HÁ O RISCO de aparecer uma liminar tóxica no caminho do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes. Sábado a Corte entra em férias e até o dia 31 de janeiro ele responderá aos pedidos de liminares. (Tecnicamente, poderá transferir alguns plantões ao ministro Cezar Peluso.) Qualquer liminar concedida durante o recesso deverá ser submetida ao referendo dos outros dez ministros a partir de fevereiro. Essa foi a tramitação do habeas corpus pedido pelo banqueiro Daniel Dantas. A Polícia Federal prendeu-o em julho, ele bateu à porta do STF e Gilmar Mendes mandou soltá-lo. Em novembro o tribunal pleno confirmou a decisão do ministro.
É possível que durante o recesso chegue ao Supremo um pedido de liminar numa Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, ou ADPF, contra uma jurisprudência firmada pelo Superior Tribunal de Justiça em 2000. Ela estabeleceu que a banca precisa devolver uma tunga aplicada em janeiro de 1989 no bolso dos depositantes de cadernetas de poupança. A coisa funcionou assim: tentando conter a inflação de 50% ao mês, o governo trocou a índice de remuneração da poupança de fevereiro. Saiu o Índice Nacional de Preços ao Consumidor, que determinava uma remuneração de 41,72%, e entrou a Letra Financeira do Tesouro, que pagava 22,35%. Morderam 20% do rendimento.
Desde 1989 as vítimas do chamado "Plano Verão" tentam receber de volta seu dinheiro. O bancos dizem que não devem reembolsar os correntistas porque simplesmente cumpriram o que o governo determinou. Entidades de defesa da patuléia sustentam que a banca deve o que embolsou. Esse foi o entendimento de todos os tribunais que julgaram a questão nos últimos anos. Prevaleceu o argumento segundo o qual os bancos foram beneficiados pela tunga e continuaram rodando o dinheiro na ciranda financeira que só acabaria em 1994, com o Plano Real. Quem tinha 1.000 novos cruzados na poupança em 1989 teve seu ressarcimento fixado, na média, em R$ 610.
A banca diz que a devolução custará R$ 100 bilhões aos seus cofres. (Metade desse dinheiro teria que ser desembolsado pelos bancos oficiais.) Outra conta, feita por Roberto Luís Troster, ex-economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos, a Febraban, fixa o valor em R$ 29 bilhões, que não seriam sacados simultaneamente. Só há um jeito de não devolver o dinheiro. Trata-se de sacar uma ADPF, com um pedido de liminar. Concedida, ela sustaria todos os processos e todas as devoluções.
A banca teve nove anos para recorrer a esse mecanismo. Fazendo-o amanhã, ou até sexta-feira, com o Supremo aberto, o pleito será distribuído, num regime de rodízio, a qualquer um de seus dez ministros. (O presidente da Corte fica fora desse mecanismo.) Fazendo-o na próxima segunda-feira, com o tribunal em férias, aquilo que era um plenário com 11 cabeças e 11 sentenças passa a ser um plantão com uma só cabeça, a de Gilmar Mendes. Como a banca nunca teve pressa, o pedido da liminar durante o recesso indica uma intenção de contornar o rodízio. No caso de Daniel Dantas, por exemplo, o habeas corpus foi pedido durante as férias porque ele acabara de ser preso.
Uma liminar concedida (ou negada) pelo presidente do STF tende a ser confirmada pelo plenário. Em qualquer caso, o julgamento do mérito da ADPF, encerrando definitivamente a questão, pode levar alguns anos. Não é elegante que os advogados da banca se deixem confundir com litigantes de boa pontaria. Colocam o presidente do Supremo numa situação delicada. Se ele concede a liminar, porque entende que esse é o direito, permite uma maledicência segundo a qual a banca foi ao tribunal durante o recesso porque esperava esse resultado. Até aí, é o jogo jogado, pois Mendes terá votado de acordo com suas convicções. Apesar disso, não haverá força no universo capaz de desmentir que os bancos usaram um artifício que alterou o cálculo das probabilidades e, ao final, viram-se atendidos. (Da coluna do coleguinha Elio Gaspari)
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