Em 1º de julho de 2004, municiado com metralhadoras, fuzis, pistolas, revólveres e granadas, o bando de meliantes criteriosamente selecionados pelo Primeiro Comando da Capital e pelo Comando Vermelho preparava-se para tomar de assalto uma cadeia na Grande São Paulo, e libertar os 1.279 presidiários, quando a polícia cercou seu esconderijo. A captura dos 12 bandidos abortou a primeira e mais ousada ação concebida em parceria pelas duas maiores organizações criminosas do país - e impediu que os chefões aliados celebrassem a desmoralização do sistema penitenciário paulista.
Na quinta-feira passada, municiado com um pedido de habeas corpus, o bando de advogados alugados pelo PCC e pelo CV devolveu às ruas nove integrantes da tropa de elite engaiolada em 2004. Como em mais de quatro anos não foi encerrada sequer a fase de instrução do processo, reservada à coleta de provas e depoimentos, o Supremo Tribunal Federal autorizou a libertação da turma - e liberou os donos das cadeias para festejarem a falência do sistema penitenciário nacional e do sistema judicial brasileiro.
"Que beleza!", ironizou um dos delegados que comandaram a operação policial.
"O STF talvez não saiba que são bandidos perigosíssimos". O pior é que sabe, informa o parecer do ministro Carlos Ayres Britto. Segundo o relator do caso, deve-se precisamente à altíssima voltagem dos processados o inverossímil imobilismo do processo. "O motivo de tanto atraso não foi nenhuma ação protelatória dos defensores dos réus", ressalvou.
Dezenas de audiências, complicou o parecer redigido em juridiquês castiço, "foram canceladas e remarcadas por falta de efetivo estatal para apresentação de presos ao juízo criminal, tendo em vista a alta periculosidade dos agentes". Tradução: por falta de escoltas de bom tamanho, bandidos deixaram de ser deslocados da cela para o fórum.
Como os réus são de meter medo em serial killer americano, os magistrados invariavelmente pediam à Secretaria de Segurança Pública que providenciasse a mobilização de 20 dos 100 mil soldados da PM para acompanhá-los até o tribunal. Como a chefia da PM nunca atendia às solicitações, as audiências eram canceladas. E assim se passaram quatro anos.
"Há 20 anos, quando fui secretário de Segurança Pública, ninguém sabia quem era responsável pela escolta", confessa o criminalista Antônio Mariz de Oliveira. "Está provado que nada mudou. E ainda não foi criada uma guarda penitenciária". Desde a década de 80, portanto, um sistema judicial em frangalhos vem sendo espancado impunemente por governantes omissos, militares ineptos e juízes pusilânimes. Por descumprirem a lei, não foram julgados os delinqüentes que o STF agora libertou em nome da lei.
Onde a gente comum enxerga nove bombas ambulantes, as togas viram cidadãos que, como quaisquer outros, são merecedores de atenções constitucionais. Certo, concordou até o Ministério Público Federal. Certíssimo, aplaudiram os juristas renomados e os bacharéis de porta de cadeia. "O STF só cumpriu seu dever", concede a advogada Paula Rodrigues Branco. Funcionária do PCC, Paula continua irada com os quatro anos de cadeia curtidos "pelos rapazes".
É assim que ela se refere a clientes que carregam nas costas prontuários de dar inveja a um Fernandinho Beira-Mar. É é de doutoras paulas que andam precisando outros 130 mil presos preventivamente. Estão na cadeia há muito mais tempo que os 81 dias estabelecidos pela legislação. Aguardam julgamento, como os nove rapazes da doutora. Mas não recursos financeiros para contratar advogados, e por isso não têm recursos judiciais a apresentar a instâncias superiores. Não sabem exatamente o que faz o STF. Nem ousam sonhar com um habeas corpus. (Gazeta Mercantil )
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