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domingo, 30 de dezembro de 2007

A fábula da democracia do Seu Juca

Seu Juca vivia nos confins do sertão brasileiro, à beira de um rio, numa casinha rústica, onde não tinha nada, nem médico, nem escola para os filhos, nem luz, nem estrada. Plantava, criava cabras e galinhas, caçava e pescava quando dava, para dar de comer à família.

Em 1989 a democracia chegou a Seu Juca. Mesmo sem saber ler, pela constituição de 88 ele passou a poder votar.

Um candidato a deputado apareceu na casa de Seu Juca, de barco.
Disse que Seu Juca, a patroa e os "di maior" precisavam tirar o título de eleitor para votar nele. Assim ele poderia melhorar a casinha, colocar até luz elétrica, fazer um barco com médico e dentista passar de vez em sempre na casa do Seu Juca, levar os filhos para escola.
Prometeu até arranjar uma aposentadoria para a mãe do Seu Juca que já tinha 65 anos, e um emprego na cidade para seu filho mais velho.

Seu Juca tirou seu título de eleitor e da família inteira. Arranjou até para irmãos, primos e cunhados.

Desde então, de 4 em 4 anos, no dia das eleições, um barco passava na casa de seu Juca, com uma urna lá dentro, e Seu Juca copiava o santinho com a colinha que "um amigo" do deputado deixava dias antes , sempre renovando as mesmas promessas de que o barco com o médico e dentista viria depois da eleições, e que a aposentadoria da mãe já estava encaminhada, a escola estava "quase" pronta, a luz elétrica estava só "dependendo dos postes", e o emprego na cidade dependia do filho frequentar uns dias na escola, "assim que a escola estivesse pronta".

Uma eleição depois da outra, e a urna vinha até a casa de seu Juca, mas o médico, o dentista, a luz, a aposentadoria e o emprego não chegavam. Os anos passavam e a urna que chegava passou a ser eletrônica, com bateria, mas a luz não chegava.

Essa era a democracia do Seu Juca.

Um dia passou um barco com um monte de gente na casa de Seu Juca, chamada caravana da cidadania. Seu Juca conheceu um tal de Lula, que ele nunca tinha ouvido falar, porque não tinha TV, nem lia jornal. Viu só um sertanejo igual a ele. Depois de conversarem sobre a pesca, a caça, a plantação e a criação das cabras, ouvir umas histórias de Lula, ele contou a história da sua democracia, que só vinha a urna, mas faltava o resto.

Lula explicou que Seu Juca estava votando errado. Ele estava votando em quem não ligava para os problemas da família dele, senão a luz, o médico, a escola já teriam chegado. O deputado só queria o seu voto para cuidar só dos problemas dos amigos do próprio deputado.

Lula explicou que já tinha sido candidato a presidente da República. Seu Juca assustou-se. Ficou até desconfiado que era mentira. Um sertanejo candidato a presidente da República? Na casa do Seu Juca? Mas Lula explicou tudo. Que foi num pau-de-arara para São Paulo, trabalhou numa fábrica de automóveis e tornou-se um líder sindical, aquele que briga pelo melhor salário do trabalhador, e estava fazendo aquela Caravana, justamente para um presidente da República resolver os problemas de gente como o Seu Juca, olho no olho.

Aí Seu Juca acreditou, e pediu para ensinar a todos da sua família a votar no 13 do Lula. Aprendeu até a cantarolar o Lula-lá, ao som de uma viola que um compadre arranhava.

Desde então o "amigo" do deputado continuou passando nas vésperas das eleições com as mesmas promessas, as mesmas desculpas e deixando o santinho. Na hora de ir embora Seu Juca respondia com um sorriso matreiro no canto da boca:

- Pode contar com nosso voto, como nós contamos com o médico, a luz e a escola que o "Seu" deputado vai mandar.

Na caixinha dentro de casa, onde Seu Juca guardava as relíquias estava o santinho do Lula escrito de próprio punho pelo candidato a presidente da República, que Seu Juca usava em todas as eleições. Foi assim até que chegou 2002, e o candidato do Seu Juca ganhou a eleição.

Passou 2003, entrava 2004, Seu Juca já estava achando que o Presidente Lula também não ia mandar o médico, nem luz, nem o resto ... quando um barco parou à sua porta com uma doutora toda de branco. Era o médico de família que passou a atender a família de seu Juca. Pouco depois, queixando de dor de dente, foi levado a um posto do Brasil Sorridente. Ele queria arrancar o dente, como faziam os mais velhos, mas o dentista tratou em vez de arrancar.

Em outra visita da médica, seu Juca perguntou onde podia pedir a aposentadoria da mãe. A médica ensinou Seu Juca o caminho do posto do INSS mais próximo.

O filho mais velho do Seu Juca, conseguiu um emprego na cidade, mas não foi "dado" pelo deputado, foi num Supermercado que estava vendendo tanto que precisou contratar mais gente trabalhadora como o filho do Seu Juca. De noite o "menino" passou a estudar, para progredir na vida.

Um dia, cedo, Seu Juca viu um toco em cima do Morro destoando da paisagem. Foi lá em cima ver o que era aquilo. Era um poste de luz, do Luz para Todos. Uma semana depois a família toda fez uma festa para acender a primeira lâmpada da casa.

A essa altura a escola já estava funcionando no vilarejo mais próximo. E os filhos de Seu Juca chamaram o pai para receber um cartãozinho de plástico, chamado bolsa família, para não ter que tirar os filhos da escola na época do ano, quando tinha que levar os filhos para ajudar na roça a ganhar o dinheirinho da sobrevivência com a venda da colheita. Seu Juca e a esposa continuam colhendo, mas os filhos não arredam o pé da escola para ir p'ra roça mais, por que o Bolsa Família dá p'ra comprar o básico.

Chegou 2006, e em setembro o amigo do deputado passou de novo na casa de Seu Juca para deixar santinhos, prometendo que a luz viria ... quando Seu Juca interrompeu:

- Carece não. Agora o Presidente Lula já trouxe para nós com o Luz para todos.

Sem graça o amigo do deputado desconversou, mudou de assunto, fez outras promessas, e quando ia entregar os santinhos, dessa vez Seu Juca interrompeu de novo:

- Carece não. Eu já tenho candidato.

Essa é a democracia do Seu Juca, depois do governo Lula, onde não é só a urna que chega.

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