Meu leitor é um idiota” de hoje: Segundo O Globo, Greenpeace agora é ‘do Governo Lula’ (ou: economia de tinta a custo de ética)
“O Globo” de hoje (5/07), em sua página 13, traz um reportagem de meia página que, como não raro acontece naquele periódico, poderia se chamar “Meu leitor é um idiota”.
Trata-se de um perfil de uma parlamentar, que começa com o seguinte título: “Senadora boa....”.
Um parênteses. “Senadora boa”?Quando se trata de matérias de caráter, digamos, utilitário/funcional, os jornais não se furtam a deixar os manuais de estilo e preocupações com cacofonia à parte.
Voltamos ao lead: “Senadora boa de briga é a nova face dos ruralistas”. O leitor, o idiota, imagina quem será essa nobre figura que, em um período tão curto, já se sabe que é “boa”, é “de briga” e é a “nova face” de uma classe político-social. O sublead sacia a curiosidade: “Kátia Abreu, hoje presidente da CNA, entrou na política por acaso e agora é alvo dos ambientalistas do governo Lula”.
Com as novas informações já se sabe que ela é “presidente” - sempre é bom ser “presidente”, ainda que o leitor, aquele que deve ser um idiota, não saiba o que é CNA. Também se sabe que “entrou na política por acaso”, o que é algo estranho de se imaginar. Como alguém entra na política “por acaso”? Como se a “política” fosse um estabelecimento, um mercado - “Aqui é uma padaria”?, diria a futura Senadora, “não, é a política”, “puxa, entrei por acaso, mas já que estou aqui...”.
O conteúdo da matéria tenta explicar o “acaso”: diz que ela, após a morte do marido, passou a administrar as cabeças de gado que tinha herdado e “começou a agitar a vida do interior do Tocantis. Virou presidente do sindicato rural de Gurupi[...]”. “Virou presidente”. É uma escolhida, uma ungida, estava lá em sua “fazendinha” e virou presidente do sindicato ruralista. Melhor se não tivessem tentado explicar o “acaso”..
Outra “informação” cujo caráter opinativo é não menos óbvio: a senadora é “alvo”. Ser alvo remete ao ingênuo leitor a idéia de alguém que é vítima, que está sendo alvejado. Por quem?. Por “ambientalistas do governo Lula”. Aqui é o apogeu da matéria. A assertiva não dá margem a dúvidas: quem critica a senadora é ambientalista do governo Lula, uma crítica partidária, portanto. Penso: o teor da matéria deve estar falando de Carlos Minc e de outros ocupantes de cargo no governo, certo?
Não é bem isso. O leitor mais curioso, que não estava apenas folheando o jornal e as manchetes e leu a matéria, descobre que quem critica a Ministra é Sérgio Leitão, diretor do Greenpeace, segundo quem Kátia Abreu é “a voz do atraso”.
Peraí, do Greenpeace? Uma organização não-governamental de cunho internacional, a mais ativa e conhecida no mundo? Ela agora é “do governo Lula”? Suas críticas a parlamentares do DEM só podem ser explicadas por eles serem “do governo Lula”? Mas não são os mesmos que, não raro, dirigem várias críticas ao governo?
É impressionante como uma letra pode fazer a diferença entre a ética jornalística e a falta dela. O título dizia: “alvo dos ambientalistas do governo Lula”, mas poderia dizer “alvo dos ambientalistas E do governo Lula”. Será que gastaria muita tinta? Economia a custo de ética?
Ademais, a Senadora, ainda segundo a matéria, foi relatora da MP da regularização fundiária, aquela que levou os artistas globais Cristiane Torloni e Vitor Fasano ao Congresso para contra ela protestarem. Seriam eles “ambientalistas do governo Lula”? A matéria traz ainda um dado que não mereceu destaque no título: seus bens declarados à Justiça Eleitoral ao concorrer ao Senado somavam R$437,1 mil, ao passo que seu patrimônio estimado é de R$15 milhões. Ao tratar de tal fato, a matéria, aí sim, é um poço de objetividade! Sem adjetivos ou opiniões de terceiros.
Para que precisaria? Afinal, segue a matéria, “a própria Kátia explica” - e aí chama a atenção o uso do “própria”, para sublinhar a voluntariedade da explicação. A justificativa da Senadora é a ausência de atualização de parte do patrimônio e o fato de outra parte estar “registrada em nome dos filhos”, após o que há uma afirmação da Senadora de que tem uma “família unida”, que não faz essa separação, o que é sublinhado por uma foto da bela família com a legenda: “Kátia ao lado dos filhos Irajá e Iana: patrimônio dividido na família”.
Nem precisa lembrar que o mesmo fato - patrimônio registrado em nome dos filhos - foi tratado pelo grupo jornalístico com uma crítica ferrenha e como infração grave em diversos outros casos.
Enfim, a matéria já é lamentável por si só, em sua abordagem que favorece de forma evidente a Senadora. Nem precisaríamos mencionar o que a matéria omite, mas não se pode deixar de lembrar a jornada da Senadora em relação à fiscalização do Ministério do Trabalho no combate ao trabalho escravo contemporâneo (fonte abaixo). Em 20/09/07, a Senadora visitou a Fazenda Pastoril Agrícola (Pagrisa), no Pará, onde dois meses antes os fiscais haviam encontrado trabalho escravo. Segundo o próprio Globo, a Senadora “questionou” a rapidez na autuação na Fazenda (ela nunca ouviu falar em flagrante?) e apressou-se em afirmar em sua visita - dois meses após a fiscalização, repita-se - que só havia na empresa empregados com carteira assinada, e completou, “Nunca vi escravos assim”.
Esta é a “Senadora boa”. Boa para quem?
PS: Aguardamos ansiosamente manifestação do Greenepace, respeitada organização internacional, tratada na matéria como “ambientalista do governo Lula”.
Fonte: “O Globo” de 26/09/07, disponível em http://oglobo.globo.com/pais/mat/2007/09/26/297894880.asp
Do nosso leitor: João de Souza
“O Globo” de hoje (5/07), em sua página 13, traz um reportagem de meia página que, como não raro acontece naquele periódico, poderia se chamar “Meu leitor é um idiota”.
Trata-se de um perfil de uma parlamentar, que começa com o seguinte título: “Senadora boa....”.
Um parênteses. “Senadora boa”?Quando se trata de matérias de caráter, digamos, utilitário/funcional, os jornais não se furtam a deixar os manuais de estilo e preocupações com cacofonia à parte.
Voltamos ao lead: “Senadora boa de briga é a nova face dos ruralistas”. O leitor, o idiota, imagina quem será essa nobre figura que, em um período tão curto, já se sabe que é “boa”, é “de briga” e é a “nova face” de uma classe político-social. O sublead sacia a curiosidade: “Kátia Abreu, hoje presidente da CNA, entrou na política por acaso e agora é alvo dos ambientalistas do governo Lula”.
Com as novas informações já se sabe que ela é “presidente” - sempre é bom ser “presidente”, ainda que o leitor, aquele que deve ser um idiota, não saiba o que é CNA. Também se sabe que “entrou na política por acaso”, o que é algo estranho de se imaginar. Como alguém entra na política “por acaso”? Como se a “política” fosse um estabelecimento, um mercado - “Aqui é uma padaria”?, diria a futura Senadora, “não, é a política”, “puxa, entrei por acaso, mas já que estou aqui...”.
O conteúdo da matéria tenta explicar o “acaso”: diz que ela, após a morte do marido, passou a administrar as cabeças de gado que tinha herdado e “começou a agitar a vida do interior do Tocantis. Virou presidente do sindicato rural de Gurupi[...]”. “Virou presidente”. É uma escolhida, uma ungida, estava lá em sua “fazendinha” e virou presidente do sindicato ruralista. Melhor se não tivessem tentado explicar o “acaso”..
Outra “informação” cujo caráter opinativo é não menos óbvio: a senadora é “alvo”. Ser alvo remete ao ingênuo leitor a idéia de alguém que é vítima, que está sendo alvejado. Por quem?. Por “ambientalistas do governo Lula”. Aqui é o apogeu da matéria. A assertiva não dá margem a dúvidas: quem critica a senadora é ambientalista do governo Lula, uma crítica partidária, portanto. Penso: o teor da matéria deve estar falando de Carlos Minc e de outros ocupantes de cargo no governo, certo?
Não é bem isso. O leitor mais curioso, que não estava apenas folheando o jornal e as manchetes e leu a matéria, descobre que quem critica a Ministra é Sérgio Leitão, diretor do Greenpeace, segundo quem Kátia Abreu é “a voz do atraso”.
Peraí, do Greenpeace? Uma organização não-governamental de cunho internacional, a mais ativa e conhecida no mundo? Ela agora é “do governo Lula”? Suas críticas a parlamentares do DEM só podem ser explicadas por eles serem “do governo Lula”? Mas não são os mesmos que, não raro, dirigem várias críticas ao governo?
É impressionante como uma letra pode fazer a diferença entre a ética jornalística e a falta dela. O título dizia: “alvo dos ambientalistas do governo Lula”, mas poderia dizer “alvo dos ambientalistas E do governo Lula”. Será que gastaria muita tinta? Economia a custo de ética?
Ademais, a Senadora, ainda segundo a matéria, foi relatora da MP da regularização fundiária, aquela que levou os artistas globais Cristiane Torloni e Vitor Fasano ao Congresso para contra ela protestarem. Seriam eles “ambientalistas do governo Lula”? A matéria traz ainda um dado que não mereceu destaque no título: seus bens declarados à Justiça Eleitoral ao concorrer ao Senado somavam R$437,1 mil, ao passo que seu patrimônio estimado é de R$15 milhões. Ao tratar de tal fato, a matéria, aí sim, é um poço de objetividade! Sem adjetivos ou opiniões de terceiros.
Para que precisaria? Afinal, segue a matéria, “a própria Kátia explica” - e aí chama a atenção o uso do “própria”, para sublinhar a voluntariedade da explicação. A justificativa da Senadora é a ausência de atualização de parte do patrimônio e o fato de outra parte estar “registrada em nome dos filhos”, após o que há uma afirmação da Senadora de que tem uma “família unida”, que não faz essa separação, o que é sublinhado por uma foto da bela família com a legenda: “Kátia ao lado dos filhos Irajá e Iana: patrimônio dividido na família”.
Nem precisa lembrar que o mesmo fato - patrimônio registrado em nome dos filhos - foi tratado pelo grupo jornalístico com uma crítica ferrenha e como infração grave em diversos outros casos.
Enfim, a matéria já é lamentável por si só, em sua abordagem que favorece de forma evidente a Senadora. Nem precisaríamos mencionar o que a matéria omite, mas não se pode deixar de lembrar a jornada da Senadora em relação à fiscalização do Ministério do Trabalho no combate ao trabalho escravo contemporâneo (fonte abaixo). Em 20/09/07, a Senadora visitou a Fazenda Pastoril Agrícola (Pagrisa), no Pará, onde dois meses antes os fiscais haviam encontrado trabalho escravo. Segundo o próprio Globo, a Senadora “questionou” a rapidez na autuação na Fazenda (ela nunca ouviu falar em flagrante?) e apressou-se em afirmar em sua visita - dois meses após a fiscalização, repita-se - que só havia na empresa empregados com carteira assinada, e completou, “Nunca vi escravos assim”.
Esta é a “Senadora boa”. Boa para quem?
PS: Aguardamos ansiosamente manifestação do Greenepace, respeitada organização internacional, tratada na matéria como “ambientalista do governo Lula”.
Fonte: “O Globo” de 26/09/07, disponível em http://oglobo.globo.com/pais/mat/2007/09/26/297894880.asp
Do nosso leitor: João de Souza
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