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segunda-feira, 10 de agosto de 2009

O enigma da ex-secretária da Receita Federal Lina Maria Vieira

Uma semana antes de ser exonerada da Direção da Receita Federal, Lina Vieira entregou ao Senador Garibaldi Alves (PMDB/RN) relatório sobre a carga tributária no Brasil. Ela tem um currículo que demonstra bom trânsito nos meios políticos.


Quando Lina Maria Vieira foi exonerada da Secretaria da Receita Federal, saiu demonstrando ressentimento, criticando o governo. Mas até aí era um comportamento normal, dependendo da personalidade da pessoa.

A entrevista publicada na Folha de São Paulo de ontem é que levanta suspeitas de que há algo bem maior por trás disso.

E esse algo parece apontar para uma das duas alternativas:

1) Ou é apenas jogo político claramente a serviço da oposição;

2) Ou é desespero diante de algum delito grave que aconteceu em sua gestão (não necessariamente por responsabilidade dela), daquele tipo que acaba em operações da Polícia Federal.

As declarações de Lina Vieira são desabonadoras para ela mesma, pois ela faz denúncias à IMPRENSA, só DEPOIS de estar fora do governo, mais de 7 meses DEPOIS do fato que diz ter ocorrido, mantendo-se calada esse tempo todo, quando o correto seria denunciar ao Ministério Público Federal.

Mas, se a denúncia fosse verdade, ainda assim seria válida, antes tarde do que nunca. Não haveria porque desqualificá-la.

As questões de fundo são outras.


A notícia dias antes

No dia 25/07/2009 a Folha de São Paulo, já publicou uma notícia, recheada de versões de um dos lados, onde destacamos os tópicos (reparem bem nos grifos em negrito):

"... Aperto na fiscalização nos negócios dos Sarney é um dos fatores que levaram à demissão da secretária da Receita Lina Maria Vieira ...

... Numa devassa sem precedentes nas empresas da família Sarney, a Receita Federal indicou a prática de crimes contra a ordem tributária, como remessa ilegal de recursos para o exterior, falsificação de contratos de câmbio e lavagem de dinheiro, entre outras ilegalidades ...

... São 17 ações fiscais em curso, que atingem 24 pessoas e empresas relacionadas direta e indiretamente aos Sarney, incluindo sete contribuintes do Rio de Janeiro e São Paulo ...

... O trabalho dos auditores está em andamento, não tendo havido ainda autuações ...

... O inquérito [da Polícia Federal] foi instaurado em fevereiro de 2007, a partir de uma comunicação feita pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras - subordinado ao Ministério da Fazenda, tanto quanto a Receita Federal), que detectou movimentações atípicas no valor de R$ 3,5 milhões realizadas por Fernando Sarney e empresas da família às vésperas da eleição de 2006 ...

... Com base no trabalho da PF, o juiz Ney Bello Filho (1ª Vara Federal do Maranhão) determinou à Receita, em setembro de 2007, a fiscalização sobre as pessoas físicas de Fernando e Teresa, e em três empresas da família: Gráfica Escolar, TV Mirante e São Luís Factoring....

... Na época, o secretário da Receita era Jorge Rachid. Um ano depois, em setembro de 2008, o juiz, insatisfeito com a lentidão e o resultado do trabalho dos fiscais, expediu novo ofício à Receita determinando celeridade do fisco, sob pena de prisão de dirigentes do órgão ...

... Na gestão de Lina, que assumiu em julho de 2008, a Receita constituiu um grupo fiscdealização, composto por auditores de fora do Maranhão. Dos sete contribuintes inicialmente investigados, a ação se estendeu para 24 pessoas físicas e jurídicas e deve chegar a cerca de 50, segundo a Folha apurou ..."


A notícia acima leva às seguintes conclusões:

1) É uma defesa acrítica da gestão de Lina pelo jornal, e tentativa de vincular sua demissão ao escândalo de Sarney (possivelmente plantada por gente do grupo de Lina).

2) NÃO HOUVE AUTUAÇÕES ainda, no entanto há detalhes na notícia, como ampliação do número de investigados, que só auditores da Receita poderiam saber. Logo, a fonte da Folha vem de auditores da receita, interessados em defender a gestão Lina, ou salvarem a própria pele.

3) Aparentemente há algo de muito errado no trabalho da Receita. A narrativa da Folha transparece que o trabalho da Polícia Federal andou e da Receita não, pois NÃO HOUVE AUTUAÇÕES ainda. Há uma tentativa no texto em jogar responsabilidade por omissão na gestão de Rachid.

4) Há contradição em dizer que Lina caiu por fiscalizar Sarney. Então por que Rachid caiu e foi substituído por ela, se o texto insinua que na gestão dele haveria favorecimento à Sarney e outros?

5) O texto não diz se algum resultado do trabalho dos fiscais foi entregue à justiça entre julho e setembro de 2008 (quando o juiz ameaçou a direção da Receita de prisão), ou se nada andou e nada foi entregue. Não dá para concluir o teor dos ofícios trocados pela Receita e pela Justiça na gestão de Lina, pelo texto.

6) O Juiz cobrou celeridade sobre 2 pessoas e 3 empresas. É estranho a Receita ampliar a fiscalização sobre 24 pessoas físicas e jurídicas, antes de concluir e autuar a fiscalização sobre as ordens judiciais. Parece desvio de foco dos alvos da justiça.

Resumindo: aparentemente, alguém está em maus lençóis dentro da Receita perante a Justiça, e está mandando recados pela imprensa, querendo impunidade, em troca de não produzir escândalos que levem a desgaste político. É apenas uma tese, por enquanto. Vamos aguardar os desdobramentos.


A entrevista que acusa Dilma

O jornal Folha de São Paulo publicou ontem a seguinte entrevista:

FOLHA - A Folha obteve a informação de que a sra. foi chamada pela ministra Dilma ao Planalto e que ela lhe pediu para encerrar logo uma fiscalização nas empresas da família Sarney. Como foi a conversa?

LINA VIEIRA - O encontro ocorreu, mas não posso dar detalhes.

FOLHA - O próprio Fernando Sarney, em carta enviada à Folha e publicada no dia 26, confirmou a investigação da Receita nas empresas da família.

LINA - Tenho que respeitar o sigilo fiscal previsto no CTN [Código Tributário Nacional].


FOLHA - Vamos nos ater apenas ao encontro com a ministra. Como foi a conversa?

LINA - Na verdade, a chefe de gabinete dela, a Erenice, foi até a Receita e disse que a ministra queria conversar comigo. Eu perguntei do que se tratava, e Erenice disse que não sabia. Foi uma conversa muito rápida, não durou dez minutos. Falamos sobre algumas amenidades e, então, ela me perguntou se eu podia agilizar a fiscalização do filho de Sarney. Eu disse que não sabia da auditoria e que ia verificar.


FOLHA - Mas o que sra. respondeu?

LINA - Não fiz comentário, nem se eu ia atender, se não ia atender. Fui embora e não dei retorno.


FOLHA - Qual o recado que a sra. entendeu ali?

LINA - Para encerrar [a fiscalização]. Estava no processo de eleição do Senado, acho que não queriam problema com Sarney.


FOLHA - A sra. se lembra como a ministra estava vestida?

LINA - Ela estava com muita pressa, parece que tinha outra audiência em seguida. Estava com um xale, por cima de uma blusa, de óculos. Não estava, assim, de terninho.


FOLHA - Quando foi o encontro com Dilma?


LINA - No final de 2008. Me lembro que foi após a determinação judicial para reforçar a fiscalização. Pedi para minha secretária procurar nas minhas agendas, mas minhas coisas estão empacotadas.



Qualquer analista político teria dificuldade em considerar essa versão verossímil. Pois, ainda que houvesse falta de virtude, por esperteza, qualquer político, já alçado à condição de presidenciável, não se exporia pessoalmente, e enviaria recados por emissários.

Ainda mais, considerando não haver proximidade nem pessoal, nem hierárquica, nem política entre Dilma e Lina.

Lina era subordinada ao Ministério da Fazenda e não à casa civil. Quem é apontado como defensor da nomeação de Lina é o secretário-executivo do Ministério da Fazenda Nelson Machado.

Ainda que houvesse esse tipo de conversa, o emissário natural seria Nelson Machado, ou o próprio Ministro da Fazenda, Guido Mantega.

A história fica mais mal contada, quando diz que tratou-se de uma reunião rápida de 10 minutos, com tempo para conversar amenidades, e soltar um pedido destes, sem qualquer eficácia, nem comprometimento de que seria cumprido.

A não ser que a história esteja mal contada ...

Caso a Justiça Federal tenha notificado outras instâncias de governo, como a Presidência da República, a qual a Casa Civil pertence, cobrando celeridade das investigações, assim como notificou a Receita Federal, passaria a fazer sentido Dilma chamar Lina para cobrar a agilidade na fiscalização, o que nada mais é do que atender à celeridade cobrada pela Justiça.

Seria exatamente o contrário de pedir para encerrar a fiscalização, como diz Lina ter entendido.

Se Dilma tivesse dito isso, na verdade, estaria sendo coerente com aquilo que a justiça pedia. Mas com certeza o teor da conversa seria em tom complemente diferente do descrito na Folha.

De qualquer forma, Dilma já desmentiu a existência dessa conversa.


Afirmações sob medida para escândalos políticos sem grande risco jurídico

As afirmações de Lina Vieira, dizendo tratar-se de um encontro a sós, sem testemunha, sem gravação, são sob medida para produzir um escândalo político sem risco jurídico.

Ao dizer que "entendeu" tratar-se de um "pedido para encerrar a fiscalização", ela não fez uma acusação direta de que teria havido de fato o pedido para encerrar. Ela apenas diz ter entendido assim.

Cai naquela mesma vala jurídica do assessor de Álvaro Dias, quando dizia ENTENDER que "banco de dados" era dossiê.

Ou seja, as declarações são um factóide, com potencial para a imprensa golpista fazer a festa, mas que, se levada às barras dos tribunais, no máximo o "eu entendi" se transformará em "eu entendi errado", sem maiores consequências jurídicas para Lina.

Oportunismo político na data da denúncia

É sintomático que essas declarações venham, via imprensa, justamente após a CPI da PetrobraX não aprovar a convocação dela, como queria a oposição.

Lembra muito os casos do "dossiê" usado como chamariz para arrolar o nome Dilma em escândalo inexistente, quando a CPI dos cartões corporativos deu em nada, e ela começava a crescer nas pesquisas.

Lembra o caso da ex-charuteira, Denise Abreu, convocada ao Congresso pela oposição para se dizer "intimidada" por Dilma, quando era diretora da ANAC. No caso da charuteira, percebe-se que ela também procurou a oposição quando viu-se em maus lençóis perante a justiça, por atos de sua responsabilidade.

Lina Vieira foi a ex-secretária da Receita com mais vínculos com políticos

Não se trata de pré-julgar, nem que isso a condene, mas é preciso constatar uma observação: Lina Vieira é concursada e fez carreira na Receita, mas foi a Secretária da Receita Federal com mais bom trânsito entre políticos, em seu currículo.

Fora da Receita Federal, exerceu os cargos de confiança:

1995/1998 – Secretária de Estado do Governo do Rio Grande do Norte (Secretaria da Tributação), nomeada pelo então governador Garibaldi Alves Filho (PMDB/RN), atual senador.

2003/2007 - Ocupou o mesmo cargo acima, porém nomeada pela governadora Wilma de Faria (PSB/RN).

Na Receita Federal, também ocupou diversos cargos de confiança, em diferentes governos, o que pode ser por meritocracia, mas de qualquer forma, sobreviveu a estes governos ocupando cargos nomeados por ministros e subordinados aos ministros:

1987 a 1990 – Delegada do Ministério da Fazenda no Rio Grande do Norte (Governo Sarney e governador do RN era Geraldo Melo - PMDB);

1992 a 1993 – Conselheira representante do Ministério da Fazenda no 1º Conselho
de Contribuintes (governo Itamar Franco e, talvez, fim do governo Collor)

1993 a 1995 – Delegada da Receita Federal em Natal/RN (Governo Itamar Franco e governador do RM, José Agripino Maia - PFL/DEMos)

1999 a 2002 – Conselheira, representante do Ministério da Fazenda, nos 1º e 2º
Conselhos de Contribuintes (Governo FHC).

O senador Garibaldi Alves Filho (PMDB/RN) fez pronunciamento no plenário do Senado lamentando a exoneração de Lina Vieira.

Garibaldi fez um discurso político afirmando que Lina foi demitida porque “enquadrou a Petrobrás e os bancos” e não pelo fato de ter contribuído para a queda na arrecadação de impostos, "como alegam os que trabalharam pela saída dela da Receita Federal do Brasil". É a versão que Lina Vieira contou.

Com esse currículo e vínculos, causa estranheza ela atribuir sua demissão, entre outras causas,
à recusa em atender pedidos de políticos.

A estranheza se deve à experiência. Se ela não atendia, certamente tinha desenvolvido experiência suficiente para dizer não, "tirando de letra" pedidos inconvenientes, ao longo do tempo, a partir dos cargos que já ocupou.


Contradição na acusação contra a gestão anterior de Rachid

Na entrevista de Lina relatada pela Folha (e não transcrita) mostra uma contradição nos argumentos:

"... Segundo Lina, o pedido de Dilma ocorreu cerca de dois meses após o fisco ter recebido ordem judicial para devassar as empresas da família Sarney. Auditores da Receita ouvidos pela Folha dizem que uma fiscalização como essa pode levar anos. Encerrá-la abruptamente seria o mesmo que "aliviar" para os alvos da investigação ..."

A Folha transformou em certeza, que dizer "agilizar" significa "encerrar". Eu entendo o contrário, pois me parece que sonegação prescreve em 5 anos, então, se não agilizar, prescreve.

Mas a contradição é outra. No trecho acima diz que o normal é a fiscalização demorar anos. No entanto Lina Vieira, insinua que a gestão Rachid, com menos de um ano, foi cobrada pela justiça exigindo celeridade.

Ora, se a fiscalização demora anos, como insinuar maracutaia na gestão de Rachid, se durou apenas meses? É uma clara contradição.

Em tempo: Essa nota é escrita com base no que a Folha publicou. Se a Folha inventou coisas que Lina Vieira não disse, ela e o jornal que se entendam.

1 Comentários:

GUSTAVO DE MELLO disse...

O maridão de Lina Vieira (ex-secretaria da Receita Federal), aquela que inventou uma reunião, sem data, nem hora, com a Ministra Dilma Rousseff, chama-se Alexandre Firmino de Melo Filho. Foi Ministro da Integração Nacional do governo FHC, interino por quase um ano, no período de 20.08.1999 a 17.07.2000.

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