Pages

sábado, 27 de junho de 2009

Lula vice da Dilma. A possibilidade jurídica


A tese embasando a permissão da candidatura de Lula à Vice-Presidência na chapa de Dilma é a seguinte:

"Tem sido objeto de discussões apaixonadas a possibilidade da candidatura do Presidente da República ao próximo pleito ao cargo máximo do País. Como está posta a lei, não se é permitida a reeleição para um terceiro mandato e isso é ponto pacífico, tanto que foi considerado inconstitucional pelo próprio relator para a análise da emenda no Parlamento Federal. No entanto o que não se tem considerado amplamente é que, salvo melhor e mais abalizado juízo, é permitida a candidatura do atual Primeiro mandatário ao cargo de Vice-Presidente para o próximo pleito. Isso sem ferir qualquer preceito constitucional ou requerer emenda de qualquer espécie.

Tal possibilidade se encontra embasada na leitura conjugada da Constituição Federal em seus arts. 14, inciso 5° e 6°; e arts. 79 e 80 e da resolução 20.889 de 09 de outubro de 2001 da lavra do TSE.

Em primeiro lugar, vejamos os textos legais:

Art. 14, § 5º (CF): O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subseqüente.

§ 6º - Para concorrerem a outros cargos, o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito.

Também, vejamos a primeira parte do contido na Resolução 20.889 do TSE

Consulta. Vice candidato ao cargo do titular.

1. Vice-presidente da República, vice-governador de Estado ou do Distrito Federai ou vice-prefeito, reeleito ou não, pode se candidatar ao cargo do titular, mesmo tendo substituído aquele no curso do mandato.

O primeiro texto, por óbvio é da Constituição Federal do Estado Nacional. O segundo é uma interpretação do texto desta mesma Constituição, por parte de nossa mais alta côrte eleitoral. O que se analisou e chancelou foi justamente, a possibilidade da candidatura de um vice-governador ao posto de governador no pleito seguinte, coisa que pelos dizeres da Carta Magna, seria proibida.

É sobre esta análise que embasamos nosso pensamento. São diversos aspectos de pequena monta, mas de grande importância, que dão suporte a toda a linha de raciocínio.

Notemos que pelo texto constitucional, a segunda reeleição para o mesmo cargo, é terminantemente proibida. Prendendo-nos exclusivamente ao descrito na lei, verificamos que também seria proibida a candidatura do Vice-Presidente ao cargo do Presidente, da mesma forma que do vice-governador ao cargo de governador.

Mas de acordo com o decidido pelo TSE em sua interpretação que nos foi trazida anteriormente, tal possibilidade passou a ser permitida. Tratou-se, como já visto, de questão proposta no ano de 2001 sobre fato concreto e levado ao cabo nas eleições então vindouras. Bom frisar, não se tratou de análise de hipótese apenas em tese. Foi situação factual.

Porém, antes de nos apegarmos às permissões da lei, convém um breve pensamento sobre a individualização dos cargos. É de muita valia diferenciar a função da Presidência com a da Vice-Presidência, já que esta foi a questão fulcral da decisão expelida pelo TSE.

Queremos crer que não haja a possibilidade da extensão por analogia de um cargo com o outro e vice-versa. Ou seja, não há que se interpretar como sendo “a mesma coisa” a Presidência e a Vice-Presidência já que a própria Constituição Federal os descreve como distintos. Havendo dúvida, vejamos o art. 79 de nossa lei máxima:

Art. 79. Substituirá o Presidente, no caso de impedimento, e suceder- lhe-á, no de vaga, o Vice-Presidente.

Parágrafo único. O Vice-Presidente da República, além de outras atribuições que lhe forem conferidas por lei complementar, auxiliará o Presidente, sempre que por ele convocado para missões especiais.

Especificamente vemos que no Parágrafo único acima descrito, a figura do Vice-Presidente conta com atribuições próprias, e uma delas é a de substituir o Presidente. Se assim o é, por conseguinte se pode concluir que se tratam de cargos e funções distintas. Isso sem mencionar o óbvio. Se existe a previsão para um cargo e outro, é porque são de distintas naturezas ainda que venham a se materializar como iguais, hora ou outra.

No caput do art. 79, outra demonstração de que os dois cargos são tratados de maneira individualizada. Ao falar do impedimento, cita a um, depois ao outro. Assim, vejamos mais uma vez:

Art. 79. Substituirá o Presidente, no caso de impedimento, e suceder- lhe-á, no de vaga, o Vice-Presidente.

Caso se tratassem do mesmo cargo, ou se um fosse apêndice do outro, o impedimento do primeiro necessariamente acarretaria o impedimento do segundo, coisa que aliás, foi amplamente levantada na ocasião da retirada do poder do ex-Presidente Fernando Collor. Na época se entendeu, corretamente, que um não estava diretamente ligado ao outro. Se o entendimento tivesse sido diferente, Itamar Franco jamais poderia ter assumido o mais alto cargo do País.

Apesar de serem eleitos pela mesma chapa ou coligação, as vezes até pelo mesmo partido, não estão visceralmente ligados entre si o Presidente e o Vice-Presidente.

Na mesma esteira da individualização dos cargos, notamos no art. 80 também da Constituição Federal, as outras figuras aptas a assumirem a Presidência da República, em caso de vacância. Vejamos:

Art. 80. Em caso de impedimento do Presidente e do Vice-Presidente, ou vacância dos respectivos cargos, serão sucessivamente chamados ao exercício da Presidência o Presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal e o do Supremo Tribunal Federal.

Ora, antes de tudo, se reforça a característica independente de cada cargo do executivo pois a Constituição cita nominalmente o Presidente e depois, o Vice-Presidente. Em seguida, se verifica que tanto o Deputado como o Senador que eventualmente assumissem a Presidência da República, foram previamente escolhidos pelo voto popular para seus respectivos cargos e funções. Exceção aplicada somente ao Ministro do Supremo Tribunal Federal, já que sua escolha não se dá através do conclamo da população.

É dizer que nenhuma ligação tem a figura do Presidente com os demais que possam vir a substituí-lo

Ademais, bom é aclarear que o fato de nas eleições não se votar especificamente na figura do Vice-Presidente da República para o preenchimento do cargo, se dá por mera lógica e tecnicismo legal, mas com muita razão, ao meu ver. Do contrário poderiam ocorrer casos de se ter o Presidente de uma corrente administrativa, e o Vice-Presidente de outra contrária, um tentando desfazer o que o outro construiu, ou no mínimo, lhe obstruindo os trabalhos tanto quanto pudesse.

Portanto, pacificado está que se tratam de cargos e funções distintas. E isso, em total consonância com o expedido pelo TSE.

Com efeito, voltando ao cerne do já citado art. 14 da Constituição Federal, ao tratar da reeleição para um chamado terceiro mandato, concluímos com segurança que ela é vedada ao ocupante do cargo, para a mesma função, ou de uma função “subalterna” que viesse ocupar a superior, por exemplo. Observemos novamente o artigo:

O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subseqüente.

Se percebe com clareza pelo descrito na lei, que o Presidente da República não pode se candidatar mais de uma vez ao mesmo posto. Nem tampouco, poderia o Vice-Presidente ou qualquer outro que viesse a substituir o Presidente, pleitear a eleição para o cargo máximo da nação.

Mas notemos que a lei não veda, aliás, sequer menciona, a possibilidade de o Presidente da República se candidatar à Vice-Presidência no próximo pleito. O texto legal diz apenas que aquelas figuras lá citadas podem ser reeleitas apenas uma vez. Ora, reeleitas para quais cargos? A lei não diz. A tomar o dito legal como taxativo, após o exercício da Presidência ou da governança em segundo mandato, não poderia a pessoa em questão se candidatar a nenhum outro cargo eletivo na corrida eleitoral imediatamente seguinte.

Assim fosse, um ex-Presidente ou um ex-Governador, não poderiam se candidatar ao Senado, por exemplo, após deixarem seus cargos.

Afinal, notemos que o termo “reeleitos” não significa necessariamente nova condução ao mesmo cargo. Este entendimento é derivado da interpretação teleológica de nossos juristas mas não sobrevive ao crivo hermenêutico. Afinal de contas, a pessoa está sendo novamente eleita. Mesmo que para cargo distinto.


A permissão para a candidatura do Presidente a outro cargo, como por exemplo, ao Senado ou ao cargo de Deputado vem logo em seguida, no inciso 6° do mesmo art. 14. Vejamos:

§ 6º - Para concorrerem a outros cargos, o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito.

Desta forma, a primeira conclusão aqui elencada é que ao Presidente é vedada nova candidatura à Presidência, mas se trata de conceito interpretativo, já que a lei não menciona textualmente o cargo objeto da reeleição. De toda forma, já temos assumido tal aspecto como incontroverso. E caso queira concorrer a outro cargo, resta ao Presidente promover sua renúncia em tempo hábil.

Do mesmo modo, pela leitura da lei é vedado ao Vice-Presidente da República pretender concorrer ao terceiro mandato consecutivo como segundo mandatário do País. Quer dizer, o Vice-Presidente não poderia novamente concorrer à Vice-Presidência em seguinte eleição, ainda que em outro partido ou outra chapa. Também é proibido a ele, pela mera leitura da letra da lei, pretender ser eleito como Presidente neste suposto pleito seguinte. Aliás, novamente se ressalta, exclusivamente pela leitura legal, ao Vice-Presidente não seria permitida nenhuma candidatura ao pleito seguinte já que a “reeleição” só é permitida uma única vez. Mas não menciona a qual cargo já que uma nova candidatura bem sucedida, enseja sem dúvida alguma, uma outra eleição. Ou seja, em tese, uma reeleição. Porém, como já dito, se trata de entendimento pacificado e não seria de bom tom mergulhar em tal controvérsia.

Prova desta permissividade de entendimento, sepultando uma eventual lacuna da lei, foi a eleição do ex-Vice Presidente Marco Maciel. Assim que deixou a Vice-Presidência, assumiu o cargo de Senador da República. Campanha aliás, feita sem a necessidade da renúncia prévia que a lei estabelece exclusivamente ao Presidente da República.

O entendimento de que o cargo de Vice não tem maiores ligações com o seu superior, nem se prende a determinados aspectos legais se deu também pela leitura da já citada resolução 20.889 de 2001 do TSE.

Assim diz o texto:

TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

RESOLUÇÃO N° 20.889 (9.10.01)

CONSULTA N° 689 - CLASSE 5* • DISTRITO FEDERAL (Brasilia).

Relator: Ministro Fernando Neves.

Consulente: Anivaldo Vale, deputado federal.

Consulta. Vice candidato ao cargo do titular.

1. Vice-presidente da República, vice-govemador de Estado ou do Distrito Federai ou vice-prefeito, reeleito ou nao, pode se candidatar ao cargo do titular, mesmo tendo substituído aquele no curso do mandato.

2. Se a substituição ocorrer nos seis meses anteriores ao pleito, o vice, caso eleito para o cargo do titular, não poderá concorrer à reeleição.

3. O mesmo ocorrerá se houver sucessão, em qualquer tempo do mandato.

4. Na hipótese de o vice pretender disputar outro cargo que não o do titular, incidirá a regra do art. 1°, § 2°, da Lei Complementar n° 64, de 1990.

5. Caso o sucessor postule concorrer a cargo diverso, deverá obedecer ao disposto no art. 14, § 6o, da Constituição da República


A presente consulta, acima trazida, se deveu ao caso concreto onde o então Vice-Governador de São Paulo, sr. Geraldo Alckmin, pretendia concorrer ao cargo maior daquele estado, após a morte do então Governador Mário Covas.

Ressalte-se que naquela ocasião, Alckmin já havia servido como Governador anteriormente, na vacância do titular, o que em tese, o tornaria inelegível para o tal terceiro mandato. Ocorre que pelo entendimento exarado pelo TSE, como já explicado, os cargos não se confundiam.

Acertada visão pois daquele modo, o TSE corrigiu a discrepância presente na lei. Ainda que levantando questões de moral casuística.

Alckmin quando se elegeu pela primeira vez, havia sido votado, segundo se observou, para o cargo de Vice-Governador de Mário Covas, e esta função ocupou por duas gestões. Mas na visão de nossos magistrados, o pleito para a governança seria plenamente cabível já que se postulava função distinta, com atribuição própria. Em uma gestão fora Vice, na outra seria Governador. Assim, não se trataria de terceiro mandato.

Se assim não fosse, deveria ter sido aplicado o disposto na última parte do inciso 5° do art. 14 da Constituição Federal, o que obviamente, não ocorreu, com plena concordância da máxima instância eleitoral do País. Vejamos o referido texto legal:

(...) e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subseqüente.

Textualmente se verifica a proibição de qualquer pessoa que tivesse assumido o principal cargo executivo, pretender lograr nova disputa, afinal, a Constituição Federal não fala em prazos ou condicionamentos. O texto legal simplesmente proíbe alguém que tenha exercido a função de titular, pleitear nova candidatura. Foi tal proibição que a resolução do TSE veio a esclarecer.

Em outras palavras, o TSE assumiu que Presidência e Vice-Presidência são cargos distintos em sua essência. Por isso deu a permissão da candidatura de um vice-Governador ao cargo de Governador, sepultando aquilo que poderia ser considerado uma segunda reeleição, ou um terceiro mandato.


Eis pois, que é fechado o entendimento de que não há confusão de cargos e funções. Esta visão subsiste também porque a Constituição Federal demonstra a Presidência e a Vice-Presidência como funções distintas. A resolução do TSE só veio a sedimentar tal conceito.

Assim, pelo exame literal da lei brasileira no art. 14 da Constituição Federal, em seu inciso 6°, onde se diz que o PRESIDENTE DA REPÚBLICA se quiser disputar outro cargo deverá renunciar com determinada antecedência, permite, com todas as letras, que haja a candidatura ao cargo da vice-Presidência. Afinal, são cargos distintos. Novamente ressaltando, se não fossem considerados cargos distintos, a Resolução do TSE não poderia ter permitido a candidatura do então Vice-Governador Geraldo Alckmin à governança de seu estado. Pois se trataria claramente de terceiro mandato.

Bem descrito está. Para concorrer a outros cargos, o Presidente da República terá tão somente que renunciar ao seu mandato no máximo, com 6 meses de anterioridade do pleito subsequente. Neste caso, a Vice-Presidência, sem a menor margem de dúvida, se trataria de OUTRO cargo. Afinal, a lei e os entendimentos resolutivos e sumulares, não podem variar de acordo com a conveniência de quem os interpreta, nem tampouco, com a intenção de favorecer este ou aquele candidato.

Marcelo W. Marcengo é advogado em Curitiba.

0 Comentários:

Postar um comentário


Meus queridos e minhas queridas leitoras

Não publicamos comentários anônimos

Obrigada pela colaboração