O Senado Federal viveu dez horas de um triste espetáculo na terça-feira passada, patrocinado pela oposição, que só terminou na madrugada de ontem, com a aprovação da medida provisória criando a TV Brasil. Foi uma sucessão de manobras da oposição para tentar obstruir a votação, derrotadas por uma base governista surpreendentemente unida e mobilizada para aprovar a MP - reflexo da cobrança feita na véspera pelo Presidente Lula
Ainda atordoada com a derrota sofrida na votação da criação da TV pública, a oposição desistiu de obstruir a votação do Orçamento da União e resolveu investir com todas as suas forças para impedir a aprovação de medidas provisórias (MPs).
Essa foi a maior derrota da oposição no Senado, onde PSDB e PFL se consideravam capazes de embargar qualquer proposta do governo que não contasse com um mínimo de consenso na Casa, desde a derrubada da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). A contundência do bate-boca - algumas vezes próximo da agressão física - parecia apontar para uma ruptura total entre os líderes da oposição e da base aliada, principalmente o líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR), que cumpriu seu papel de líder do governo como nunca. E sob aplausos dos petistas, muitos deles até então críticos da tolerância com que o pemedebista sempre se relacionou com a oposição.
"A oposição queria ganhar no grito. Tive que ir ao limite", explica Jucá. Para ele, a vitória foi um "momento de afirmação da base". O senador Tião Viana (PT-AC) admite que a cobrança de Lula à sua base no Senado surtiu efeito. "O governo estava perdendo tudo. Os líderes da base não estavam unidos. Lula pediu união e defesa do governo. Motivou a base. Jucá fez o papel de líder: pela primeira vez foi inflexível com a oposição", diz.
A conversa com Lula marcou uma mudança de posição da base governista no Senado. Entre os próprios aliados, a dúvida é quanto tempo essa unidade irá durar. Ao menos temporariamente, a vitória na longa sessão de terça melhorou a auto-estima dos aliados.
No Senado, as forças da oposição e do governo são numericamente equilibradas. O Palácio do Planalto sofreu importantes derrotas na Casa, como a derrubada da prorrogação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) e a rejeição da MP que criou a Secretaria Especial de Ações de Longo Prazo.
Num cenário adverso ao governo, Jucá - que tem no currículo o cargo de líder também do governo Fernando Henrique Cardoso -, especializou-se em negociar com DEM e PSDB. Deles vinha sua principal sustentação na Casa, já que o PT preferia o endurecimento.
Dessa vez, para não correr riscos na votação da TV pública - que a oposição considera "estatal" e era contra a sua criação por medida provisória -, os senadores da base permaneceram mobilizados no plenário até 3 horas da madrugada, dando 42 e 41 votos nas duas votações nominais realizadas durante a sessão.
Jucá foi duro. Chegou a negar que o Senado seja uma favela, citando o nome de uma delas, retratada em novela da TV Globo. Irritou a oposição principalmente por duas iniciativas: a apresentação de um requerimento limitando o número de oradores a respeito do mérito de uma MP que tratava da expansão dos poderes da Eletrobrás - votada antes da TV pública - e a decisão de retirar de votação outra medida, o que atrasaria a sessão e poderia comprometer a apreciação da MP da TV Brasil.
A vida imita a novela
O plenário do Senado ganhou um novo apelido depois da gritaria da madrugada: “Portelinha”, a favela controlada por Juvenal Antena, o personagem de Antônio Fagundes na novela das 8 citada pelos senadores. “O problema é eleger o Juvenal. A oposição diz que é o Jucá e o líder do governo diz que é o Tasso Jereissati”, comentava um senador.
Líder do governo sob pressão máxima
A oposição, por sua vez, usou sucessivas manobras regimentais para obstruir a sessão. Suas lideranças - principalmente Arthur Virgílio (PSDB) - pediram a palavra incansavelmente. Muitas vezes, para tratar de assuntos estranhos à matéria discutida.
O líder do DEM, José Agripino (RN), classificou o requerimento de Jucá como "Lei da Mordaça". Os líderes do PSDB e do DEM fizeram estardalhaço na sessão, acusando o governo de truculência e patrolagem.
Ontem, na ressaca da derrota, as lideranças dos dois partidos diziam que Jucá perdeu a confiança deles. "Ele se desqualificou como líder", disse o presidente do PSDB, Sérgio Guerra (PE).
Em meio ao embate entre governo e oposição, o presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), foi acusado pelos dois lados de não conduzir a sessão com a firmeza necessária. Para os governistas, ele permitiu que a oposição dominasse boa parte da sessão, com várias questões de ordem e pronunciamentos sobre assuntos estranhos às propostas em discussão. Para a oposição, Garibaldi agiu como líder do governo, apoiando propostas de Jucá para limitar o número de oradores.
Independentemente da organização da base aliada, as conseqüências do embate na sessão de terça não devem preocupar o governo. A oposição tem histórico de não levar até o fim suas ameaças de obstrução e não negociação com o Planalto.
Além disso, fora as medidas provisórias, nenhuma grande proposta de interesse do Palácio do Planalto está pendente de votação. A avaliação do senador Cristovam Buarque (PDT-DF) é mais dura. "As consequências serão menores do que se pensa, porque já se perdeu a vergonha na Casa".
Cristovam saiu bem antes do final da sessão, assim como toda a bancada do PDT, dividida em relação à TV pública. Aliás, a votação da MP estava prevista para acontecer somente na quarta-feira.
Nos últimos dias, Cristovam lançou-se pré-candidato a presidente da República e está sugerindo a vários colegas que façam o mesmo, como única saída para melhorar o nível do Senado. "Se tivermos dez pré-candidatos a presidente, faremos debates de propostas para o país", diz.
Com um ano de mandato, o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), classificou a sessão como um "espetáculo degradante, pífio". Jarbas - apontado por Cristovam como um dos presidenciáveis em potencial do Senado - não esconde a decepção com o Legislativo. "A luta é tirar o Senado da mediocridade em que se encontra. É um sonho impossível esperar algo mais positivo, mais produtivo do Senado", afirma.
Os feriados da Semana Santa, na próxima semana, são a esperança do líder do PSB, Renato Casagrande (PSB-ES), de esfriamento dos ânimos e, mais uma vez, pacificação do Senado. "Espero que o espírito da Páscoa renove a capacidade de diálogo da oposição."
0 Comentários:
Postar um comentário
Meus queridos e minhas queridas leitoras
Não publicamos comentários anônimos
Obrigada pela colaboração