "Não existem raças. Discriminação, se houver, é a discriminação social -reflexo do cruel patrimonialismo, do classismo e do autoritarismo estruturantes do caráter nacional-, que atinge todos os pobres invariavelmente. Infelizmente -e curiosamente-, os negros são a sua maioria e, logo, vítimas preferenciais da exclusão. Esse é o motor da discriminação e o responsável por sua não-presença e não-participação na vida social, política, econômica e cultural, na esfera governamental, no ensino superior e no ambiente corporativo. Terminada a pobreza, estará terminada a discriminação. Fora disso, estaremos diante de terrível segregação racial, da difusão do ódio racial, do racismo às avessas, do desejo inconfesso e irresponsável de incendiar o país, transformando-o de multirracial em uma nação de brancos e negros."
Contra esses e todos os demais fatalismos e determinismos respondi à exaustão: não somos racistas. Somos brasileiros negros de todas as cores. Republicanos, amantes da justiça e da democracia, comprometidos com a dignidade da pessoa humana. Somos brasileiros negros de todas as classes, intransigentes na defesa da igualdade de oportunidades, da participação democrática e plural de todos na vida nacional. Somos cidadãos que acreditam no aperfeiçoamento das pessoas e instituições, na capacidade de criação, realização e superação de todo ser humano. Somos brasileiros e acreditamos que o melhor país é aquele que seja um bom país para todos. Por isso, preferimos trabalhar, criar e ousar novos caminhos do que permanecer presos pelo pântano. Somos brasileiros que preferem buscar a luz do que subordinar-se à escuridão.
Discriminação racial ou discriminação social, o fato é que o país encontra-se cindido, e o negro continua no porão: separado e desigual. Esse é nosso dilema. Continuar de costas para metade de nossa gente jamais permitirá que alcancemos o status de nação. Buscar um novo caminho é imperativo. É nossa obrigação. É manifestação de paixão, de amor pelo Brasil.
No dia de hoje, entregamos ao nosso país a primeira centena de jovens negros formados no curso de administração da Unipalmares. Cento e vinte e seis formandos que foram qualificados no uso da língua inglesa e preparados para o mercado de trabalho em programas especiais de trainees do setor bancário. Todos estão empregados -30% deles, efetivados nesses parceiros.
Nunca antes, nos seus 508 anos de existência, o Brasil conheceu um acontecimento dessa magnitude. Em nenhuma outra instituição de ensino superior da América Latina encontramos 90% de alunos que se declaram negros ou 40% de professores -doutores, mestres e especialistas- negros no corpo docente. Tudo sem governo, partido, igreja, sindicato ou organismos internacionais. Sociedade civil pura, unindo esforços, superando obstáculos e mudando a história.
Nesta noite, quando o senhor presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, patrono dos formandos, entregar o "canudo de papel" a cada um dos 126 bravos formandos, nosso país estará para sempre mudado. Teremos andado 120 anos em 5 e superado a armadilha do imobilismo. Teremos recuperado em cada negro brasileiro a centelha da esperança, a possibilidade da justiça e a certeza de que podemos construir um novo destino.
Ao Criador que nos conduziu e permitiu essa graça e a todas as pessoas e instituições que ajudaram nossa esperança a vencer mais este desafio obrigado, muito, muito obrigado.
JOSÉ VICENTE, advogado, sociólogo, mestre em administração e doutorando em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba, é presidente da ONG Afrobras e reitor da Universidade da Cidadania Zumbi dos Palmares
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