Trapaças regimentais e espetáculos deprimentes transformam a Casa do Povo na Casa da Mãe Joana
Na teoria democrática formal, parlamentares são representantes do povo. Pura fantasia. O Brasil prova o tamanho da falácia.
Sem consultar ninguém, deputados e senadores passaram a legislar sofregamente sobre mudanças constitucionais. Sob a liderança do cruzado Eduardo Cunha, o plenário da Câmara vota a toque de caixa modificações que interferem no já limitado direito do povo de decidir os rumos do país.
Brasília abriga neste momento uma espécie de constituinte pirata, destinada a preservar privilégios presentes e "corrigir" escorregões como o da reeleição. O princípio, adquirido a peso de ouro para eternizar FHC e sua trupe no poder por anos e anos, como dizia Sérgio Motta, deu errado. Resultou em anos de administração petista. Mesmo sem entrar no mérito deste período, tem-se a velha história do feitiço traindo o feiticeiro.
Agora, chega. No caldeirão do Cunha, cabe tudo. Mandato de cinco anos, fim da reeleição, doações empresariais, voto obrigatório. Quase passou o distritão, que transformaria as eleições de uma vez por todas em disputa de celebridades irrigada por dinheiro grosso. Uma pergunta: algum desses temas foi submetido ao cidadão que votou em vossas excelências?
A resposta é óbvia. Entre tantos outros, o grande estelionato eleitoral do momento está sendo praticado no Congresso. Basta ver a lógica das votações. Os tucanos, autores do fator previdenciário e da reeleição, hoje posam de arrependidos. Parlamentares petistas endossam medidas contra os trabalhadores e nem corados ficam. Ao lado, o mesmo sujeito que vota por um tipo de doação nas campanhas muda de ideia no dia seguinte. Contra argumentos de caixa, não há regimento nem Constituição que resistam.
No clima de vale-tudo há sempre os puxadinhos habituais. Mais isenção de imposto para seitas religiosas, refinanciamento a perder de vista para caloteiros reincidentes e, aproveitando a onda, alterações na maioridade penal e nos direitos trabalhistas.
Mesmo num país singular como o Brasil, tem-se a sensação de que certos procedimentos ultrapassam limites. Cenas como roedores invadindo uma CPI, "sindicalistas" exibindo nádegas em galerias, gás pimenta contra opositores selecionados e o uso do plenário para um culto ao obscurantismo mostram a rapidez da transformação da Casa do Povo em autêntica Casa da Mãe Joana.
Cada um a seu modo, ninguém no mundo político está isento de culpa. Está mais do que na cara que o cardápio de mudanças da dupla Cunha-Renan implica um reordenamento constitucional. A proposta de constituinte para a reforma política, contudo, jaz sob a mesma lápide que o imposto sobre heranças e fortunas, a reforma agrária, o direito à saúde, à educação e à casa própria. Silêncio ensurdecedor.
ONDE ESTÁ O LADRÃO
A tentativa de liquidar antecipadamente a candidatura de Lula em 2018 tem proporcionado momentos hilários. O instituto criado pelo petista é "acusado" de receber dinheiro da empreiteira Camargo Corrêa. Aí surge uma reportagem de anos atrás, da revista "Época", descrevendo como FHC arrumou seu futuro ainda no governo, passando o chapéu num jantar no Alvorada com figuras carimbadas do PIB nacional.
Duas questões. A primeira: a qual político influente a Camargo Corrêa e outras empreiteiras não doaram dinheiro neste país?
A segunda: você conhece algum ex-presidente, mesmo fracassado, que não cobra por palestras após o fim do mandato?
Ricardo Melo - Colunista da Folha
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