Não há como escapar: o Brasil vai atravessar 2010 mergulhado na disputa eleitoral. O governo vai ligar as trombetas e dizer que nunca o povo esteve tão bem e que a melhor saída é o continuísmo. E a oposição terá de se virar à procura de um discurso - porque perdeu o dela para Lula, e não soube retomá-lo.
É assim que o cientista político Murilo Aragão, presidente da ArkoAdvice, vê o cenário nacional - e tudo temperado por uma forte retomada da economia. “Vemos hoje o oposto do que ocorreu em 1994”, diz ele. “Naquela época, o PT tentou desqualificar o Plano Real, mas ele deu certo.” Na prática, alerta Aragão, PT e PSDB têm visões semelhantes do País e a decantada falta de discurso dos tucanos existe porque o partido não soube “desenvolver um discurso para se apropriar do discurso de Lula”. A seguir, trechos da entrevista.
Qual a paisagem à vista, para 2010?
Um mundo político totalmente focado nas eleições e, fora delas, a retomada da economia.
O que o sr. chama de “retomada”?
Os indicadores são muito positivos. Deveremos ter crescimento acima dos 5%. No transporte aéreo, por exemplo, já tivemos um aumento expressivo em 2009 e tudo indica que esse ritmo continua em 2010.
Há economistas alertando para o problema de investimentos. Eles virão na medida necessária?
O Brasil é, hoje, um destino atraente para o investidor estrangeiro. Já é o quarto maior destino - só perde para China, EUA e Índia. Mas vamos viver um período com um vetor de expansão econômica e outro de pressão sobre a política cambial.
Teremos um ano com debate mais forte sobre câmbio?
Essa é uma agenda importante: como administrar o sucesso pelo lado do câmbio. Mas cresce o interesse do Brasil para investimento direto. ele reúne um mix interessante. Mercado interno forte, eventos específicos - Copa do Mundo, Olimpíada, pré-sal -, necessidade de investimentos na infra-estrutura...
Na corrida eleitoral, que caminhos o sr. imagina?
Candidatos ou pesquisas à parte, é bom lembrar que a disputa se desenvolve em três dimensões diferentes, nem sempre coincidentes, no Congresso, no Planalto e nos Estados. Um conflito típico: o PMDB quer emplacar um vice na chapa governista e a prioridade do PT é vencer a eleição. Ocorre que os petistas têm um projeto de longo prazo, não compatível com a coalizão - que é um acerto de curto prazo, para durar quatro anos.
A oposição parece ainda sem discurso. Por que isso acontece?
Porque ela tem uma identificação muito grande com a política que vem sendo feita por quem já está no poder. O miolo da política brasileira é social-democrata. Com um modelo de Estado forte, alta arrecadação tributária e um papel proeminente das estatais na economia. Todo o meio político gosta disso, no PT, PSDB, PMDB.
Ou seja, o cenário permite ao governo defender o continuísmo?
Pois é, a situação que se coloca é de um ambiente psicossocial muito favorável ao governo, o que se percebe nas altas taxas de aprovação que ele tem obtido. O País está satisfeito com o modelo que vive. E a oposição está marcada pelos episódios das privatizações. Mas o “episódio neoliberal do PSDB” foi pontual e circunscrito a alguns setores. Não foi por adesão ideológica. No segundo governo FHC, a privatização “micou”. Então, haverá grande dificuldade para a oposição fazer disso um discurso eleitoral. Ela é parecida ao governo, em termos de política econômica, social e industrial, e carece de um modelo alternativo.
Como explicar que FHC, tão bem avaliado no passado e tendo feito uma política tão parecida, não tenha hoje o mesmo impacto?
O PSDB não conseguiu desenvolver um discurso para se apropriar do discurso de Lula. Ao contrário, ficaram tentando desqualificar o seu governo - mas ele acabou dando certo. É uma repetição do que vimos em 1994: o PT tentou desqualificar o Plano Real, mas este deu certo e quem acusava ficou queimado.
De que modo os tucanos se apropriariam do sucesso de Lula?
Poderiam usar o governo de São Paulo como um “show case”. Se todos os tucanos se tivessem concentrado em fazer de São Paulo essa grande vitrine, poderiam conseguir uma força para ser usada nacionalmente. Mas isso não acontece. Serra é bem avaliado, mas a percepção de sucesso dele, hoje, não é páreo para a percepção geral de sucesso de Lula.
Qual será o tamanho da candidatura de Marina Silva?
Ela é um ícone da questão ambiental, mas não sei se isso é suficiente. A mensagem ambiental no Brasil ainda é fraca, não se articula para ser eleitoralmente competitiva.
Depois do PSDB, agora é o PT que tem um projeto de 20 anos no poder. O que isso significa para o País?
Não acho que seja ruim. O que é ruim é o eleitor não ter a possibilidade de troca, ou se o continuísmo decorrer de fraude ou ausência de concorrentes. Se ganham limpo, OK.
Mas isso não enfraquece a renovação?
Vejo isso de forma diferente. O que há no Brasil é uma forma patológica de voluntarismo, uma burocracia lenta e indomável, enquanto os problemas demandam decisões rápidas. Veja por exemplo o apagão aéreo: desde aquela época nada foi feito. Cumbica continua um lixo, lotado, com problemas no TCU, na Infraero, problemas ambientais. O País precisa crescer e o processo está encalacrado. No Estadão
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