Reuniões de militares fora dos quartéis, para "discutir a situação", só poderiam ser vistas como prática de civismo se o passado brasileiro, a partir do golpe da República, não as intrigasse com o espírito da democracia.
A gravidade da situação não esperou, para pretextar reuniões, o tumulto provocado por empresários e autônomos de carga rodoviária. Pode mesmo haver quem ligue uma coisa à outra, ao menos como conhecimento prévio.
A gravidade da situação não esperou, para pretextar reuniões, o tumulto provocado por empresários e autônomos de carga rodoviária. Pode mesmo haver quem ligue uma coisa à outra, ao menos como conhecimento prévio.
Há poucos dias, Michel Temer pediu ao comandante do Exército uma conversa privada. O general Villas Bôas deu ao ministro da Defesa conhecimento do convite, é provável que depois relatasse a conversa, mas nada extravasou a respeito (ainda). O que confirma um lado nebuloso na realidade que logo ferveria, na segunda-feira 14, com a eclosão das reações ao terceiro aumento do diesel em uma semana.
Os efeitos rápidos e brutos da retenção de cargas e de combustível configuraram o aspecto socioeconômico e, em escala bem menor, a parte óbvia dos reflexos políticos da greve. Nestes reflexos há, no entanto, um aparente subproduto que pode ser ou tornar-se o principal, e não o sub.
É a implicação eleitoral da ação grevista. Henrique Meirelles é prejudicado, Alckmin perde algo por sua complacência com Temer e com o governo. Os demais ganham alguma coisa, exceto um, que ganha muito.
Na gravidade e nos modos, a situação provocada pelos caminhoneiros empresariais e autônomos se ajusta, com precisão, ao que Jair Bolsonaro diz e representa para o eleitorado. O governo fraco e frouxo, a falta de ordem e de quem a ponha sob controle, o Congresso dos negocistas, o alto Judiciário confuso e confundindo, e a população indignada, a esperar das "autoridades" a solução que não vem. O candidato e os caminhoneiros sabem o que fazer.
"Sabe que todo caminhoneiro vota no Bolsonaro, né?". É a informação do chefe de um dos núcleos do movimento, em conversa transcrita no melhor jornalismo de cobertura desses dias: a colheita da repórter Josette Goulart, do site e da revista Piauí, na sua original participação em quatro grupos de WhatsApp de lideranças da obstrução. A informação não surpreende, mas talvez ilumine algumas sombras da situação.
Nesses grupos "se espalham", como Josette constatou, "vídeos de militares apoiando o movimento e incentivando os caminhoneiros a não desistirem". Não desistiram. E enriqueceram suas exigências: além de preço rebaixado do diesel, "renúncia de Temer e antecipação das eleições". Em certa contradição com "o slogan frequente": "Intervenção já".
De quem? Não seria preciso dizer.
Mas os taxistas e donos de carros particulares que de repente se juntaram, quinta-feira, para destroçar o pedágio da Linha Amarela, próxima da Barra da Tijuca, preferiram não deixar dúvida. Do nada, surgiu entre eles uma faixa: "Intervenção militar". A dúvida sobreveio, porém, trazida pelas outras informações: a faixa e a "intervenção militar" eram uma exigência ou a identificação de autoria do ataque agitador?Por mais que os efeitos da greve sejam vistos e sentidos, há mais obscuridade do que clareza por aí.
Janio de Freitas
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