Cunhado de Garibaldi Alves é denunciado por criar esquema para favorecer empresas na contratação de equipamentos e serviços no governo potiguar, com dispensa ilegal de licitação e participação de autoridades
Uma busca e apreensão feita pela Polícia Civil do Rio Grande do Norte na casa de um cunhado do então governador Garibaldi Alves (PMDB-RN), Marcos dos Santos, em julho de 2001, recolheu documentos que indicam a formação de um esquema para favorecer empresas privadas na contratação de equipamentos e serviços pelo governo com dispensa ilegal de licitação, com a colaboração de autoridades do governo do Rio Grande do Norte. O Ministério Público Estadual denunciou o cunhado do governador por tráfico de influência e o ex-secretário de Segurança Pública Josemar Tavares Câmara, e o ex-procurador-geral do estado Francisco Nunes por improbidade administrativa e dispensa ilegal de licitação.
As buscas foram feitas a partir de declarações de um ex-colaborador de Santos, Luis Henrique Gusson, que estava preso. Por isso, a história ficou conhecida como “caso Gusson”. A polícia encontrou provas da participação de Santos nas articulações de pelo menos dois contratos, um para a compra de equipamentos para o Corpo de Bombeiros e a Polícia Militar e outro para a contratação da empresa Odontoprev. A compra dos equipamentos resultaria num gasto de US$ 12,8 milhões, enquanto os serviços odontológicos gerariam uma despesa mensal de R$ 1,17 milhão. Não foi apurada a participação direta ou indireta de Garibaldi em nenhum dos casos.
Na apreensão feita na casa de Santos, foram encontrados vários documentos relativos à proposta para aquisição de equipamentos para os bombeiros formulada pela empresa Ano Dois Mil. Inclusive o parecer técnico original firmado por oficiais da Polícia Militar. Na mesma busca, encontrou-se documentos relativos à proposta de contratação da Odontoprev, incluindo o parecer elaborado pelo procurador-geral do estado, no original, opinando pela viabilidade da contratação.
A polícia também achou mensagens de fax enviadas por Nunes a autoridades do governo, incluindo o governador, para propor uma “forma jurídica mais adequada para a contratação da Odontoprev”. Num dos documentos, registrou que ele próprio e o governador em exercício, Fernando Freire, estariam “empenhados na missão de ajudar ao nosso amigo Marcos Santos, principalmente para atender aos apelos de Dodora (Maria Auxiliadora Alves dos Santos, irmã do governador)”. Na casa de Santos foram recolhidas quase mil folhas de documentos referentes a negócios tratados entre a administração estadual e empresas dos mais variados ramos e de diversas regiões do país.
Tráfico
Para o Ministério Público, os documentos apreendidos seriam elementos de prova de que o cunhado do governador agia como representante da empresa para “influir em atos a serem praticados por agentes públicos, dentre eles o senhor governador Garibaldi Alves e Josemar Câmara”. Em 20 de julho de 2000, Câmara encaminhou à apreciação do governador a proposta de aquisição dos equipamentos por meio de um financiamento de um banco finlandês e com dispensa de licitação. A Secretaria de Governo encaminhou a proposta à Secretaria de Planejamento, que alegou ausência de justificativa para a inexigibilidade de licitação. Essas considerações foram encaminhadas à Procuradoria Geral do estado.
Em 14 de agosto, o procurador-geral, Francisco Nunes, emitiu parecer pela contratação direta, mediante dispensa de licitação. Câmara determinou a contratação direta dos equipamentos em 27 de outubro. A compra não ocorreu porque a Assembléia Legislativa não autorizou o empréstimo internacional. Nas articulações em favor da Odontoprev, em fevereiro de 2001, Santos esteve com o chefe de Gabinete Civil do Governo e também foi à Procuradoria, sempre acompanhado de um representante da empresa. A contratação foi abortada porque o escândalo estourou em Natal.
Garibaldi afirmou ontem que Gusson, com antecedentes criminais em São Paulo, foi condenado por homicídio triplamente qualificado no Rio Grande do Norte. “Com o visível propósito diversionista, acusou um familiar meu de influir em decisões do governo do estado, quando eu era governador”. Acrescentou que tramitam em Natal três ações penais envolvendo esse assunto. “Em nenhuma delas eu sou citado: não fui acusado pelo Ministério Público em suas três denúncias, e não sou, por conseguinte, referido nas ações judiciais que se seguiram. Meu governo foi exaustivamente investigado pelo Ministério Público, e a minha ausência nas denúncias e ações, mais que silêncio eloqüente, é prova cabal de que não tive qualquer participação ou responsabilidade em fatos eventualmente irregulares praticados”. O Correio telefonou ontem para as casas dos denunciados e deixou recado. Não houve resposta.
Governo errou, diz Garibaldi
O presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), afirmou ontem que não há clima entre os senadores para uma eventual proposta do governo de aumentar alíquotas de impostos para compensar a perda de R$ 40 bilhões no orçamento da União com o fim da cobrança da CPMF. Ao deixar o Supremo Tribunal Federal (STF), onde fez uma visita à presidente da corte, ministra Ellen Gracie, Garibaldi avaliou que o resultado da votação na madrugada de ontem, é emblemático e sinaliza a disposição do Senado. “Esse exemplo é um bom indicativo de que não terá êxito a aprovação de proposta parecida, ainda mais se considerarmos a carga tributária hoje existente”, avalia. “O governo teria dificuldade de justificar o aumento dessa carga tributária”, diz.
Sem êxito
Às 22h30, o líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR), apresentou na tribuna do Senado uma carta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em que ele se comprometeu a prorrogar a CPMF por apenas um ano e repassar toda a arrecadação do tributo para a saúde pública. Jucá também apresentou uma outra carta, com igual teor, assinada pelos ministros da Fazenda, Guido Mantega, e de Relações Institucionais, José Múcio Monteiro.
A intenção era sensibilizar os senadores do PSDB. Mas a medida foi em vão. Para Garibaldi, a oposição tinha dificuldades de acreditar que o acordo era para valer. “A oposição precisa realmente ter muita segurança em relação ao cumprimento dos compromissos assumidos. Há sempre o receio de ver os compromissos descumpridos”, aposta.
Governadores se queixam
Governadores de partidos da oposição e da base de apoio ao Palácio do Planalto lamentaram ontem a decisão do Senado de impedir a prorrogação da CPMF. “Eu, pessoalmente, achava que o volume maior de investimento na saúde seria bom para todos, para a população brasileira, sobretudo a mais pobre”, disse Aécio Neves (PSDB), governador de Minas Gerais e um dos presidenciáveis para a eleição de 2010. “Foi um desastre para todos os entes da federação”, reclamou a governadora do Rio Grande do Norte, Wilma de Faria (PSB). “O orçamento de 2008 ficou totalmente comprometido e, com isso, os investimentos e a prestação de serviços”.
Escaldado por diversas crises no setor de saúde, como não-pagamento em dia dos fornecedores, médicos e remédios, o governador de Goiás, Alcides Rodrigues (PP), reagiu com preocupação à derrubada da CPMF. “Eu lamento muito”, afirmou o governador, que é médico. “Mais ainda porque há uma proposta nova, do presidente Lula, para direcionar todos os recursos da CPMF para a saúde”.
O ex-ministro Eduardo Campos (PSB), governador de Pernambuco, também fez referência a essa última proposta feita pelo governo — de validade da CPMF só por um ano, direcionamento total da arrecadação para a saúde e realização de uma reforma tributária em 2008. Para ele, a proposta era “muito arrojada”. Campos afirmou que a oposição preferiu “o cabo de aço político” e se negou a negociar. “Quem perdeu foi o país e sobretudo a população mais pobre”, afirmou. Ele disse respeitar a opinião dos opositores, mas acredita que “a sociedade vai julgar” os responsáveis pelo fim do imposto do cheque.
Atentado
A governadora Ana Júlia Carepa (PT), do Pará, classificou de “atentado ao povo brasileiro” a votação no Senado. De acordo com levantamento da Secretaria da Fazenda do estado, o Pará deve perder em torno de R$ 710 milhões em transferências da União no próximo ano devido à extinção da CPMF. Ana Júlia disse que os senadores que votaram contra a prorrogação “devem ser responsabilizados” pelas conseqüências dessa medida.
“Vejo com pesar o fim da CPMF”, disse o governador do Amapá, Waldez Góes (PDT). Ele ainda tem esperança de que o governo possa reverter a situação tentando recriar a contribuição. “Vou colocar todo o meu empenho nisso, sensibilizando a bancada amapaense”. Para Góes, o fim da CPMF é um duro golpe para o Amapá, pois representa uma perda de R$ 70 milhões para o estado no ano que vem.
Dois governadores tucanos afirmaram ainda acreditar na possibilidade de negociação. “O que eu espero agora é que o Senado da República tenha capacidade de, com serenidade, com grande responsabilidade, sentar-se com o governo e garantir o financiamento da saúde pública do Brasil”, disse Aécio Neves. “Esse sempre foi o norte da minha preocupação. E da de outros governadores, como o próprio governador José Serra (de São Paulo, também tucano).” A governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius (PSDB), afirmou que a proposta final enviada em carta por Lula ao Senado é um alento e indica que o assunto pode ser retomado em fevereiro. “A qualquer momento essa carta pode ser reativada”, previu a governadora, revelando a expectativa de que a CPMF seja incluída na discussão da reforma tributária.
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