O Ministério Público Federal (MPF) em Piracicaba ingressou com ação de improbidade administrativa na sexta-feira (30) contra o procurador da Fazenda Nacional Edson Feliciano da Silva e a Dedini S/A Equipamentos e Sistemas, ambos da cidade. A empresa pagou ao Governo Federal boa parte de suas dívidas com móveis e um imóvel superfaturados, segundo o órgão. Eles foram oferecidos e aceitos sem avaliação oficial, por valores até oito vezes maiores que os praticados no mercado, o que causou prejuízo de R$ 8,2 milhões à União.
Essa medida, quando a União aceita bens para o pagamento de dívidas, é conhecida como adjudicação. Ela só é tomada depois que a empresa coloca em penhora os bens, que ficam indisponíveis e são utilizados em leilão para arrecadação de dinheiro. Entre 2005 e 2008, os valores penhorados pela Dedini junto à Fazenda Nacional totalizaram R$ 13,7 milhões, atualizados até setembro de 2011.....
“Foram adjudicados móveis, o imóvel destinado para a sede da Procuradoria Seccional da Fazenda Nacional (PSFN) em Piracicaba, equipamentos de informática, veículos, aparelhos de ar condicionado, obras de arte, além de objetos supérfluos e luxuosos”, disse a procuradora da República Heloísa Maria Fontes Barreto.
Procurador
Do procurador, o MPF questiona a decisão de não ter feito licitação para aquisição dos móveis e equipamentos. No período em que foi procurador seccional da Procuradoria em Piracicaba, Silva “resolveu” os problemas de infraestrutura do órgão na cidade.
Ele escolheu o prédio onde queria montar a nova sede da Procuradoria e foi em busca de devedores que pudessem ajudá-lo na empreitada.
Segundo o MPF, por meio de conluio com diversas empresas, Silva conseguiu um prédio novo (rua São José, 844), atual sede da PSFN e que estava luxuosamente mobiliado, além de oferecer móveis para diversos outros órgãos da cidade.
Equipamentos
Entre os equipamentos e móveis penhorados pela Dedini estão uma estante de R$ 6 mil, que foi aceita na negociação da dívida pelo valor de R$ 50 mil. “Em outro produto, uma nota fiscal de uma mesa de trabalho em forma de L, por exemplo, o preço é de R$ 6 mil, mas foi aceito por R$ 45 mil na adjudicação, entre outros casos semelhantes”, afirmou Heloísa. A Dedini continua com dívidas com a União, mas os valores e o motivo das dívidas são protegidos por sigilo fiscal, segundo a procuradora.
Parte dos móveis e equipamentos de informática está em outros órgãos públicos federais da cidade, como a Gerência Executiva do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), Delegacia da Polícia Federal (PF), Justiça Federal e da própria Procuradoria. O restante foi distribuído em outros órgãos do Estado.
Heloisa afirmou que Silva “achou um jeito de equipar as unidades sem precisar de licitação”. “Ambos serão investigados, pois a empresa se beneficiou do ato imoral. Estamos investigando o recebimento dos bens em pagamento da dívida desde 2009.”
Esquema
As adjudicações eram realizadas seguindo um mesmo padrão. Executada judicialmente pelo não pagamento de dívidas, a Dedini oferecia penhora de um percentual de seu faturamento e, posteriormente, apresentava bens para adjudicação, em substituição à penhora, o que era aceito por Silva sem exigir nenhuma avaliação oficial dos bens.
“Não tem nenhum sentido que o devedor compre bens, ou seja, gaste dinheiro para comprar bens e, se ele tem dinheiro, deve pagar a dívida em dinheiro”, afirma a procuradora Heloísa.
Um imóvel pelo preço de 2
A aquisição do prédio onde funciona a sede da PSFN em Piracicaba é o exemplo mais escandaloso, segundo o MPF. Silva escolheu o prédio, propôs à empresa cúmplice que o comprasse e reformasse e, depois, oferecesse em adjudicação para o pagamento das dívidas.
Avaliado em R$ 3,1 milhões, em valores atualizados pelo Serviço de Patrimônio da União, o prédio foi adjudicado por R$ 8,1 milhões, o que causou um prejuízo de R$ 5,1 milhões à União. “A União pagou o equivalente a 2,632 prédios por apenas um”, apontou Heloisa.
O prejuízo foi ainda maior porque, durante a reforma, a empresa utilizou diversos equipamentos, como central de ar-condicionado, transformador e elevador hidráulico, que já haviam sido adjudicados à PFN em outras ações judiciais. Em valores atualizados, esses equipamentos custam mais de R$ 670 mil e foram pagos em duplicidade pela União.
Móveis
Além disso, o procurador da Fazenda Nacional aceitou a adjudicação de R$ 5,4 milhões em bens móveis, utilizados para mobiliar o novo prédio e outras unidades da PFN e do Ministério da Fazenda em São Paulo. O MPF solicitou à Controladoria Geral da União (CGU) que avaliasse o valor exato desses bens adjudicados. O relatório final, no entanto, avaliou apenas uma parcela desses bens, já que muitos não tinham equivalentes no sistema de compras da União.
“Verificou-se que houve diferenças de 32% a 1085% entre os valores adjudicados e os valores cotados. Portanto, considera-se que os valores adjudicados não estão condizentes com os valores de mercado”, apontou o relatório da CGU. Sem conseguir apurar o valor de mercado de todos os bens móveis adjudicados, o MPF apontou um prejuízo comprovado de R$ 2,2 milhões nessas operações. Mas, segundo a procuradora da República que cuida do caso, esses valores podem ser muito maiores. “É difícil até achar palavras para descrever tamanha faltas de escrúpulos e de respeito com o patrimônio público”, aponta Heloisa.
Ainda conforme o MPF, os valores ajustados das adjudicações eram tão exorbitantes que em pelo menos um caso a juíza titular da 2ª Vara Federal de Piracicaba, Rosana Campos Pagano, recusou-se a homologar o acordo, mesmo com o aceite de Silva. Em sua decisão, a juíza considerou “inadmissível” os termos do acordo.
Entre os valores que foram recusados pela juíza estaria o quase pagamento de R$ 1.366,72 por uma lixeira, R$ 568,65 por um cinzeiro, R$ 1.143,78 por um vaso decorativo e R$ 64.842,59 por dois conjuntos de sofá.
O MPF afirma que a confiança no esquema montado era tão grande que a empresa ré entregava os bens à PFN antes mesmo da adjudicação ser homologada judicialmente. No caso da adjudicação que foi recusada pela Justiça, os valores indicados pela empresa chegavam a R$ 1,2 milhão. Avaliação feita por oficiais de Justiça, no entanto, demonstrou que os bens oferecidos valiam apenas R$ 295,3 mil.
Entre as irregularidades, o MPF identifica casos em que a adjudicação foi feita, mas os móveis não foram localizados. “O resultado da inspeção física realizada pela CGU concluiu que 89,7% dos itens foram encontrados. Se essa amostra for confiável do ponto de vista estatístico – o que não se sabe – seria possível dizer que 10% dos bens móveis não foram entregues ou foram 'perdidos' depois de adjudicados e tiveram o valor correspondente abatido da dívida da ré”, apontou Heloisa.
Medidas
Para resolver definitivamente a questão, o MPF pede que a União realize um levantamento patrimonial de todos os bens em uso nas procuradorias seccionais e nos órgãos do Ministério da Fazenda que receberam bens adjudicados. A ação também pede que seja estipulada uma multa de duas vezes o valor estimado dos prejuízos causados à União, “como forma de compensar o prejuízo que não chegou a ser devidamente apurado”. Se for condenado, o procurador da Fazenda Nacional poderá perder o cargo, além de outras punições previstas na lei de improbidade administrativa.
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