Geralmente é difícil discordar do que escreve o Miguel do Rosário em seu blog. Mas dessa vez acho que seu post "Em defesa do Rafinha Bastos" rende um bom debate.
Para situar, se é que alguém ainda não esteja sabendo, Rafinha Bastos é aquele humorista do programa de TV CQC, afastado provisoriamente por ter reincidido em piadas infelizes sobre estupro.
Não concordo com o Miguel, em minimizar a ação do indivíduo Rafinha, e direcionar as críticas apenas para as empresas de mídia.
Por esse caminho, para dar um exemplo extremo, teríamos que relevar a ação do torturador que, no final das contas, é apenas um indivíduo, e só condenar as ditaduras ou a instituição policial (no caso de torturas em delegacias).
Da mesma forma, Rafinha tem o bônus de ganhar grana e fama no lucrativo filão de mercado do humor politicamente incorreto, e não há porque não ter o ônus de receber críticas, ou mesmo perder grana, se enveredar pelo caminho da "tortura" do humor e do telespectador.
Quem faz piadas em meios de comunicação de massa, recebe críticas em massa. Isso não é linchamento. Faz parte da profissão dele. Médicos, advogados, jornalistas tem seus códigos de ética a seguir (ainda que muitos não sigam). Por que humoristas, sobretudo de TV, também não devem seguir pelo menos o código de ética informal subentendido na sociedade, para se abster de ferir a dignidade humana do ouvinte?
Miguel citou como exemplo, quem nunca ouviu piadas bobas de leprosos? Eu também já ouvi, mas jamais em frente de alguém que sofra com a hanseníase. As próprias piadas sobre estupro do Rafinha eu já ouvi (em versão mais genérica e menos ofensiva), mas em grupo restrito de colegas de trabalho, sem que tivessem potenciais vítimas ouvindo. Na TV atinge a todos.
Uma piada machista contada no meio de um bando de homens após a pelada de futebol pode não ofender ninguém. Na TV, onde do outro lado da tela existem mulheres que já foram vítimas do que há de pior, desde violência doméstica, discriminação no trabalho, assédio sexual, opressão, até estupro, etc, pode até beirar a tortura psicológica, conforme a dose de mau gosto.
O politicamente incorreto é menos o que se diz, do que onde se diz e a quem se diz. E nem é novidade, coisa dos "tempos atuais". "Antigamente" chamavam isso de falta de bom-senso ou de gafe.
Também não dá para concordar que a blogosfera julga, condena e executa a pena, neste caso, como a mídia grande. Acho que o humorista desafia os outros para um duelo de idéias, quando os chama de "ditadores do politicamente correto" (direta ou indiretamente), em vez de admitir o que nós achamos ser falta de noção de bom-senso. É um duelo onde ele mesmo desafiou e escolheu suas armas, e ambos os lados estão em condições de igualdade: tem suas idéias, seus argumentos e seus espaços nas redes sociais. Na mídia grande, só um lado tem as armas escolhida pelo desafiante, a ponto do dono da mídia atirar pelas costas e censurar direito de resposta ao ferido.
Miguel vê perigo em colar na esquerda a etiqueta de pseudo-moralista e inimiga da liberdade de expressão se... exercer sua liberdade de expressão!
Mas então a esquerda (ou quem quer seja) tem que fugir de debates e abrir mão de sua liberdade de expressão? E mesmo quem tenha opiniões de fato moralistas não pode exercer seu direito de liberdade de expressão? Acho que Miguel não foi feliz neste argumento.
Quanto ao resto, concordo com quase tudo o que ele disse. Também acho que a blogosfera teria êxitos mais rápidos e consistentes do que já tem se confiasse mais no próprio taco e investisse mais em si, partindo da guerrilha de informação para a conquista da espaços maiores e profissionalização, do que apostar a maioria das fichas numa suposta "terra prometida" da "Ley do Médios" (que é necessária e boa, mas não é tudo aquilo que ouço as pessoas dizerem). A mídia grande também se adapta e sobrevive às leis. Na Argentina, o Clarín pode ter sofrido baixas, mas continua hegemônico. Enquanto alguém não ocupar o espaço que ele ocupa, continuará dominando. A blogosfera deve ocupar espaços que se abrem com a massificação da internet no Brasil, ou quem irá ser hegemônico sempre serão os portais das velhas famílias Marinho, Frias, Mesquita, Civita, Murdoch e suas ramificações.
Já quanto a TV Brasil, foi uma dura conquista. Se dependesse da oposição não sairia, e o governo tucano de São Paulo faz seu "contraponto" neoliberal, esvaziando a sua TV Cultura. Como tudo na democracia, onde tudo passa por debates, os resultados da TV Brasil andam mais devagar do que gostaríamos.
Também acho que o jornalismo poderia inovar mais, ir além do inovador Outro Olhar, e funcionar melhor contra o mau jornalismo do PIG (Partido da Imprensa Golpista). Mas tem coisas boas, como produção de documentários que podem não dar grande audiência hoje, mas são obras que ficam para sempre. E tem a veiculação de produções independentes, como o DocTV. A TV não passa apenas filmes brasileiros, tem passado muitos filmes latino-americanos também. Independente de audiência, acho que deve privilegiar sim os filmes brasileiros e latino-americanos. A função da TV exibir filmes é, sobretudo, mostrar e fomentar a cultura nacional (e latino-americana com quem temos raízes e identidade). Por não ser uma TV comercial, oferece opção aos brasileiros de poderem ver filmes nacionais que não são "blockbuster". Lembre-se que fora das capitais, muitos filmes sequer chegam, nem nas salas de projeção, nem nas vídeo-locadoras, nem na TV comercial (que costuma passar filmes brasileiros só de sucesso). Então a TV Brasil preenche uma lacuna importante.
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4 Comentários:
Oi Zé, a liberdade de expressão de criticar Rafinha é sagrada, eu mesmo fiz isso em meu post em que o defendo. Eu me refiro ao clima de ódio e linchamento. E acho exagero confundir piadas de humor negro, piadas trash, com "tortura psicológica". Ou mesmo associar Rafinha com um torturador, como você faz no post. A liberdade de expressão só faz sentido se formos tolerantes com o que não concordamos, e isso inclui piadas de humor negro. Sobre se pode exibir isso na tv, é outra história, então a culpa deve recair no dono da emissora ou na legislação, que permite isso, não no humorista, que em última instância tem obrigação de testar a sua liberdade de expressão até os últimos limites. Outros programas de humor trazem piadas bastantes pesadas envolvendo pobres, homossexuais e até nordestinos. Tudo isso faz parte de um processo de depuração cultural, catarse, num ritual em que é impossível não haver erros, injustiças, etc. Façam-se correntes contra a BAND, ou contra a legislação, repito. Não contra um jovem humorista, um cara que não é nenhum intelectual com grandes conhecimentos da Constituição nem de teorias filosóficas sobre os limites da liberdade de expressão, moral, etc. Eu sou contra, por princípio, a qualquer tipo de perseguição a indivíduos. Isso é linchamento, não é duelo. Sou contra perseguir inclusive assassinos. Deve-se defender exclusivamente o cumprimento da justiça, não ficar xingando o cara e fazendo posts inquisitoriais associando um humorista a tudo de mal que existe na sociedade. Isso não vai dar certo.
Nossa José Augusto, você está inpiradíssimo nesse post. Concordo com tudo que escreveu. Parabéns!
Abraço,
Maria José
Eu não chamaria o Bastos de humorísta. Um humorísta, penso, tem que ser uma pessoa engraçada, como um pré requisito, e o Bastos é apenas um sujeito rancoroso, de classe social, de gênero e de raça e, ainda, distorce o que seria o 'politicamente incorreto', que não tem nada diretamente a ver com discriminação ou a falta absoluta de ética que propaga. O recuo do Tass do do programa cqc é o recuo da covardia, apenas. A TV Brasil, no geral, é ótima e produz um excelente noticiário com o Repórter Brasil, haveria espaço ali pra ampliar esse tipo de debate?
Não esperava, que o CQC que eu assistia, viria a se tornar uma imbecilidade, um outro Pânico na TV. Rafinha, bestinha, Gentile, imbecile, o melhor deles é o Corez, é o mais inteligente.
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