O Jockey de São Paulo não paga IPTU e a Viúva pode ter que desembolsar R$ 120 milhões
ENQUANTO o governador José Serra pede políticas efetivas do governo federal para proteger os empregos dos bípedes, o grãotucano Clóvis Carvalho, secretário de Governo da Prefeitura de São Paulo, batalha por uma proposta de defesa dos quadrúpedes. Ele sugere que a cidade desaproprie o Jockey Clube, o que poderá resultar num desembolso de até R$ 120 milhões.
As relações do Jockey com o erário paulistano são uma aula de antropologia social. Desde a tarde de 29 de outubro de 1876, quando o cavalo "Macaco" derrotou "Republicano" no páreo de inauguração do prado, a Viúva sofre nas mãos de suas ilustres diretorias. O Jockey nunca pagou um só ceitil de imposto territorial. Em 1941, quando se transferiu para uma franja da cidade (doada por uma empresa privada), carregou consigo uma virtual imunidade em relação a esse tributo. Hoje os 600 mil m2 do Jockey estão numa das áreas mais valorizadas da cidade.
Em 1957, a prefeitura tentou cobrar o que atualmente é o IPTU, mas perdeu na Justiça. Só em 1969 esse direito lhe foi reconhecido, esquecendo-se do passado. Os doutores do Jockey não gostaram e desde então correm contra a Viúva nos tribunais. Hoje a conta está em R$ 163 milhões, acumulados em mais de uma dezena de processos de execução fiscal. O primeiro deles completou 20 anos de tramitação. Houve uma época em que o clube caloteava também contas de luz, água e dívidas junto a bancos. Recentemente sua contabilidade foi saneada, mas o espeto tributário continua lá, com mais uns R$ 10 milhões devidos de ISS.
Um trabalhador que deixasse de pagar seu IPTU por 20 anos ficaria sem a casa, mas nesta vida há os cavalgados e os cavalcantis. A gracinha da ideia de desapropriar o Jockey está na transformação de um calote em desembolso. Se a prefeitura não fizer nada, a dívida crescerá e, algum dia, o Jockey irá à bancarrota. Nesse caso o imóvel virá sem desembolso para a Viúva. Desapropriando-o, a prefeitura deverá pagar um valor pela propriedade, estimado hoje em R$ 300 milhões por baixo. Como será credora de algo como R$ 180 milhões, devolverá ao clube R$ 120 milhões tirados da caixa dos impostos pagos pela choldra. Tudo isso em nome da criação de um grande parque numa região de acesso relativamente difícil para pedestres. Ali perto fica um shopping onde só se entra de carro.
Uma área 2,5 vezes maior que a do Jockey, onde está o autódromo de Interlagos, é hoje controlada pela privataria de uma comandita de interesses ocasionais. Não existe projeto para se criar um parque ali. Afinal, em volta de Interlagos vivem contribuintes do andar de baixo e concessionários do andar de cima. Os R$ 120 milhões de um eventual desembolso para o Jockey transformariam Interlagos no maior parque urbano do país, sem prejuízo do Grande Prêmio de F-1.
Com 1,5 milhão m2, é um pouco maior que o aterro do Flamengo. A Prefeitura de São Paulo padece da falta de visionários como Carlos Lacerda e Lota Macedo Soares, os criadores do parque carioca.
O Jockey já negociou o parcelamento da dívida do IPTU, mas não honrou o compromisso. Se a diretoria do clube fizesse isso no mundo das apostas, de onde tira boa parte de sua receita, São Paulo assistiria ao maior funeral coletivo de sua história. Pelo mundo afora os Jockeys são monumentos glorificadores das elites das cidades. Em São Paulo, o prado simboliza também o seu horror a pagar impostos.
Pena, porque se os doutores forem aos arquivos do clube, verão que a ata de sua fundação foi redigida por Antonio da Silva Prado, o "Antonico", dono do cavalo "Peri". Ele dizia que não gostava da ideia de se ensinar às mulheres do campo as artes de "ler, escrever e contar" mas foi um dos maiores prefeitos da cidade, governando-a de 1889 a 1911.
Silva Prado teve dinheiro, café e poder. A riqueza de sua família fez-se na primeira metade do século 19, amealhada pelo avô homônimo, que se tornaria barão de Iguape. Ele começou a ganhar dinheiro arrecadando impostos sobre a circulação de quadrúpedes na região de Sorocaba. (Por Elio Gaspari)
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