Luiz Carlos Cancellier matou 18 dias após ter sido preso sob suspeita de desvios de verba
Logo nas seis primeiras páginas das 817 que compõem o relatório final da Polícia Federal sobre supostos desvios de verba na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o nome do ex-reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo é citado oito vezes. Ali ele é apontado como quem “respaldava e sustentava” uma quadrilha que pilhava recursos da universidade.
O ex-reitor se jogou de um shopping de Florianópolis em 2 de outubro do ano passado, 18 dias após ter sido preso na operação Ouvidos Moucos.
Segundo a polícia, Cancellier “nomeou e manteve em posição de destaque” o grupo de professores que abastecia a “política de desvios e direcionamento nos pagamentos das bolsas” do programa de ensino a distância.
Apesar das acusações de que estaria no comando de uma suposta quadrilha, o relatório da PF não apresenta provas de que o ex-reitor teria se beneficiado financeiramente por essa participação. A Folha questionou a Polícia Federal sobre a ausência de provas contra Cancellier, mas obteve como resposta apenas que a investigação está finalizada.
No relatório, Cancellier só aparece, e indiretamente, em episódio citado que envolve repasses na conta de seu filho Mikhail. São três depósitos efetuados em 2013 pelo professor Gilberto Moritz que totalizam R$ 7.102 na conta do filho de Cancellier, que ainda não era reitor da federal.
O filho dele foi questionado por policiais federais e disse não lembrar o motivo das transferências. Na época, ele tinha 25 anos e era ajudado financeiramente pelo pai.
O delegado Nelson Napp, responsável pelo relatório final da operação, levantou uma suspeita. “Comenta-se que os recursos transferidos para Gilberto Moritz foram oriundos do projeto Especialização Gestão Organizacional e Administração em RH (TJ), coordenado por Luiz Carlos Cancellier, sendo este o ordenador de despesa do referido projeto. Após o recebimento dos recursos, Gilberto Moritz transferiu para Mikhail Vieira de Lorenzi Cancellier (filho do ex-reitor Cancellier) o valor de R$ 7.102,00.”
Essa suspeita bastou para o indiciamento de Mikhail. Moritz também foi incriminado.
Ao todo, 23 pessoas foram indiciadas por crimes como lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e peculato. O delegado aponta que Cancellier só não foi incluído nessa lista por causa da sua morte.
Cancellier é o único ex-reitor implicado na operação da PF. Ele assumiu o cargo em maio de 2016. Os fatos narrados aconteceram de 2008 a 2017. Porém os reitores que antecederam Cancellier nesse período, Alvaro Toubes Prata (2008 a 2012) e Roselane Neckel (2012 a 2016), não são alvos.
Isso apesar de o relatório da polícia afirmar que essa suposta quadrilha tinha influência na universidade “desde a origem mais remota do ensino a distância na UFSC”.
No entendimento da PF, o grupo investigado conseguiu “se manter em funcionamento naqueles moldes” por causa da sustentação política proporcionada por Cancellier.
O ex-reitor Alvaro Prata é citado no relatório final em apenas um caso relevante. Uma conversa no aplicativo de mensagens de celular mostra que ele alertou Cancellier sobre “uma ação da PF em curso e em sigilo envolvendo recursos da Capes e o ensino a distância da UFSC”. Posteriormente Cancellier foi preso sob a justificativa de que teria tentado obstruir as investigações. Mas Prata não foi alvo de medida policial.
A investigação na UFSC foi iniciada pela delegada Erika Mialik Marena, que estava entre os responsáveis pela Operação Lava Jato, em Curitiba, até o final de 2016. Transferida para Florianópolis em 2017, comandou a Ouvidos Moucos até a morte do reitor, quando foi transferida para Sergipe.
Na ocasião em que a operação foi deflagrada, em 14 de setembro do ano passado, a PF divulgou que combatia um desvio de mais de R$ 80 milhões na UFSC.
Mais tarde corrigiu a informação, esclarecendo que o valor citado era de todo o repasse para o programa de ensino a distância de 2008 a 2016.
No relatório final, antecipado pela revista Veja e obtido pela Folha, a Polícia Federal não aponta o total que teria sido desviado dos cofres da Federal de Santa Catarina.
Ela faz apenas uma listagem de casos para tentar demonstrar os crimes e diz que focou nos pagamentos de bolsas e nas despesas com lotação de veículos e motoristas.
Os valores analisados são modestos, se comparados a outras operações da Polícia Federal. No caso das bolsas de estudo, os policiais apontam que havia acúmulo indevido do benefício e repartição de dinheiro entre professores.
Para explicar o funcionamento do que classifica como “organização criminosa”, a PF cita um caso de 2015, ocorrido no Departamento de Ciência da Administração, em que um professor recebeu uma bolsa de R$ 1.300 para ministrar um seminário em Lages (SC) e foi pressionado por um coordenador de curso a devolver metade do valor para outro professor. Nesse período Roselane Neckel era a reitora.
Em outro ponto do relatório, a PF aponta que teria havido direcionamento na concorrência das empresas que prestavam serviço de transporte para a universidade e que o processo de orçamentação dos aluguéis de carros com motorista eram simulados.
Os policiais recorrem a um relatório do TCU para apontar superfaturamento de R$ 43 mil nos contratos feitos com as empresas de turismo por serviços prestados de março de 2015 a setembro de 2017, parte deles sob Cancellier.
Até reembolso de combustível foi usado na acusação.
Um professor que viajou, em 2014, de Florianópolis para uma aula magna na cidade de Lages (SC), foi colocado sob suspeição por causa de 48,74 litros de gasolina.
Os policiais federais calcularam que a distância de ida e volta entre as duas cidades é de 500 km —e estimou que um automóvel deveria consumir um tanque de combustível para esse trajeto.
Como o professor abasteceu duas vezes, somando 98,74 litros, então havia sobra de combustível. A nota fiscal do posto de gasolina referente ao segundo abastecimento é anexada para mostrar que o professor gastou R$ 140 para viajar de volta para casa.
PF NÃO EXPLICA
A Folha questionou a Polícia Federal sobre a ausência de provas contra o ex-reitor em um relatório de mais de 800 páginas, já que no documento ele é apontado como uma espécie de chefe de suposto esquema de desvios.
A reportagem também indagou a corporação sobre o fato de Cancellier ser o único reitor citado no relatório, sendo que os casos relatados se passam desde 2008.
Na resposta, a Polícia Federal se limitou a dizer que a investigação foi finalizada pela corporação e que essa agora está agora sob a análise do Ministério Público Federal. As informações são da Folha
O que é a Ouvidos Moucos
Uma operação da Polícia Federal que investigava desvios de verba nas bolsas de estudo do programa de educação à distância da UFSC, concedidas pela Capes (do governo federal)
14.set.17 Operação prende seis professores e o reitor, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, por supostamente tentar atrapalhar investigação da corregedoria da UFSC (ele não era suspeito de corrupção). Quem pediu as prisões foi a delegada Erika Marena, ex-coordenadora da Lava Jato
15.set.17 Juíza determina a soltura dos acusados, mas mantém decisão que os proibia de frequentar a UFSC
2.out.17 Cancellier se joga do 7º andar de um shopping de Florianópolis; “minha morte foi decretada quando fui banido da universidade!!!”, dizia o bilhete encontrado em seu bolso
nov.17 Com a repercussão da morte, é aberta uma investigação interna na PF para apurar a conduta dos policiais no caso, sobretudo a de Erika Marena. A sindicância concluiu que não houve irregularidades
dez.17 Erika Marena é transferida ao comando da Superintendência da PF de Sergipe, mas sua promoção só é efetivada em fev.18, por causa das dúvidas sobre sua conduta na Ouvidos Moucos
25.abr.18 Polícia Federal envia relatório final da operação à Justiça Federal, indiciando 23 pessoas. Entre elas está Mikhail Cancellier, filho do ex-reitor. O procurador André Bertuol, do Ministério Público Federal de SC, decidirá se o caso resultará em denúncia
Contradições da Polícia Federal
- A PF acusou Cancellier de dar suporte à quadrilha que desviava dinheiro, mas não encontrou provas de sua participação nem de recebimento de valores ilegais
Uma operação da Polícia Federal que investigava desvios de verba nas bolsas de estudo do programa de educação à distância da UFSC, concedidas pela Capes (do governo federal)
14.set.17 Operação prende seis professores e o reitor, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, por supostamente tentar atrapalhar investigação da corregedoria da UFSC (ele não era suspeito de corrupção). Quem pediu as prisões foi a delegada Erika Marena, ex-coordenadora da Lava Jato
15.set.17 Juíza determina a soltura dos acusados, mas mantém decisão que os proibia de frequentar a UFSC
2.out.17 Cancellier se joga do 7º andar de um shopping de Florianópolis; “minha morte foi decretada quando fui banido da universidade!!!”, dizia o bilhete encontrado em seu bolso
nov.17 Com a repercussão da morte, é aberta uma investigação interna na PF para apurar a conduta dos policiais no caso, sobretudo a de Erika Marena. A sindicância concluiu que não houve irregularidades
dez.17 Erika Marena é transferida ao comando da Superintendência da PF de Sergipe, mas sua promoção só é efetivada em fev.18, por causa das dúvidas sobre sua conduta na Ouvidos Moucos
25.abr.18 Polícia Federal envia relatório final da operação à Justiça Federal, indiciando 23 pessoas. Entre elas está Mikhail Cancellier, filho do ex-reitor. O procurador André Bertuol, do Ministério Público Federal de SC, decidirá se o caso resultará em denúncia
Contradições da Polícia Federal
- A PF acusou Cancellier de dar suporte à quadrilha que desviava dinheiro, mas não encontrou provas de sua participação nem de recebimento de valores ilegais
- No dia das prisões, a PF divulgou em rede social que o esquema teria desviado R$ 80 milhões; mais tarde, reconheceu erro no valor, que na verdade correspondia a todo o repasse ao programa de 2008 a 2016
- O parecer que acabou arquivando a investigação interna na PF, como revelou a Folha, foi feito pelo delegado Luiz Carlos Korff, que também é diretor de comunicação da PF catarinense
OUTRAS OPERAÇÕES DA PF EM UNIVERSIDADES FEDERAIS
Universidade Federal de Minas Gerais
- Operação: Esperança Equilibrista
- Quando: 6.dez.2017
- Suspeita: Desvio de R$ 4 milhões na construção e implantação do Memorial da Anistia Política do Brasil na universidade
- Fase atual: Inquérito ainda não foi concluído; a Polícia Federal afirmou que o enviou à Justiça Federal e encerrará a investigação quando ele retornar: “As análises dos materiais apreendidos estão em fase adiantada, assim como o rastreamento dos recursos públicos aguardam as últimas informações bancárias”, disse em nota
- Resultado: O reitor Jaime Arturo Ramirez e a vice-reitora Sandra Regina Goulart Almeida foram alvos de condução coercitiva. Outras cinco pessoas também foram levadas a prestar depoimento. Almeida assumiu o posto de reitora após o fim da administração de Ramirez, em março
- O que diz a UFMG: Afirmou que está à disposição das autoridades e convicta de que tudo será esclarecido
Universidade Federal de Juiz de Fora
- Operação: Editor
- Quando: 21.fev.2018
- Suspeita: Fraudes e superfaturamento nas obras do Hospital Universitário
- Fase atual: Polícia Federal concluiu a investigação, e denúncia já foi oferecida
- Resultado: Cinco pessoas presas, incluindo o ex-reitor Henrique Duque; um mês depois, todos haviam deixado a prisão (a defesa de Duque questionou a necessidade da prisão preventiva)
- O que diz a UFJF: Afirmou que não há o que comentar
Universidade Tecnológica Federal do Paraná - Campus Cornélio Procópio
- Operação: 14 Bis
- Quando: 13.mar.2018
- Suspeita: Esquema de fraudes em contratos e licitações que somam R$ 5,7 milhões
- Fase atual: Ministério Público Federal ainda analisa documentos apreendidos, mas diz que pode oferecer denúncia a partir das provas já coletadas
- Resultado: 20 pessoas presas, todas soltas atualmente; dois servidores já haviam sido demitidos antes da operação em 2016, após processo administrativo, e seis receberam advertência e foram transferidos
- O que diz a UTFPR: A nova gestão informou que contribui com as investigações
Carolina Linhares, de Belo Horizonte
Leia também:Marina Silva some e quando aparece só comenta fatos acontecidos ha dois anos atrás. Leia aqui
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