Cem pessoas são acusadas de desviar de forma integral recursos federais que deveriam ser repassados para a educação e a saúde
A Polícia Federal desmontou um dos maiores esquemas de fraudes em licitações no estado do Maranhão, que desviou, em 10 anos, mais de R$ 1 bilhão. Cem pessoas tiveram mandados de prisão decretados pelo Tribunal Regional Federal (TRF), e 80 já haviam sido detidas — até o final da tarde de ontem — por 600 policiais que participam da Operação Rapina. Entre os acusados, oito prefeitos, secretários municipais, contadores, empresários e funcionários do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Na casa do prefeito de Araioses, um dos piores Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país, agentes apreenderam um relógio Rolex e carros de luxo. A quadrilha atuava havia 26 anos, e na maior parte das vezes desviava integralmente os recursos enviados pela União para as áreas de saúde e educação.
Segundo o delegado da Polícia Federal Pedro Meireles, que coordenou a Operação Rapina — em latim, “roubas com astúcia e ardil” —, os desvios do dinheiro público eram feitos pelos prefeitos, que usaram dois escritórios e 500 empresas para justificar o roubo da verba enviada pelo governo federal. Os escritórios de Planejamento Municipal (Eplam) e o de Contabilidade e Planejamento Municipal (Ecoplan), duas empresas diferentes mas localizadas no mesmo prédio, tratavam da documentação fraudada pelos prefeitos. “O dinheiro vinha para uma obra, para a compra de merenda, mas a construção ou a compra dos produtos não eram realizadas, e a verba toda desviada”, afirmou Meireles. Foram presos os prefeitos de Oxixá, São Luiz Gonzaga do Maranhão, Tuntum, Tufilândia, Paulo Ramos, Urbano Santos, Nina Rodrigues e Governador Newton Bello.
O esquema foi descoberto em 2005, durante uma inspeção da Controladoria Geral da República (CGU), que colocou mais de 50 técnicos para vistoriar a liberação de recursos para os municípios, principalmente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (Fundef). Eles constataram várias irregularidades. No início do ano passado, a Polícia Federal iniciou uma investigação própria e se deparando com os saques aos cofres públicos. “Constatamos que todos os processos de licitações, compra, entre outros, eram idênticos. Por isso chegamos às duas empresas”, explicou o delegado, acrescentando que as outras 500 firmas de fachada e constituídas legalmente ajudavam nas fraudes, fornecendo notas fiscais de serviços que não prestaram. “Era de construtoras a papelarias”, disse.
Hierarquia
O chefe do esquema era o proprietário dos dois escritórios de planejamento e contabilidade. O nome dele não foi divulgado pela Polícia Federal. Na hierarquia da fraude, depois, vinham seu filho e uma funcionária de confiança. Em seguida, contadores e tesoureiros das prefeituras, que facilitavam o acesso aos prefeitos, que estavam na ponta do esquema, mas eram os principais responsáveis pela liberação das verbas. “O dinheiro era do erário, mas os prefeitos usavam como se fosse de suas próprias contas”, disse o delegado Pedro Meireles. Não havia tabela de preços e o pagamento era feito de acordo com a urgência ou por um percentual definido na hora. Algumas das 14 prefeituras investigadas no Maranhão e três no Piauí tinham contrato fixo com a quadrilha.
O delegado estuda transformar as prisões de temporária para preventiva para alguns dos envolvidos e já pediu o seqüestro dos bens da quadrilha, que vai ser indiciada por falsificação de documentos, falsidade ideológica, peculato, estelionato, formação de quadrilha, fraude em licitação, corrupção ativa e passiva e lavagem de dinheiro.
O esquema
26 anos foi o tempo em que a quadrilha atuou no Maranhão
500 era o número de empresas envolvidas nas fraudes
17 era o número de prefeituras ligadas ao esquema
Prefeito com rolex e carro de luxo
Trinta cidades do Maranhão estão entre os cem municípios com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil, mas isso não impede que o prefeito de Araioses, José Cardoso do Nascimento, mantenha uma vida de classe média alta, ao contrário dos cidadãos que governa. A pobreza impressionou os policiais que participaram da Operação Rapina, principalmente os que foram do Distrito Federal e São Paulo. Nas cidades, os agentes encontraram cenas desoladoras. Escolas semidemolidas, crianças sem carteiras escolares e merenda jogada ao chão, junto com baratas e sapos. Nascimento é suspeito de participar do esquema, mas não estava preso até a tarde de ontem.
“A gente sabe que as fraudes acontecem no país inteiro, mas aqui (no Maranhão) a coisa é diferente. Aqui, o desvio estava sendo de 100% do dinheiro enviado para áreas cruciais, que são saúde e educação”, lamentou, por telefone, o delegado Pedro Meireles, coordenador da Operação Rapina, que colocou fim a um esquema de fraudes que durou mais de duas décadas impunemente. “As cidades são pobres por causa disso”, acrescentou Meireles, se referindo ao roubo do dinheiro público pelo prefeitos.
Os técnicos da Controladoria Geral da União (CGU) que fizeram a inspeção há dois anos ficaram chocados. Normalmente se baseiam em relatórios, análises de notas fiscais e nos processos de licitação para comprovar irregularidades. Nos municípios visitados, os técnicos fotografaram as escolas que deveriam ser reformadas, para provar o tamanho das fraudes. “É uma pobreza muito grande. O pior é ver que tinha dinheiro para fazer as obras, mas era desviado. “É muito triste ver uma escola sem condições de uso, deixar uma criança sem merenda, um posto de saúde caindo. É um absurdo”, disse Meireles. Outra forma de burlar a prestação de contas era usar dinheiro do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) em obras financiadas pela União.
Entre os nove prefeitos presos na Operação Rapina, estava o de Tantam, Cleomar Tema (PSB), presidente da Associação dos Municípios do Maranhão, aliado do ex-governador José Reinaldo Tavares, preso na Operação Navalha, que desvendou um esquema de fraudes em licitações federais, liderados pela construtora Gautama, do empresário Zuleido Veras. Tema foi acusado de ter recebido dinheiro, em forma de convênios, para mudar de partido (era do DEM). O delegado Pedro Meireles disse que há suspeita de irregularidade também na liberação de recursos do estado, mas as investigações ficaram restritas às verbas da União.
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