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domingo, 16 de abril de 2006

Os pobres já decidem

Miguel Lucena (Delegado da PCDF, jornalista e pós-graduado em Inteligência Estratégica).


" Vigora no Brasil a crença de que os pobres não passam de massa de manobra e são diretamente influenciados pela classe média, com quem mantêm contato mais próximo. Os ricos, do pedestal em que se encontram, manipulariam os cordéis nos campos político e econômico.

É evidente que o poder se concentra nas mãos de quem detém o capital, os meios de produção, a indústria, o comércio e os bancos, posto que o sistema é erigido com o objetivo de perpetuar privilégios de classe, tanto faz que tucanos ou petistas estejam temporariamente à frente do Executivo.

A engrenagem não permite que o povo tenha acesso às instâncias decisórias da Administração Pública, do Legislativo e do Judiciário. As leis e a forma jurídica têm como função assegurar a cada um o que é seu ? ao milionário, a opulência; ao despossuído, o viaduto, a rua da amargura.

As campanhas políticas são proibitivas, exigindo gastos inalcançáveis para quem vive de salário, razão por que os pobres dificilmente ocupam cadeiras no Poder Legislativo ou chefiam o Executivo.

Ressalve-se que a democratização permitiu a organização dos mais diversos partidos, o que facilitou a ascensão política por meio de militância, mas mesmo assim os resultados são limitados.

Pode-se contestar o raciocínio com o exemplo de Lula, um homem de origem paupérrima que galgou o mais alto cargo da Nação. Todavia, isso só ocorreu após 500 anos de aristocracia e, de toda sorte, nos marcos do velho sistema, que não sofreu arranhões. A engrenagem é a mesma, os bancos estão cada vez mais ricos e os capitalistas felizes da vida.

Algo, porém, mudou. Foi a sensação de que os de baixo podem chegar lá. E a sensibilidade de quem penou em busca da sobrevivência, como é o caso do presidente da República, proporcionou a realização de uma das coisas mais significativas dos últimos anos: a transferência de renda para os mais sacrificados, os despossuídos que ao longo dos tempos, sem vez e sem voz, tinham somente o direito de resmungar.

Quando petistas, psolistas, pstuístas, trotskistas, comunistas e outros istas questionam por que o ex-governador Joaquim Roriz, mesmo sendo milionário, conta com o voto dos mais pobres e ganha sucessivos pleitos, fico a imaginar que a velha raposa percebeu, há muito tempo, que os pobres decidem muito mais que a classe média.
A classe média tem grande poder de mobilização, mas suas aspirações a levam a vacilar nos momentos mais importantes. Foi assim em 1917, na Rússia, ou em 1964, no Brasil. Basta a simples ameaça de se afastar dos ricos sua maior aspiração e se aproximar dos mais pobres seu maior pesadelo para que a classe média, mesmo a mais radicalizada, se apavore e afine a valentia.

O discurso da classe média é extremamente moralista, marcado com o ferro e o fogo do preconceito de quem ainda não se definiu como classe, e sectário na medida em que o cartão de crédito começa a zerar.

Por essa razão, quem decide hoje são a burguesia e o povo.
Por mais que o PFL, o Psol e o PSDB insistam no discurso lacerdista da moralidade, o povo sabe que, no fundo, a engrenagem só favorece os de cima, que quase todas as campanhas são montadas em cima do caixa dois, que as licitações públicas são, em sua maioria, direcionadas e as empresas, apesar de aparentemente defenderem o mercado como panacéia para todos os males, sempre recorrem à Viúva para resolver suas pendências.

Assim, os de baixo, os 40 milhões que estão comendo e mandando seus filhos para a escola por causa de programas como o Bolsa-Família e o Bolsa-Escola, entendem que é melhor ficar com Lula do que comer regrado nas mãos dos quatrocentões paulistanos. E uma boa parte da classe média, apesar da revolta com os sucessivos escândalos políticos, tem a boca adoçada pela estabilidade.
No fim, o povão é que vai decidir."

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