O governo de Garibaldi Alves (PMDB) no Rio Grande do Norte (1995-2002) foi marcado por irregularidades que resultaram na denúncia de vários ex-secretários estaduais pelo Ministério Público. Em um dos casos, o ex-secretário de Saúde Gilson Marcelino foi multado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) por ter permitido a depredação de um hospital em construção na periferia de Natal. A obra já havia consumido R$ 25 milhões. O ex-governador, eleito na semana passada presidente do Senado, não foi responsabilizado em nenhum dos casos, mas foi flagrado em escuta telefônica, autorizada pela Justiça, prestando solidariedade e oferecendo ajuda na defesa dos ex-auxiliares que haviam sido apontados pelo Ministério Público em uma das denúncias, que envolvia recursos do Programa do Leite.
O esqueleto do Hospital Terciário de Natal é hoje um monumento ao desperdício. Mais parece um prédio atingido por um bombardeio. Programada para 150 leitos, a obra foi iniciada em 1990. A execução estava em 48% quando o prédio foi invadido por uma centena de supostos sem-teto. Os vândalos derrubaram paredes e telhados e carregaram tijolos, vigas, ferragens e aberturas. O prédio, de quatro andares, tem parte das ferragens à mostra, deterioradas pela ação da chuva. O TCU avalia que seriam necessários R$ 5 milhões para recolocar a construção no estágio em que ela estava antes da depredação.
As obras do hospital, inicialmente concebido para o tratamento de câncer, foram paralisadas desde 1991, antes do início do governo de Garibaldi, por falta de recursos. Avaliações técnicas, realizadas pelo governo do peemedebista, concluíram que não mais cabia priorizar a utilização da edificação para o fim projetado, porque o tratamento de câncer já estava atendido por outras unidades de saúde, como o hospital da Liga Contra o Câncer. Assim, os técnicos da área da saúde passaram a avaliar a possibilidade de utilização do hospital terciário para outras atividades.
Invasão
As obras continuavam paralisadas em 20 de dezembro de 1999, quando o secretário de Saúde tomou conhecimento de que a construtora Andrade Gutierrez iria deixar de fazer a vigilância do prédio a partir de 1º de janeiro de 2000. Marcelino determinou que a empresa Envipol, já contratada pelo estado, fizesse também a vigilância do canteiro de obras do hospital. A Envipol afirmou ao TCU que não houve invasões ao prédio no mês de janeiro de 2000, mas o tribunal constatou que as depredações ocorreram justamente em janeiro, como demonstrou declaração feita pelo próprio ex-secretário em um ofício: “A ocorrência da invasão deu-se em 10 de janeiro de 2000, face a uma abertura do muro lateral”. Em outro documento, de outubro de 2001, o ex-secretário comunicou que a obra fora invadida em 17 de janeiro. Certidão expedida pela Polícia Militar, baseada na ocorrência nº 29, de 18 de janeiro, confirmou que a invasão e a depredação ocorreram naquele mês.
O TCU concluiu que a vigilância daquele canteiro de obras à época não existia ou era insuficiente. Para o tribunal, a invasão do edifício por populares se deu de modo lento e gradual. Reforçou essa conclusão a constatação de que a retirada do material — incluindo portas e janelas — demandou tempo e uso de ferramentas, além da utilização de algum tipo de transporte. Marcelino foi multado em R$ 5 mil por não ter tomado providências que evitassem a depredação do prédio em construção.
Na última visita ao local, técnicos do tribunal verificaram a permanência da mesma situação de anos anteriores, agravada pelo transcurso do tempo e pela ação de grupos marginais oriundos de favelas localizadas nas proximidades, que continuam utilizando o local para esconderijo e tráfico de drogas.
Governador
O ex-governador Garibaldi não foi responsabilizado pelo TCU em sua decisão final. Inicialmente, técnicos da Secretaria de Controle Externo do Rio Grande do Norte (Secex/RN) consideraram que os esclarecimentos de Garibaldi “não elidiram” a depredação e a invasão do prédio. “O ex-governador foi inerte. Competia-lhe a guarda da obra que ele mesmo administrava. Mesmo recebendo a obra paralisada, as depredações ocorreram no seu governo em janeiro e fevereiro de 2000, continuando até 2003”, diz o relatório dos técnicos.
No julgamento final, em maio de 2006, o relator do processo, ministro Lincoln Rocha, lembrou que o titular da Secex/RN e o procurador-geral do TCU, Lucas Furtado, opinaram pelo acolhimento das justificativas do governador. O titular da unidade concluiu que não caberia a um governador “o controle direto do estado de vigilância de cada obra existente em seu estado, até porque isso é humanamente impossível”. O relator completou: “Compreendo também que não se identificam nos autos elementos de convicção que apontam a existência de ação ou omissão culposa do ex-chefe do Executivo estadual suficientes para alcançar sua responsabilidade solidária em relação aos fatos”.
Memória
Outras denúncias do MP
O Ministério Público Estadual denunciou dois ex-secretários de estado do Rio Grande do Norte por improbidade administrativa devido a irregularidades cometidas em contrato de R$ 122 milhões para execução do Programa do Leite nos governos de Garibaldi Alves e de seu sucessor, Fernando Freire. Escuta telefônica feita pela Polícia Civil revelou diálogos entre ex-secretários estaduais envolvidos no escândalo e Garibaldi. Num deles, em março de 2004, o senador liga para o ex-secretário de Ação Social Tertuliano Pinheiro para prestar solidariedade e diz que “os procuradores estão precisando de uma lição”. Os investigados narram encontros com o peemedebista e afirmam que ele pagaria parte dos honorários advocatícios.
As gravações que envolvem Garibaldi foram encaminhadas à Procuradoria Geral da República porque o senador tem foro privilegiado. Por solicitação do procurador-geral, Antonio Fernando de Souza, o Supremo Tribunal Federal (STF) solicitou à Polícia Federal a degravação das conversas, recebeu informações de Garibaldi e tomou dois depoimentos de testemunhas. A partir dessa investigação preliminar, o procurador-geral vai decidir se denuncia o senador ou arquiva o caso.
Em outro caso, uma busca e apreensão feita por policiais na casa de um cunhado de Garibaldi, Marcos dos Santos, em julho de 2001, recolheu documentos que indicam a formação de um esquema para favorecer empresas privadas na contratação de equipamentos e serviços pelo governo com dispensa ilegal de licitação.
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