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segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Mudança em lei ameaça atuação da PF


Preocupados com a onda de restrições às escutas clandestinas legais, procuradores da República e policiais federais alertam para o risco de retrocesso no combate à corrupção e o desmantelamento de ferramentas jurídicas que têm permitido alcançar criminosos do colarinho branco. Eles acham que a legislação em discussão no Congresso engessa as investigações e pode levar a Polícia Federal a dar adeus às operações de impacto, que miram políticos, membros do Judiciário e grandes empresários.

"Os países que decidiram enfrentar a corrupção se preocuparam em reforçar os instrumentos de combate e endurecer a legislação contra poderosos. O que está se vendo no Brasil é o contrário. Ninguém está incomodado com a lei que pune a clientela tradicional do Estado, que são os pobres", diz o procurador José Alfredo de Paula Silva.

Ele acha que por trás do insistente discurso do "estado policialesco" emplacado pelo ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), há um movimento orquestrado por parlamentares para desmobilizar a ação da Polícia Federal, inibir o Ministério Público e constranger os juízes federais que têm sido duros contra a corrupção.

Muitas prisões

Os números da Polícia Federal revelam que nunca se prendeu tanto e que o relevo mais significativo do crime aparece na relação promíscua entre empresários, políticos e agentes públicos: dos 9.451 presos pela Polícia Federal em 632 operações desencadeadas de 2003 até ontem, 1.388, ou o equivalente a 14,68%, são servidores públicos que, em troca de propina, caíram no conto da sereia das quadrilhas que rapinam o erário. Nesse cenário, a própria Polícia Federal ocupa um lugar de destaque com o expressivo número de 83 policiais presos por envolvimento com o crime.

A atuação dos órgãos de repressão ao crime sofreu uma brusca mudança nos últimos 20 anos, precisamente a partir da promulgação da Constituição de 1988, que deu mais poderes ao Ministério Público. A Polícia Federal, que se destacava mais pela repressão ao tráfico de drogas, mudou o foco em 2003 com a junção de duas ferramentas essenciais - o grampo telefônico e a prisão temporária - e uma forte estratégia de marketing na divulgação, chamada pelos políticos de vazamento e pirotecnia.

Uso de algemas

O primeiro ato dessa onda de restrição que visa enquadrar a máquina judiciária, avaliam os procuradores, foi a discussão que resultou na súmula baixada pelo STF restringindo o uso de algemas nos colarinho branco - uma decisão que historicamente esteve nas mãos do policial que atuam na linha de frente do combate ao crime e é quem tem a obrigação de avaliar quem deve ou não ser algemado. Depois, a revelação de uma conversa entre Mendes e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) abriu espaço para propostas no Congresso limitando o uso do grampo telefônico e a criação de mecanismos de controle.

"Nada do que está em discussão restringe o grampo ilegal. A reação voltou-se para o que está sob controle", afirma o delegado Sandro Avelar, presidente da Associação Nacional dos Delegados Federais. "Caso vença a proposta em curso no Congresso, a Polícia Federal passará por um longo período de engessamento."
"Limitar o tempo de escuta a um ano é matar uma investigação", completa a procuradora Raquel Branquinho.

É consenso entre governo e Congresso que o período do grampo, que hoje funciona por "tempo indeterminado", seja autorizado para no máximo 360 dias. A Operação Satiagraha, a mais barulhenta, durou quatro anos até a Polícia Federal mandar para a cadeia o banqueiro Daniel Dantas. Pelo menos um terço das 632 operações dos últimos cinco anos duraram mais de um ano. As de grande porte como Navalha, Furacão e Xeque Mate, na média, um ano e meio.

"O grande problema é que estão misturando grampo ilegal com escuta autorizada pela Justiça", alerta Raquel Branquinho.
Ela afirma que a restrição é uma reação da elite que, assustada com as ações da PF, pegou uma carona no peso das declarações do presidente do STF.

Bruno Acioli, outro procurador especialistas no combate à corrupção, alerta que o que está em jogo é a resistência da classe política em mudar o sistema fisiológico que há décadas pauta a relação do poder com a iniciativa privada. Segundo ele, figuras como o banqueiro Daniel Dantas ou o deputado cassado Roberto Jefferson podem ser geniais operadores no desvio de recursos públicos, mas ambos serão apenas substituíveis enquanto perdurar na política a prática da fisiologia, porta de entrada da corrupção.

E não é pouco o que se desvia só no governo federal. Perícia divulgada esta semana pela própria PF em cima de 1,7 mil obras mostra que de R$ 110 bilhões investidos entre 2000 e meados de 2008, R$ 15,58 bilhões ou 13,6% do total escoaram pelo ralo da corrupção.

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