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sábado, 24 de junho de 2017

Temer inaugurou novo padrão de crise em modo de viagem




Desenhada como uma janela de oportunidade para tentar evitar o noticiário negativo em casa, a viagem de Michel Temer à Europa ganhou contornos de definidora de caminhos. Quando não de desastre.

Isso porque a visão idealizada inicialmente fracassou. Mesmo sob a intensa e vigiada etapa russa da viagem, Temer foi colhido por um agravamento da situação política em casa.

Enquanto pulava relativamente incólume de ter de falar com a imprensa de evento em evento, o presidente viu sua base de apoio desagregar-se na hora de votar uma etapa da reforma trabalhista. E isso foi no Senado, Casa em que Temer tem em tese uma maioria confortável, diferentemente da cada vez mais instável Câmara dos Deputados.

A derrota na Comissão de Assuntos Sociais foi tão inesperada que a apoplexia colheu os membros da comitiva presidencial. Ninguém entendeu como a base aliada poderia agir contra um presidente fora do país –um anacronismo em termos logísticos, é fato, mas que encontra raízes profundas na história brasileira.

Com parte do PMDB, do PSDB e do PSD agindo de forma rebelde, a luz amarela acendeu justamente enquanto o presidente desfilava sem Moscou com sua comitiva -que incluía o líder tucano no Senado, Paulo Bauer (SC), saudado como uma espécie de patrono da filial brasileira do balé Bolshoi no Brasil.

Isso para não falar no noticiário policial da Operação Lava Jato, que agora atinge Temer quase que de forma diária. Evasivas foram o melhor que o peemedebista conseguiu oferecer na capital russa.

Ao chegar à democrática Noruega, o quadro agravou-se pelo fato de que Temer foi exposto a, bom, mecanismos democráticos como a exposição pública. Saiu de cena o formalismo rígido de Vladimir Putin, e entrou em cena a premiê local, que nada menos do que cobrou do mandatário brasileiro um fim para a corrupção no Brasil.

A armadilha norueguesa era ainda mais eficaz. O governo local aproveitou a presença de Temer para cortar parte da ajuda financeira que fornecia ao combate ao desmatamento, para o sorriso amarelo do ministro Sarney Filho e sua antológica frase sobre a autoria divina do processo de derrubada de árvores.

E houve Temer, que demonstrou uma falha na sua usual habilidade diplomática. Cometeu gafes, chamando o rei de um país como de outro, e demonstrou um desconhecimento de protocolo ao desmanchar-se em elogios provincianos à recepção de gala que recebeu de Putin –um chefe de Estado que o esnobara meses atrás.

A resultante da viagem foi desastrosa para o governo. A ideia corrente de que "a crise viajou" ganhou uma interpretação novidadeira, já que ela conseguiu se ver agravada por fatores internos, inabilidade externa e a inusual agressividade da anfitriã escandinava.

Agora, o peemedebista terá de tratar de tentar remendar o esgarçamento ampliado de seu tecido de apoio congressual, o maior ativo que vinha demonstrando até aqui. Não por acaso, Temer insistiu tanto na Rússia como na Noruega que encima uma espécie de sem-parlamentarismo, dado o poder de congressistas em sua gestão.

A afirmação é verdadeira. Há uns 40 dias, o viés positivo seria facilmente empacotável para a audiência externa, tamanha a agenda encaminhada no Congresso.

Agora, o contrário é igualmente verdade, e o Planalto terá que trabalhar para não ser devorado na hora da apresentação da denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o presidente, que precisa ser admitida pelo plenário da Câmara.

Com tudo isso, Temer inaugurou um novo padrão de crise em modo de viagem. Se não é dramático como o que atingiu João Goulart tendo de engolir o parlamentarismo para assumir em 1961, nem tampouco é benigno para assegurar o "sucesso" alardeado pelo presidente em suas falas que, para ironia histórica, propagandearam uma espécie de governo compartilhado com o Parlamento que irá ou não dificultar sua vida na Justiça.Editorial da Folha

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