"O criminoso também tem direitos fundamentais", ensina a frase de Gilmar Mendes transformada em preâmbulo da Lei de Dantas, concebida pelo Supremo Tribunal Federal num ritmo de assustar velocista jamaicano. "Bandido é gente como a gente", poderia ter sido mais claro o time de 11 ministros. Mas gente de toga não fala língua de gente. Além do mais, os presídios acharam justo eternizar no preâmbulo um dos mantras favoritos do presidente. Faz sentido: ninguém foi mais destemido que Mendes nos trabalhos de parto da mais recente contribuição do Brasil ao mundo jurídico.
A homenagem ao ministro é tão merecida quanto a prestada a Daniel Dantas pelo pai da idéia de batizar a criatura com o sobrenome do empresário que ficou conhecido como case de sucesso e virou celebridade como caso de polícia. Daqui por diante, todos lembrarão que a gestação dos dois artigos que compõem a Lei de Dantas começou na segunda semana de julho, quando foram engaiolados pela Polícia Federal alguns figurões incorporados à quadrilha de especialistas em gatunagens financeiras liderada pelo dono do Opportunity.
O registro dos melhores momentos da Operação Satiagraha – Daniel Dantas apeando do camburão, Naji Nahas atarantado com a iminência do catre, Celso Pitta estremunhando de pijama ao som da voz de prisão – desenhou na face decente do país o sorriso tímido do torcedor de time pequeno depois do gol de honra que ao menos abranda a goleada. É o tipo da chance que não se deve perder: na pátria da impunidade, aparições de colunáveis algemados a caminho da prisão são tão raras e causam tanta incredulidade quanto as de Nossa Senhora no século 19. Às retinas seletivas de Mendes, as imagens chegaram pelo avesso.
Ele enxergou vilões onde havia mocinhos e vítimas onde havia bandidos. O Brasil honesto arregalou os olhos diante da roubalheira medonha. O ministro ficou atormentado só com "a espetacularização das prisões". Enquadrou o delegado, desautorizou juiz e soltou os vilões com tamanha ligeireza que hoje não se discute no Planalto Central quem é o habeas corpus mais rápido do condado.
Vitorioso no primeiro duelo, Mendes deduziu que ganharia todos os outros se o STF o presenteasse com um tresoitão jurídico. Assim começou a tomar forma a Lei de Dantas. No início de agosto, a turma da toga proibiu, por unanimidade, "a colocação indiscriminada de algemas em presos durante operações policiais". É inconstitucional, recitaram em coro os 11 togados.
"Algemas só devem ser usadas quando houver chance de fuga do preso ou risco à segurança deste e das outras pessoas", estabeleceu o artigo 1º da Lei de Dantas. Ao texto distribuído entre os encarregados de defender a lei e a ordem, os ministros anexaram uma lista, puxada pela Satiagraha, de operações policiais consideradas exemplarmente abusivas. E ameaçaram arquivar inquéritos, suspender processos ou anular julgamentos se o indiciado, o réu ou o condenado for injustamente algemado. Como Daniel Dantas.
Abstraídos os que sabem ler pensamentos, nenhum policial pode adivinhar o que vai pela mente criminosa. Como descobrir se o preso está planejando a fuga ou orando em silêncio? Como saber se quer mandar flores à mulher ou mandar bala no vizinho de cela? Na dúvida, a Lei de Dantas foi imediatamente estendida a punguistas e banqueiros, assassinos psicopatas e empresários ladrões, estelionatários sem ou com imunidade parlamentar; todos. Até mesmo a titulares absolutos da seleção brasileira de bandidagem, caso de Fernandinho Beira-Mar.
"Este sorriso foi patrocinado pelo Supremo Tribunal Federal", deveriam informar as legendas das fotos que mostram o craque na audiência realizada nesta segunda-feira pelo 3º Tribunal do Júri do Rio. Beira-Mar acompanhou sempre sorridente os depoimentos, gaguejados por testemunhas de acusação pálidas de medo, sobre barbaridades protagonizadas pelo bandido há cinco anos. Numa delas, Beira-Mar monitora pelo telefone grampeado a mutilação de um inimigo.
O artigo 2º da Lei de Dantas é o que declarou inconstitucional a escuta telefônica abusiva. Beira-Mar vai usar o celular com mais liberdade. Também por isso estava tão risonho na tarde de segunda-feira. Também por isso parecia feliz como um pinto no lixo. -Augusto Nunes
A homenagem ao ministro é tão merecida quanto a prestada a Daniel Dantas pelo pai da idéia de batizar a criatura com o sobrenome do empresário que ficou conhecido como case de sucesso e virou celebridade como caso de polícia. Daqui por diante, todos lembrarão que a gestação dos dois artigos que compõem a Lei de Dantas começou na segunda semana de julho, quando foram engaiolados pela Polícia Federal alguns figurões incorporados à quadrilha de especialistas em gatunagens financeiras liderada pelo dono do Opportunity.
O registro dos melhores momentos da Operação Satiagraha – Daniel Dantas apeando do camburão, Naji Nahas atarantado com a iminência do catre, Celso Pitta estremunhando de pijama ao som da voz de prisão – desenhou na face decente do país o sorriso tímido do torcedor de time pequeno depois do gol de honra que ao menos abranda a goleada. É o tipo da chance que não se deve perder: na pátria da impunidade, aparições de colunáveis algemados a caminho da prisão são tão raras e causam tanta incredulidade quanto as de Nossa Senhora no século 19. Às retinas seletivas de Mendes, as imagens chegaram pelo avesso.
Ele enxergou vilões onde havia mocinhos e vítimas onde havia bandidos. O Brasil honesto arregalou os olhos diante da roubalheira medonha. O ministro ficou atormentado só com "a espetacularização das prisões". Enquadrou o delegado, desautorizou juiz e soltou os vilões com tamanha ligeireza que hoje não se discute no Planalto Central quem é o habeas corpus mais rápido do condado.
Vitorioso no primeiro duelo, Mendes deduziu que ganharia todos os outros se o STF o presenteasse com um tresoitão jurídico. Assim começou a tomar forma a Lei de Dantas. No início de agosto, a turma da toga proibiu, por unanimidade, "a colocação indiscriminada de algemas em presos durante operações policiais". É inconstitucional, recitaram em coro os 11 togados.
"Algemas só devem ser usadas quando houver chance de fuga do preso ou risco à segurança deste e das outras pessoas", estabeleceu o artigo 1º da Lei de Dantas. Ao texto distribuído entre os encarregados de defender a lei e a ordem, os ministros anexaram uma lista, puxada pela Satiagraha, de operações policiais consideradas exemplarmente abusivas. E ameaçaram arquivar inquéritos, suspender processos ou anular julgamentos se o indiciado, o réu ou o condenado for injustamente algemado. Como Daniel Dantas.
Abstraídos os que sabem ler pensamentos, nenhum policial pode adivinhar o que vai pela mente criminosa. Como descobrir se o preso está planejando a fuga ou orando em silêncio? Como saber se quer mandar flores à mulher ou mandar bala no vizinho de cela? Na dúvida, a Lei de Dantas foi imediatamente estendida a punguistas e banqueiros, assassinos psicopatas e empresários ladrões, estelionatários sem ou com imunidade parlamentar; todos. Até mesmo a titulares absolutos da seleção brasileira de bandidagem, caso de Fernandinho Beira-Mar.
"Este sorriso foi patrocinado pelo Supremo Tribunal Federal", deveriam informar as legendas das fotos que mostram o craque na audiência realizada nesta segunda-feira pelo 3º Tribunal do Júri do Rio. Beira-Mar acompanhou sempre sorridente os depoimentos, gaguejados por testemunhas de acusação pálidas de medo, sobre barbaridades protagonizadas pelo bandido há cinco anos. Numa delas, Beira-Mar monitora pelo telefone grampeado a mutilação de um inimigo.
O artigo 2º da Lei de Dantas é o que declarou inconstitucional a escuta telefônica abusiva. Beira-Mar vai usar o celular com mais liberdade. Também por isso estava tão risonho na tarde de segunda-feira. Também por isso parecia feliz como um pinto no lixo. -Augusto Nunes
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