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quinta-feira, 12 de outubro de 2006

Alckmin não leu o seu programa


"A REGRA BÁSICA que norteará a política fiscal do governo Geraldo Alckmin é bastante simples: "O governo não pode gastar mais do que arrecada"."
A citação é de um trecho do programa econômico de Alckmin. O texto continua: "Esse programa visa a criar condições para zerar o déficit nominal, com corte de despesas correntes dos governos, incluindo juros, da ordem de 4,4% do PIB no decorrer do próximo mandato".

Em entrevista, Alckmin disse o seguinte sobre o corte de gasto público proposto pelo economista Yoshiaki Nakano, um dos principais autores do programa alckmista: "Não vai cortar. Isso não consta do meu programa. Não tem nada disso". Quais as hipóteses para a contradição? Primeira, o programa é de mentira. Segunda, Alckmin não leu seu programa. Terceira, Alckmin mentiu. Quarta, Alckmin não sabia do que falava. Quinta, Alckmin sentiu vagamente que a idéia de corte de gastos, debatida em público, poderia afetar negativamente sua campanha e, por via das dúvidas, negou o plano.

A resposta é "uma mistura adúltera de tudo" isso, "une mélange adultère de tout", para fazer uma mistura extravagante de Tristan Corbière (o poeta) com a política brasileira. No programa de Alckmin, nada se diz sobre como fazer os cortes de gastos além de "choque de gestão". Sobre Previdência, salários, assistência social, subsídios etc., a desconversa é total: é meio cascata. Alckmin não sabe o que está no programa nem do que está falando, pois diz que vai investir mais, cortar imposto, e o Estado não vai gastar mais do que arrecada. Não faz lé com cré: são providências incompatíveis, a não ser que o tucano queira dar um calote na dívida pública. Quer?

De mais certo, Alckmin quis enrolar o público, negando cortes, pois tem em mente a propaganda petista de que um governo tucano "destruiria tudo, cortaria tudo etc.". O que significa "déficit nominal do setor público"? Que os governos municipais, estaduais e o federal gastam mais do que arrecadam, incluindo a despesa com juros (que é de uns 7,9% do PIB). O déficit nominal anda na casa de 3,4% do PIB, uns R$ 69 bilhões. Como zerá-lo?

Primeiro, é preciso convencer Estados e municípios a zerar seu déficit. Ou cortar mais no governo federal, para compensar. A despesa federal, afora juros, foi de 18,2% do PIB em 2005: Do total, 41,5% foram para a Previdência, 26% para servidores (na ativa e aposentados), 20,5% para o funcionamento "real" dos ministérios (saúde, educação etc.). Hipótese: o país cresce uns 4% em 2007; o governo não aumenta salários, nem o mínimo, nem Bolsa Família, nem investe, nem contrata mais. Com esforço, cortaria uns 0,5% do PIB. Com inflação controlada e menos gasto, talvez baixe a despesa com juros em 1% ou 1,5% do PIB. Total: menos de 2% do PIB, isso em um cenário econômico favorável. Outro problema: certas despesas crescem sozinhas, devido a leis sobre benefícios e gastos sociais. No ano seguinte, pois, o ajuste desanda. Por isso tanto se fala em reforma. Mas, além da Previdência, é preciso reformar muito mais, do comércio exterior à política de juros e inflação, da lei do trabalho às agências reguladoras. De outro modo, a conta vai cair só na cabeça do povinho.

Vinicius Torres (Folha de S.Paulo para assinantes)

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