Pages

domingo, 24 de junho de 2012

Lugo: quem ri por último, rirá melhor?

Causou perplexidade a forma como o presidente Lugo jogou a toalha, acatando seu impeachment, em golpe sumário, de forma até surpreendente pela falta de reação mais contundente. Chegou a sair com um sorriso do Palácio, coisa estranha para quem acabara de levar um golpe.

Ele poderia ter feito um escândalo na imprensa internacional, como fez Zelaya em Honduras, mas ficou voltado só para o embate interno no Paraguai. Poderia não ter enviado advogado para fazer sua defesa ao Senado para não legitimar o julgamento de impeachment. Poderia ter convocado de própria voz o povo nas ruas. Não fez nada disso.

Seria radicalismo cristão, ao oferecer a outra face após ser "esbofeteado" (de forma figurada) por dezenas de senadores e deputados?

Não. Ouvindo suas palavras no dia seguinte, nota-se que ele tem uma estratégia política.

É preciso entender a realidade do Paraguai, para tentar compreender os movimentos do presidente deposto.

Lugo foi eleito com uma coligação ampla, para vencer o partido colorado, das oligarquias, que estava no poder há décadas.

Ele, como o "bispo dos pobres", militante pela inclusão social. Do outro lado, o Parlamento eleito, inclusive com seus ex-aliados, era todo conservador e ele não conseguia governabilidade para fazer reformas populares. Mesmo na presidência, e com "vontade política", não conseguia fazer um governo verdadeiramente progressista. E ainda por cima, toda vez que não mandava baixar o porrete em movimentos sociais, era ameaçado de impeachment, até que aconteceu.

É improvável que Lugo tenha provocado seu próprio impeachment, mas a partir de certo ponto ele parece ter resolvido fazer do limão, a limonada. Em vez de passar 5 anos como um leão sem dentes na presidência, e passar a faixa devendo promessas que não teria como cumprir, preferiu expor seus adversários como seus algozes, e jogar o ônus de um governo travado pelo Congresso, a quem de direito.

Lugo foi derrubado da presidência aceitando o "processo legal", logo ninguém pode prendê-lo, nem persegui-lo. Por isso, ele já é o líder da oposição em campanha eleitoral que ocorrerá daqui a 10 meses. Em vez de ser vidraça por fazer um governo travado, voltou a ser estilingue contra o partido colorado (e seus ex-aliados, de seu vice, que viraram a casaca para o lado da oposição)

Parece que Lugo não pode ser candidato a presidente nas próximas eleições (talvez possa, há controvérsias), mas no sábado disse pensar em ser candidato ao senado. No Paraguai o voto é em lista. Lugo puxando a lista elegerá uma grande bancada, e seu partido ainda terá grande chance de fazer o presidente, afinal o mesmo discurso de mudança que o elegeu em 2008, continua atual, já que ele foi impedido. E os atuais adversários ainda irão para o pleito com a pecha de golpistas pendurada no pescoço.

Se não der errado, a coligação de esquerda de Lugo recupera a presidência em 2013 e com uma nova correlação de forças no parlamento muito mais favorável.

O Brasil é o país mais importante para o Paraguai, por suas relações econômicas e fronteiriças. O grande desafio do governo Dilma é rebater a jurisprudência do golpe de estado "constitucional" criado, e deixar claro que golpes não podem ser recompensados. Mais um precedente, além do que houve em Honduras, não é nada bom para américa latina. Mas também é preciso calibrar a dose ministrada de sanções, para não causar retrocesso maior no Paraguai. O vice já será um governo fraco, e se cair no caos, poderá emergir algo como um golpe pior de algum aventureiro, nos moldes dos golpes dentro do golpe do século passado, patrocinado por países imperialistas, para melar eleições livres.

Ao que tudo indica, o grande desafio no Paraguai para as forças políticas progressistas e solidárias latino-americanas será fortalecer o projeto oposicionista de Lugo e enfraquecer o governo golpista de Frederico Franco, até as próximas eleições (ou até alguma reviravolta que antecipe o processo).

Em tempo: há quem reclame outro caminho, como o da rebelião popular, mas é preciso entender que não existe mobilização suficiente para isso lá, como foi visto desde sexta-feira. O que parece haver é o desejo de mudança da maioria pobre e da classe média progressista, mas silenciosa, que se manifesta nas urnas. Portanto o caminho pacífico da política escolhido por Lugo ainda é o melhor remédio, por enquanto.

Leia também:
- Paraguai: Dessa vez a crise é nossa; os yankees apenas assistem de camarote

5 Comentários:

Luiz Müller disse...

O imperio trama e derruba governos. Antes era pela força das armas, agora é através de golpes brancos, como foi com Zelaya e agora com Lugo, e será com outros também. O desenvolvimento econômico trazido pelos governos de esquerda, inclusive o PT, fez surgir o que alguns chamam de nova classe média, conservadora e silenciosa. Sem vínculos ideológicos e sem memória historica do necessario passado de lutas da classe trabalhadora, para atingirmos o patamar em que estamos, esta tal nova classe média estará pronta a trocar de lado ao primeiro sinal de crise. No paraguai, assim como em Honduras, não havia a elaboração necessária sobre o papel das classes. Se não cuidarmos, o Brasil tamb´wm cairá nesta esparrela e quando o golpe vier, patrocinado pelo império e divulgado pelo PIG, não teremos as respostas necessárias, pois há muito já não fazemos as perguntas que tem que ser feitas.

Ana Cruzzeli disse...

É isso que eu não entendo, quer dizer que ele não perdeu todos os direitos politicos?
Sendo assim, acho que Lugo pode formar sim um frente de resistencia pacifica e pode sim eleger outro presidente de esquerda, aí o tiro sai pela culatra e a oposição firma-se contra todos os golpes futuros.

Agora sim, acho que Lugo pensou com a cabeça. Qualquer um tem mais chance que esses golpistas, o medico-vice-usurpador agora dá um de santo que nada sabia do golpe. Parece que algo de muito bom pode surgir dessa encrenca toda. Faço votos

síntese disse...

não substimem os yankees - nos lembremos que há pouco tempo desejavam instalar uma base militar no Paraguai.

Anônimo disse...

Ainda assim, as declarações hoje dele diferem muito das feitas anteriormente - até pq recebeu apoio internacional. O mínimo que deveria fazer é exortar o povo a resistir ao golpe e não é esse o fato que mudaria a posição dos países da UNASUL. O embate político é necessário e inevitável - mais cedo ou mais tarde ele acontecerá. Lugo errou sim! Agora, o que importa é o papel que ele joga hj, negando assistência aos golpistas - se é que continuará assim. Veremos, a história tb é pródiga, sei de algo, Allende fez política e hj a juventude lembra dele, Jango - ao contrário - caiu no esquecimento.

Renato de la Rocha disse...

Casualmente, eu fiz o mesmo tipo de comentário na minha página do Facebook no dia 23, às 23 horas - https://www.facebook.com/renatokanaandelarocha (ver dia 23/06).
Quanto à falta de maior "mobilização" popular, é porque a maioria do povo, que apoia ao Lugo, é do "interior" e não tiveram tempo para reagir. Este foi um dos motivos da "pressa" em fazer o "julgamento". Como se sabe, os militares estão na capital. Mas a luta já começou no campo - vide invasões de terra que estão começando.

Postar um comentário


Meus queridos e minhas queridas leitoras

Não publicamos comentários anônimos

Obrigada pela colaboração