A prestigiada revista britânica "The Economist" traz na capa desta semana o candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL) e diz que ele é uma ameaça, não só para o país, mas para toda a América Latina. Leia a seguir a tradução. Texto original, aqui
Deus é brasileiro”, diz um ditado que se tornou título de um filme popular. A beleza, riquezas naturais e a música do Brasil geralmente fazem com o país se apresente como singularmente abençoado. Mas, atualmente, os brasileiros devem se perguntar se, como a divindade no filme, Deus saiu de férias. A economia está um desastre, as finanças públicas estão sob pressão e a política está completamente podre. A criminalidade também aumenta. Sete cidades brasileiras estão entre as 20 mais violentas do mundo.
As eleições nacionais no próximo mês dão ao Brasil a chance de começar de novo. No entanto, caso, como parece muito possível, a vitória for para Jair Bolsonaro, um populista de direita, as coisas correm o risco de piorar. Sr. Bolsonaro, cujo nome do meio é Messias, promete a salvação. Na verdade, ele é uma ameaça para o Brasil e para a América Latina.
Bolsonaro é o mais recente em uma onda de populistas — de Donald Trump nos EUA, a Rodrigo Duterte nas Filipinas, passando por uma coalizão de esquerda-direita com Matteo Salvini na Itália. Na América Latina, Andrés Manuel López Obrador, um ‘instigador’ de esquerda, tomará posse no México em dezembro. O Sr. Bolsonaro seria uma adição particularmente desagradável ao clube. Se ele vencer, pode colocar em risco a própria sobrevivência da democracia no maior país da América Latina.
A amargura brasileira
Populistas ganham força a partir de queixas semelhantes. Uma economia fracassada faz parte dessas reclamações — e no Brasil, esse fracasso foi catastrófico. Durante a pior recessão de sua história, o PIB por pessoa retrocedeu em 10% no período de 2014–16 e ainda não se recuperou. A taxa de desemprego é de 12%. O prospecto das elites negociando entre elas mesmas e a corrupção são outros problemas decididamente graves no país. A série de investigações interligadas conhecidas como Lava Jato desacreditaram toda a classe política. Dezenas de políticos estão sob investigação. Michel Temer, que se tornou presidente do Brasil em 2016 depois que sua antecessora, Dilma Rousseff, foi impugnada por acusações não relacionadas, evitou julgamento pelo Supremo Tribunal apenas porque o Congresso votou para poupá-lo. Luiz Inácio Lula da Silva, outro ex-presidente, foi preso por corrupção e desqualificado de concorrer às eleições. Os brasileiros dizem aos pesquisadores que as palavras que melhor resumem o país são “corrupção”, “vergonha” e “decepção”.
O senhor deputado Bolsonaro explorou a fúria da população de forma brilhante. Antes dos escândalos da Lava Jato, ele era um congressista de sete mandatos do estado do Rio de Janeiro, com uma longa história de ser grosseiramente ofensivo. Ele disse que não iria estuprar uma congressista porque ela era “muito feia”; que preferiria um filho morto a um filho gay; e sugeriu que aqueles que vivem em assentamentos fundados por quilombolas são gordos e preguiçosos. De repente, essa disposição de quebrar tabus passou a ser interpretada como prova de que ele seria diferente dos usuais políticos de Brasília.
Para os brasileiros desesperados para se livrarem de políticos corruptos e traficantes de drogas assassinos, o Sr. Bolsonaro se apresenta como um xerife sensato. Cristão evangélico, ele mistura o conservadorismo social com o liberalismo econômico, ao qual ele se converteu recentemente. Seu principal conselheiro econômico é Paulo Guedes, que foi educado na Universidade de Chicago, um bastião de ideias de livre mercado. Ele defende a privatização de todas as empresas estatais brasileiras e a simplificação “brutal” dos impostos. O senhor deputado Bolsonaro propõe reduzir o número de ministérios de 29 para 15 e colocar generais no comando de alguns deles.
Sua fórmula está ganhando apoio. As pesquisas apontam que ele possui 28% dos votos. Bolsonaro é claramente o favorito em um cenário com muitos candidatos ao primeiro turno das eleições de 7 de outubro. Este mês, ele foi esfaqueado no estômago em um comício, o que o confinou em um hospital. Isso só o tornou mais popular — e protegeu-o de um exame mais minucioso pela mídia e seus oponentes. Se enfrentar Fernando Haddad, o candidato do Partido dos Trabalhadores (sigla de Lula, e de esquerda) no segundo turno ao final do mês, muitos eleitores de classe média e alta, que culpam Lula e o PT acima de tudo pelos problemas do país, poderiam ser atraídos para os braços de Bolsonaro.
A tentação de Pinochet
O público não deve ser enganado. Além de suas visões sociais não liberais, Bolsonaro tem uma admiração preocupante com a ditadura. Ele dedicou seu voto para destituição de Dilma Rousseff ao comandante de uma unidade responsável por 500 casos de tortura e 40 assassinatos durante o regime militar brasileiro (1964 a 1985). O companheiro de chapa de Bolsonaro é Hamilton Mourão, um general aposentado que, no ano passado, trajando seu uniforme, contemplou que o exército poderia intervir para resolver os problemas do país. A resposta do Sr. Bolsonaro ao crime é, na verdade, matar mais criminosos — embora, em 2016, a polícia tenha matado mais de 4.000 pessoas.
A América Latina já experimentou com a mistura de políticas autoritárias e economia liberal. Augusto Pinochet, um governante brutal do Chile entre 1973 e 1990, foi aconselhado pelos “Chicago Boys”, amantes do livre mercado. O grupo ajudou a estabelecer o terreno para a prosperidade relativa de hoje no Chile, mas a um custo humano e social terrível. Os brasileiros apresentam um certo fatalismo sobre a corrupção, resumido na frase “rouba, mas faz”. A população do Brasil não deve se enganar pelo Sr. Bolsonaro — cuja máxima poderia se transformar em “eles torturaram, mas agiram”. A América Latina conhece todos os tipos de homens fortes, a maioria deles terríveis. Para evidências recentes, apenas olhe para os desastres na Venezuela e na Nicarágua.
Bolsonaro pode não ser capaz de converter seu populismo em ditadura ao estilo de Pinochet — mesmo que quisesse. Porém, a democracia do Brasil ainda é jovem. Até mesmo um flerte com autoritarismo é preocupante. Todos os presidentes brasileiros precisam de uma coalizão no Congresso para aprovar legislação. O senhor Bolsonaro tem poucos amigos políticos. Para governar, ele poderia ser levado a degradar ainda mais a política, potencialmente pavimentando o caminho para alguém ainda pior.
Em vez de cair nas promessas vazias de um político perigoso, na esperança de que ele possa resolver todos os seus problemas, os brasileiros devem perceber que a tarefa de curar sua democracia e reformar sua economia não será fácil nem rápida. Algum progresso foi feito — como a proibição de doações corporativas a partidos e o congelamento de gastos federais. Muito mais reformas são necessárias. O senhor Bolsonaro não é o homem para fornecê-las.
As eleições nacionais no próximo mês dão ao Brasil a chance de começar de novo. No entanto, caso, como parece muito possível, a vitória for para Jair Bolsonaro, um populista de direita, as coisas correm o risco de piorar. Sr. Bolsonaro, cujo nome do meio é Messias, promete a salvação. Na verdade, ele é uma ameaça para o Brasil e para a América Latina.
Bolsonaro é o mais recente em uma onda de populistas — de Donald Trump nos EUA, a Rodrigo Duterte nas Filipinas, passando por uma coalizão de esquerda-direita com Matteo Salvini na Itália. Na América Latina, Andrés Manuel López Obrador, um ‘instigador’ de esquerda, tomará posse no México em dezembro. O Sr. Bolsonaro seria uma adição particularmente desagradável ao clube. Se ele vencer, pode colocar em risco a própria sobrevivência da democracia no maior país da América Latina.
A amargura brasileira
Populistas ganham força a partir de queixas semelhantes. Uma economia fracassada faz parte dessas reclamações — e no Brasil, esse fracasso foi catastrófico. Durante a pior recessão de sua história, o PIB por pessoa retrocedeu em 10% no período de 2014–16 e ainda não se recuperou. A taxa de desemprego é de 12%. O prospecto das elites negociando entre elas mesmas e a corrupção são outros problemas decididamente graves no país. A série de investigações interligadas conhecidas como Lava Jato desacreditaram toda a classe política. Dezenas de políticos estão sob investigação. Michel Temer, que se tornou presidente do Brasil em 2016 depois que sua antecessora, Dilma Rousseff, foi impugnada por acusações não relacionadas, evitou julgamento pelo Supremo Tribunal apenas porque o Congresso votou para poupá-lo. Luiz Inácio Lula da Silva, outro ex-presidente, foi preso por corrupção e desqualificado de concorrer às eleições. Os brasileiros dizem aos pesquisadores que as palavras que melhor resumem o país são “corrupção”, “vergonha” e “decepção”.
O senhor deputado Bolsonaro explorou a fúria da população de forma brilhante. Antes dos escândalos da Lava Jato, ele era um congressista de sete mandatos do estado do Rio de Janeiro, com uma longa história de ser grosseiramente ofensivo. Ele disse que não iria estuprar uma congressista porque ela era “muito feia”; que preferiria um filho morto a um filho gay; e sugeriu que aqueles que vivem em assentamentos fundados por quilombolas são gordos e preguiçosos. De repente, essa disposição de quebrar tabus passou a ser interpretada como prova de que ele seria diferente dos usuais políticos de Brasília.
Para os brasileiros desesperados para se livrarem de políticos corruptos e traficantes de drogas assassinos, o Sr. Bolsonaro se apresenta como um xerife sensato. Cristão evangélico, ele mistura o conservadorismo social com o liberalismo econômico, ao qual ele se converteu recentemente. Seu principal conselheiro econômico é Paulo Guedes, que foi educado na Universidade de Chicago, um bastião de ideias de livre mercado. Ele defende a privatização de todas as empresas estatais brasileiras e a simplificação “brutal” dos impostos. O senhor deputado Bolsonaro propõe reduzir o número de ministérios de 29 para 15 e colocar generais no comando de alguns deles.
Sua fórmula está ganhando apoio. As pesquisas apontam que ele possui 28% dos votos. Bolsonaro é claramente o favorito em um cenário com muitos candidatos ao primeiro turno das eleições de 7 de outubro. Este mês, ele foi esfaqueado no estômago em um comício, o que o confinou em um hospital. Isso só o tornou mais popular — e protegeu-o de um exame mais minucioso pela mídia e seus oponentes. Se enfrentar Fernando Haddad, o candidato do Partido dos Trabalhadores (sigla de Lula, e de esquerda) no segundo turno ao final do mês, muitos eleitores de classe média e alta, que culpam Lula e o PT acima de tudo pelos problemas do país, poderiam ser atraídos para os braços de Bolsonaro.
A tentação de Pinochet
O público não deve ser enganado. Além de suas visões sociais não liberais, Bolsonaro tem uma admiração preocupante com a ditadura. Ele dedicou seu voto para destituição de Dilma Rousseff ao comandante de uma unidade responsável por 500 casos de tortura e 40 assassinatos durante o regime militar brasileiro (1964 a 1985). O companheiro de chapa de Bolsonaro é Hamilton Mourão, um general aposentado que, no ano passado, trajando seu uniforme, contemplou que o exército poderia intervir para resolver os problemas do país. A resposta do Sr. Bolsonaro ao crime é, na verdade, matar mais criminosos — embora, em 2016, a polícia tenha matado mais de 4.000 pessoas.
A América Latina já experimentou com a mistura de políticas autoritárias e economia liberal. Augusto Pinochet, um governante brutal do Chile entre 1973 e 1990, foi aconselhado pelos “Chicago Boys”, amantes do livre mercado. O grupo ajudou a estabelecer o terreno para a prosperidade relativa de hoje no Chile, mas a um custo humano e social terrível. Os brasileiros apresentam um certo fatalismo sobre a corrupção, resumido na frase “rouba, mas faz”. A população do Brasil não deve se enganar pelo Sr. Bolsonaro — cuja máxima poderia se transformar em “eles torturaram, mas agiram”. A América Latina conhece todos os tipos de homens fortes, a maioria deles terríveis. Para evidências recentes, apenas olhe para os desastres na Venezuela e na Nicarágua.
Bolsonaro pode não ser capaz de converter seu populismo em ditadura ao estilo de Pinochet — mesmo que quisesse. Porém, a democracia do Brasil ainda é jovem. Até mesmo um flerte com autoritarismo é preocupante. Todos os presidentes brasileiros precisam de uma coalizão no Congresso para aprovar legislação. O senhor Bolsonaro tem poucos amigos políticos. Para governar, ele poderia ser levado a degradar ainda mais a política, potencialmente pavimentando o caminho para alguém ainda pior.
Em vez de cair nas promessas vazias de um político perigoso, na esperança de que ele possa resolver todos os seus problemas, os brasileiros devem perceber que a tarefa de curar sua democracia e reformar sua economia não será fácil nem rápida. Algum progresso foi feito — como a proibição de doações corporativas a partidos e o congelamento de gastos federais. Muito mais reformas são necessárias. O senhor Bolsonaro não é o homem para fornecê-las.
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