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segunda-feira, 18 de setembro de 2006

Compra de votos


Adversários esperam que TSE condene ex-prefeito de campo grande por fita de 2002 que mostra troca de gasolina por apoio


Uma gravação feita às vésperas da eleição para o governo do Mato Grosso do Sul em 2002 revela o estilo do político André Puccinelli. Na gravação, ele oferece uma “contribuição” a 438 mototaxistas em troca de votos para a então candidata do PSDB ao governo do estado, Marisa Serrano. Seriam 10 litros de gasolina semanalmente até o final do ano, segundo anunciou a presidente do sindicato da categoria, Marlene de Souza. O então prefeito da capital foi absolvido pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE). O recurso ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), julgado em 15 de dezembro do ano passado, ficou prejudicado porque já tinham se passado três anos daquela eleição. Mesmo que fosse condenado, ele não precisaria mais cumprir o prazo de inelegibilidade.

“Aposte-se na morosidade da Justiça”, desabafou o ministro Marco Aurélio Mello na sessão que julgou o recurso. “Surge uma certa perplexidade, porque teríamos a prática condenável, se procedente o recurso, por certa autoridade detentora de um cargo eletivo (Puccinelli)”, disse Marco Aurélio, que hoje preside o TSE. Ele argumentou que o prazo de três anos de inelegibilidade deveria ser contado a partir do término do mandato do prefeito. Com isso, se condenado, estaria inelegível até 2007.

Marco Aurélio foi voto vencido. Porém, mesmo um ministro que votou contra o recurso, Gerardo Grossi, demonstrou estranheza com o caso. “Realmente, o caso trazido a julgamento é bastante chocante. Não só se intitula, se diz até: ‘Olha, vamos ter cuidado, senão o juiz virá aqui e nos prenderá. Que prenda vocês, está tudo muito bem. Mas a mim não’”. Ao citar esse texto, ele reconheceu a legalidade da gravação. Os partidos de oposição apresentaram novo recurso, dessa vez contra a decisão do TSE. Aguardam julgamento. Grossi referiu-se a um trecho da fita de vídeo que registrou a reunião com os mototaxistas. Nela, após anunciar que a presidente do sindicato falaria da sua “contribuição”, o então prefeito de Campo Grande faz uma recomendação: “Vocês não podem ir pro posto de gasolina tudo de uma vez só, senão o juiz vai levar em cana vocês e a mim”.

Quatro em quatro
Em seguida, Puccinelli ensina como fazer a coisa sem que ninguém seja preso: “Então, vocês vão ter que ir de quatro em quatro, até o dia da eleição. Tudo bonitinho, ordeiro, de forma inteligente. Marca 9h, quatro; 9h10, mais quatro; 9h20, mais quatro. E quero, de tanta felicidade que eu vou ficar se a Marisa ganhar, e só se a Marisa ganhar, continuar isso até o final do ano”. Ele garante que vai sair a regulamentação do serviço de mototáxi, mas pede um tempo: “O projeto já está pronto. Deixei propositalmente (para) depois das eleições, porque os caras estão me enchendo tanto o saco, que tudo que eu tô fazendo eles estão dizendo que é eleitoreiro. E é mesmo. Cabou”.

Quando o assunto é a gasolina, ele fala de uma forma mais cifrada: “Entreguei nas mãos da Marlene o equivalente... depois ela vai falar pra vocês. Eu prometi uma coisa que vai ser a cada um dos 438, por semana até o final do ano, por mim. Vai ser minha contribuição”. Depois que o prefeito deixa a reunião, Marlene abre o jogo: “Até o final do ano, é 10 litros de combustível para todo mundo. Isso pra votar na Marisa. Não vai pegar e votar no Zeca, hein?”. Um mototaxista quer mais: “E dinheiro, ele não vai dar nenhum trocado?”. A presidente do sindicato explica que já conseguiu muito: “Dinheiro não tem. Pra mim conseguir isso... aquele prefeito é filho da mãe”.


Gravação legal

A legalidade da gravação foi discutida no Tribunal Regional Eleitoral. A decisão diz que é “inviolável a manifestação do pensamento que não se dirige ao público em geral, mas a pessoa, ou pessoas determinadas. Em se tratando, portanto, de evento ocorrido sem qualquer conotação secreta ou privada, mas tratando-se de reunião entre autoridade pública municipal e filiados de sindicato, para cuidar de assuntos atinentes à classe, não incide qualquer vedação à sua gravação, posto que não envolve quebra de privacidade”.

O TRE registrou que a reunião tinha como objetivo principal o atendimento de anseios da classe, “muito embora tenha o representado enveredado pelo caminho político no sentido de pedir votos para candidato”. Apesar disso, o tribunal concluiu que “inexiste no processo provas contundentes e seguras de entrega de autorizações para o fornecimento de combustível e, assim, provas cabais da materialidade da ilicitude denunciada”. Todos esses aspectos não chegaram a ser discutidos no TSE, porque o recurso ficou prejudicado. (LV)

Trechos

O que diz Puccinelli na fita:

“O projeto (que regulamenta o serviço de mototáxi) já está pronto. Deixei propositalmente (para) depois das eleições por dois motivos: porque os caras estão me enchendo tanto o saco, que tudo que eu tô fazendo eles estão dizendo que é eleitoreiro. E é mesmo. Cabou”.

“Entreguei nas mãos da Marisa, da Marlene o equivalente... depois ela vai falar pra vocês. Eu quero que seja dado aos 438. Eu prometi uma coisa que vai ser garantida pelo Zé Joaquim (diretor da Agência Municipal de Transporte e Trânsito) a cada um dos 438, por semana até o final do ano, por mim. Vai ser minha contribuição”.

“Vocês não podem ir pro posto de gasolina tudo de uma vez só, senão o juiz vai levar em cana vocês e a mim. Se levar vocês, tudo bem. A mim eu não quero”.

“Então, vocês vão ter que ir de quatro em quatro, até o dia da eleição. Tudo bonitinho, ordeiro, de forma inteligente. Marca 9h, quatro; 9h10, mais quatro; 9h20, mais quatro. E quero, de tanta felicidade que eu vou ficar se a Marisa ganhar, e só se a Marisa ganhar, continuar isso até o final do ano”.


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