Na terra de Carlinhos Cachoeira, a polícia ainda dá de ombros ao jogo do bicho escancarado no centro da cidade, e políticos enchem o peito de orgulho para reafirmar a amizade com o bicheiro, acusado pela Polícia Federal de comandar a máfia dos caça-níqueis. A contravenção prosperou entrelaçada a atividades lícitas e desenvolveu braços na política local e na alta sociedade. Ser amigo dos Cachoeira em Anápolis é um bilhete premiado: até nas bancas de apostas, em época de campanha, a ordem é apoiar o candidato com a benção do grupo.
Na última semana, apesar da visibilidade causada pelo escândalo, o jogo do bicho rolava solto na Praça Bom Jesus, a principal de Anápolis, sob a vigilância da Polícia Militar, como o Globo flagrou por dois dias seguidos. A um metro da vigia da PM, a reportagem fez uma "fezinha" frustrada de R$ 5.
Mas o caça-níquel sumiu dos bares. Neste caso, até parece que a polícia descobriu, de repente, que o jogo é ilegal. Os policiais resolveram agir para coibir a videoloteria e, como não fazia apreensões até estourar o escândalo, as máquinas estão empilhadas em corredores e salas da delegacia geral de Anápolis. Questionada sobre a inexistência de um local para armazenar as apreensões, a delegada de plantão, que pediu para não ser identificada, admitiu que, até "tudo isso acontecer", a falta de espaço para armazenar "maquininhas apreendidas" não causava transtorno.
O trinômio negócio lícitos, poder político e de comunicação consolidou a força de Carlinhos Cachoeira. Ao se casar com a primeira mulher, Andréia, da tradicional família Aprígio, Cachoeira deu ares de legalidade para sua desenvolta atuação no mundo dos negócios sujos. O laboratório Vitapan, de medicamentos genéricos e similares, fortalecia a imagem de empresário bem-sucedido. Em 2004, obteve o sonho de um contraventor: associou o nome da família Ramos a uma fundação de responsabilidade social administrada pela família Aprígio, e criada pelo laboratório.
- A fundação está em reforma, mas já fizemos cursos de capacitação de culinária e bordado. Realmente, nunca teve muito movimento lá, até porque não recebemos dinheiro público. Era outra época. Agora, a família está sofrendo muito - conta Gabriela Campos de Souza, ex-sogra, ex-diretora da fundação e atual subsecretária estadual de educação de Goiás, que nega a interferência de Carlinhos em sua indicação no governo Marconi Perillo (PSDB)
Carlinhos Cachoeira nunca se arriscou como candidato, mas sabe bem como se relacionar com o poder. É íntimo do homem forte da comunicação em Anápolis, Carlos Nogueira, o Butina, diretor do Canal 5 e do jornal "Estado de Goiás", que ignoram completamente o escândalo nacional. Tido pela Polícia Federal como um de seus laranjas, Butina também controla a verba publicitária do governo Perillo em Anápolis, e recebe quase R$ 13 mil por mês, desde 2009, para transmitir ao vivo as sessões da Câmara. Há 19 anos essa empresa é minha. Está tudo documentado - disse
Na Câmara de Vereadores, emerge a impressão de que tudo - o escândalo, as prisões, a exposição de Anápolis - não passa de uma grande fantasia.Na Câmara,o assunto sequer foi mencionado. Mas ninguém ousa mentir que desconhece um dos mais proeminentes filhos da cidade.
Os Cachoeira puseram o sobrinho de Carlinhos na Câmara. Fernando Cunha Neto (PSDB), filho da irmã do bicheiro, que, aos 30 anos, já se lança pré-candidato à prefeitura de Anápolis.
Na vida privada, Cachoeira conquistou importantes amizades na elite com a paixão pelo futebol. Sua habilidade como meia-esquerda, hoje apagada por causa dos 49 anos de idade, o fez construir na chácara de 81 hectares, que recebia políticos e empresários de todas as matizes, cinco campos de futebol soçaite, onde vereadores e deputados, eleitos por Anápolis e Goiânia, se esbaldavam.
O vereador Wesley Silva (PMDB) era um deles. Assíduo nas peladas, sempre aos sábados, Silva diz que é amigo do peito do contraventor e faz questão de ressaltar as qualidades futebolísticas de Cachoeira, agora trancafiado no presídio federal de segurança máxima de Mossoró (RN).
- Aqui, o povo fala mal dos políticos, mas não do Carlinhos - diz o vereador.
Quarenta e três dias depois da prisão de Cachoeira, a chácara perdeu o brilho. Ficou quase um mês vazia. A pelada retomou, timidamente, na último sábado. Mas sem o ilustre jogador, ex-craque do futsal e profissional da conversa miúda, das "maquininhas" e do videopôquer, que joga com desenvoltura no laptop. O berço da dinastia da contravenção no Centro-Oeste já não é mais o mesmo. Pelo menos, por enquanto.
2 Comentários:
Será interessante observar, neste novo Brasil, como votarão os goianos depois dessa avalanche de escandalos vindos a tona. Mesmo que a a imprensa dominada pelos cachoeiristas silencie sobre o episódio, certamente a população terá acesso as notícias a respeito em outros meios de comunicação. Faço votos de que a lucidez comece a guiar as mentes daquele povo.
Sou araxaense e tenho de admitir o fato. Infelizmente é isto que acontece. Mas o resultado pode mudar e a população se convencer que certos políticos que se gabam de bonsinhos engravatados não correspondem o que aparetam ser.
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