"Experimenta colocar "Paulo Zottolo" mais "cansei" no Google. Nunca fui tão xingado na minha vida. As pessoas ofendem muito facilmente sem a menor base. Saem chutando. Tem sites que dizem que sou homossexual, outros que a Philips está querendo fazer como a ATT na derrubada do Allende, no Chile". Desde que publicou o anúncio de meia página em cinco jornais do país, ao custo de R$ 70 mil para a empresa, o presidente da Philips para a América Latina, Paulo Zottolo, caiu na boca do povo.
"Já disseram que estou sendo mandado embora e que o presidente da República exigiu ao embaixador da Holanda minha cabeça". É rápido ao ser indagado se houve pressão. "Promoção", responde, sacando prontamente uma carta do integrante do conselho de administração da matriz, responsável pelas subsidiárias, Gottfried H. Dutiné, datada de 14 de agosto. Nela, a multinacional adiciona ao seu cargo o título de vice-presidente executivo da Royal Philips Electronics. A promoção não muda suas atribuições na empresa.
Antes da carta, a área de comunicação corporativa da multinacional, na Holanda, havia soltado o seguinte comunicado oficial: "A Royal Philips Electronics informa que suas subsidiárias têm autonomia para gerenciar e responder por eventos locais".
De capital fechado no Brasil, a empresa tem ações negociadas em bolsa na Holanda. Zottolo não vê conflito no interesse público da empresa com suas convicções privadas. Ele estará amanhã no ato que o movimento convocou para a praça da Sé, centro da cidade. Mas diz que, se o movimento for partidarizado - e ele acredita que acabará sendo - vai tirar a Philips da jogada, apesar de manter seu apoio pessoal à causa.
A Philips guarda uma extensa pauta de interesses a ser tratada com o governo federal. No dia seguinte ao acidente da TAM, o executivo tinha uma audiência marcada com a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Na véspera, acamada por uma gripe forte, Dilma mandou cancelar a agenda do dia seguinte. "Tinha ficado para o dia 14 ou 15 (de agosto), mas não recebi mais notícias". Na audiência, Zottolo pretendia discutir com a ministra três pontos.
O primeiro item da agenda seria a instalação de uma nova fábrica da empresa no país para a produzir lâmpadas fluorescentes num amplo programa nacional de substituição das unidades incandescentes - um projeto que, avalia, poderia trazer uma economia de 30% no consumo de energia no país e evitar o anunciado apagão no setor.
O segundo era a fabricação do conversor para a captação do sinal digital de televisão: "O governo diz que vai custar R$ 150, mas, na verdade, não vai sair por menos de R$ 800 a R$ 1 mil". diz Zotollo
O terceiro ponto da audiência com a ministra era a fabricação de um fogareiro que não emite fumaça e foi desenvolvido pela Philips na Índia para ser usado por famílias carentes que ainda cozinham com fogão a lenha. Ele levanta-se e tira da caixa o produto: "Era para mostrar à ministra. Agora ela não quer mais".
O produto seria mais uma demonstração do engajamento social da empresa: "Seria vendido por uns quatro ou cinco dólares. Não queríamos fazer isso para ganhar dinheiro".
Zottolo reconhece que a recusa do governo brasileiro em adotar o padrão europeu de TV digital desgastou a relação com a Philips - "Mas isso é uma página virada". O engajamento da empresa no "Cansei" iniciou um novo capítulo da relação da Philips com o governo. Ao movimento, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva respondeu com o não-há-quem-ponha-mais gente-na-rua-do-que-eu.
Zottolo nunca votou em Lula - do PT, apenas o senador Eduardo Suplicy já mereceu seu voto - mas divide com o presidente as mesmas metáforas. Para dizer que o momento político exige que oposição e governo se unam em torno de objetivos comuns, apela ao casamento - "Se você quebra o pau com seu marido por pontos de vista completamente diferentes sobre um assunto, ou porque você gosta de sushi e ele de comida italiana, ou você gosta de novela e ele de filme de terror, vocês não vão se separar. Por quê? Porque existe o amor. E o nosso amor tem que ser o Brasil".
Compara a adesão ao "Cansei" a outros movimentos civis nos quais a Philips já se engajou, como o voto consciente e os programas que buscam atrair o setor privado a investir na educação pública. Mas reconhece que o momento em que o "Cansei" foi lançado - quando Lula era tido como o culpado número 1 do acidente da TAM - facilitou a apropriação política do movimento. "Qualquer ação para ter impacto parte do coração. Você pede alguém em casamento no auge da paixão. Não tinha como lançar um movimento desses no dia seguinte à conquista do pentacampeonato da Copa do Mundo pelo Brasil".
Tem muita gente que é contra o movimento e vai deixar de comprar produto Philips, mas isso é secundário"
Assim como o presidente, acha que a política e o futebol têm tudo a ver. Critica quem vê o "Cansei" com reservas porque tem a adesão do empresário João Dória Jr, um dos arregimentadores de apoio empresarial à campanha presidencial do ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. "É o mesmo de se recusar a torcer pela seleção brasileira porque tem um jogador do Corinthians". Como Lula, também acha que o melhor do Brasil é o brasileiro. "Não há quem não se emocione ao ouvir o hino nacional e pense nas pessoas sofridas desse país. Acredito no patriotismo".
Zottolo diz que quer remexer no que chama de "marasmo cívico" do país, que o estaria levando a se transformar num "Piauí": "Não se pode achar que o país é um Piauí, no sentido de tanto faz quanto tanto fez. Se o Piauí deixar de existir ninguém vai ficar chateado. Estamos vivendo uma calamidade, não uma tragédia".
O presidente da Philips está agora preocupado em preservar sua liberdade de opinião e em despartidarizar o movimento: "Eu cansei, na verdade, dos partidos de oposição. Se tenho oito milhões de razões para estar contra o PT, tenho outras dez milhões contra o PSDB. É um partido que não se entende. A oposição é ridícula, destrutiva. Cada um fala o que quer e o partido age como um bloqueador de projetos no Congresso Nacional. É um absurdo que a reforma tributária não saia porque os governadores não querem. Não podemos nos conformar em ficar crescendo 4,5% ao ano e distribuindo o Bolsa Família. O Brasil quer mais. E precisamos de reformas para isso".
Avalia que o governo, com a reação ao movimento, está perdendo a oportunidade de engajar seu grupo na pressão sobre a oposição pela união nacional.
Ao longo desses 20 dias em que o executivo envolveu-se publicamente na polêmica, não conseguiu que outras empresas de grande porte seguissem o caminho da Philips e surpreendeu-se com o medo que as pessoas de seu meio têm de se posicionar. "Alguns disseram para mim: "Paulo, você é muito inocente". Respondi: "Sou. Precisamos de 25 anos para derrubar uma ditadura e conseguir liberdade. Tudo isso para agora as pessoas terem medo do governo?""
Na carta que enviou ontem a amigos, convocando para o ato da praça da Sé, reconhece que o engajamento da Philips é inédito. "Alguns empresários me dizem: "Paulo, você é muito corajoso. Admiro sua coragem de se expor desse jeito". Mas coragem de quê? Se expor a quê? O que queremos é reposicionar o papel das empresas no debate nacional".
O executivo diz que não se arrependerá do seu engajamento mesmo se a audiência com a ministra não for remarcada. E diz não temer represálias. "Seria um absurdo temer represália do governo por iniciativas que a empresa tomou apenas querendo ajudar o país. O que é que o governo pode fazer? Devassa fiscal, me dizem. Mas nem as empresas podem ter medo de devassa nem o governo pode usar isso como instrumento de pressão".
No cargo há quatro meses, depois de uma carreira na Nivea marcada pela ênfase nas estratégias de marketing, Zottolo chegou à Philips com o desafio de alavancar a marca da empresa seguindo as mesmas diretrizes mundiais do grupo. Líder em televisores no Brasil, a Philips vem enfrentando uma concorrência cada vez mais acirrada das coreanas LG e Samsung.
Sentado à mesa da antesala de seu escritório, na zona sul de São Paulo, na tarde de ontem, com as mangas arregaçadas de sua camisa branca, sem gravata, Zottolo já viu as ameaças de boicote aos produtos da Philips que circulam na internet, mas não acusa preocupação. "Tem muita gente que é contra e que vai deixar de comprar produto Philips, mas isso é secundário. Qual é a minha função aqui? Maximizar lucro. Não mais. A empresa deve gerar lucro e ser socialmente responsável".
Zottolo não teme que a empresa fique marcada pelo anti-lulismo: "É uma noção do papel das empresas que está sendo colocada pela primeira vez no Brasil. A noção predominante na década de 1970, de explorar o proletariado para dar lucro ao capitalista não vale mais. A nova geração tem responsabilidade social. E a Philips, que está há 83 anos no Brasil, não pode ser acusada de querer mal ao país".
Ainda que não se contabilizem adesões de seus pares ao movimento, Zottolo tem a convicção de que está fazendo escola no país. (Valor Econômico)
"Já disseram que estou sendo mandado embora e que o presidente da República exigiu ao embaixador da Holanda minha cabeça". É rápido ao ser indagado se houve pressão. "Promoção", responde, sacando prontamente uma carta do integrante do conselho de administração da matriz, responsável pelas subsidiárias, Gottfried H. Dutiné, datada de 14 de agosto. Nela, a multinacional adiciona ao seu cargo o título de vice-presidente executivo da Royal Philips Electronics. A promoção não muda suas atribuições na empresa.
Antes da carta, a área de comunicação corporativa da multinacional, na Holanda, havia soltado o seguinte comunicado oficial: "A Royal Philips Electronics informa que suas subsidiárias têm autonomia para gerenciar e responder por eventos locais".
De capital fechado no Brasil, a empresa tem ações negociadas em bolsa na Holanda. Zottolo não vê conflito no interesse público da empresa com suas convicções privadas. Ele estará amanhã no ato que o movimento convocou para a praça da Sé, centro da cidade. Mas diz que, se o movimento for partidarizado - e ele acredita que acabará sendo - vai tirar a Philips da jogada, apesar de manter seu apoio pessoal à causa.
A Philips guarda uma extensa pauta de interesses a ser tratada com o governo federal. No dia seguinte ao acidente da TAM, o executivo tinha uma audiência marcada com a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Na véspera, acamada por uma gripe forte, Dilma mandou cancelar a agenda do dia seguinte. "Tinha ficado para o dia 14 ou 15 (de agosto), mas não recebi mais notícias". Na audiência, Zottolo pretendia discutir com a ministra três pontos.
O primeiro item da agenda seria a instalação de uma nova fábrica da empresa no país para a produzir lâmpadas fluorescentes num amplo programa nacional de substituição das unidades incandescentes - um projeto que, avalia, poderia trazer uma economia de 30% no consumo de energia no país e evitar o anunciado apagão no setor.
O segundo era a fabricação do conversor para a captação do sinal digital de televisão: "O governo diz que vai custar R$ 150, mas, na verdade, não vai sair por menos de R$ 800 a R$ 1 mil". diz Zotollo
O terceiro ponto da audiência com a ministra era a fabricação de um fogareiro que não emite fumaça e foi desenvolvido pela Philips na Índia para ser usado por famílias carentes que ainda cozinham com fogão a lenha. Ele levanta-se e tira da caixa o produto: "Era para mostrar à ministra. Agora ela não quer mais".
O produto seria mais uma demonstração do engajamento social da empresa: "Seria vendido por uns quatro ou cinco dólares. Não queríamos fazer isso para ganhar dinheiro".
Zottolo reconhece que a recusa do governo brasileiro em adotar o padrão europeu de TV digital desgastou a relação com a Philips - "Mas isso é uma página virada". O engajamento da empresa no "Cansei" iniciou um novo capítulo da relação da Philips com o governo. Ao movimento, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva respondeu com o não-há-quem-ponha-mais gente-na-rua-do-que-eu.
Zottolo nunca votou em Lula - do PT, apenas o senador Eduardo Suplicy já mereceu seu voto - mas divide com o presidente as mesmas metáforas. Para dizer que o momento político exige que oposição e governo se unam em torno de objetivos comuns, apela ao casamento - "Se você quebra o pau com seu marido por pontos de vista completamente diferentes sobre um assunto, ou porque você gosta de sushi e ele de comida italiana, ou você gosta de novela e ele de filme de terror, vocês não vão se separar. Por quê? Porque existe o amor. E o nosso amor tem que ser o Brasil".
Compara a adesão ao "Cansei" a outros movimentos civis nos quais a Philips já se engajou, como o voto consciente e os programas que buscam atrair o setor privado a investir na educação pública. Mas reconhece que o momento em que o "Cansei" foi lançado - quando Lula era tido como o culpado número 1 do acidente da TAM - facilitou a apropriação política do movimento. "Qualquer ação para ter impacto parte do coração. Você pede alguém em casamento no auge da paixão. Não tinha como lançar um movimento desses no dia seguinte à conquista do pentacampeonato da Copa do Mundo pelo Brasil".
Tem muita gente que é contra o movimento e vai deixar de comprar produto Philips, mas isso é secundário"
Assim como o presidente, acha que a política e o futebol têm tudo a ver. Critica quem vê o "Cansei" com reservas porque tem a adesão do empresário João Dória Jr, um dos arregimentadores de apoio empresarial à campanha presidencial do ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. "É o mesmo de se recusar a torcer pela seleção brasileira porque tem um jogador do Corinthians". Como Lula, também acha que o melhor do Brasil é o brasileiro. "Não há quem não se emocione ao ouvir o hino nacional e pense nas pessoas sofridas desse país. Acredito no patriotismo".
Zottolo diz que quer remexer no que chama de "marasmo cívico" do país, que o estaria levando a se transformar num "Piauí": "Não se pode achar que o país é um Piauí, no sentido de tanto faz quanto tanto fez. Se o Piauí deixar de existir ninguém vai ficar chateado. Estamos vivendo uma calamidade, não uma tragédia".
O presidente da Philips está agora preocupado em preservar sua liberdade de opinião e em despartidarizar o movimento: "Eu cansei, na verdade, dos partidos de oposição. Se tenho oito milhões de razões para estar contra o PT, tenho outras dez milhões contra o PSDB. É um partido que não se entende. A oposição é ridícula, destrutiva. Cada um fala o que quer e o partido age como um bloqueador de projetos no Congresso Nacional. É um absurdo que a reforma tributária não saia porque os governadores não querem. Não podemos nos conformar em ficar crescendo 4,5% ao ano e distribuindo o Bolsa Família. O Brasil quer mais. E precisamos de reformas para isso".
Avalia que o governo, com a reação ao movimento, está perdendo a oportunidade de engajar seu grupo na pressão sobre a oposição pela união nacional.
Ao longo desses 20 dias em que o executivo envolveu-se publicamente na polêmica, não conseguiu que outras empresas de grande porte seguissem o caminho da Philips e surpreendeu-se com o medo que as pessoas de seu meio têm de se posicionar. "Alguns disseram para mim: "Paulo, você é muito inocente". Respondi: "Sou. Precisamos de 25 anos para derrubar uma ditadura e conseguir liberdade. Tudo isso para agora as pessoas terem medo do governo?""
Na carta que enviou ontem a amigos, convocando para o ato da praça da Sé, reconhece que o engajamento da Philips é inédito. "Alguns empresários me dizem: "Paulo, você é muito corajoso. Admiro sua coragem de se expor desse jeito". Mas coragem de quê? Se expor a quê? O que queremos é reposicionar o papel das empresas no debate nacional".
O executivo diz que não se arrependerá do seu engajamento mesmo se a audiência com a ministra não for remarcada. E diz não temer represálias. "Seria um absurdo temer represália do governo por iniciativas que a empresa tomou apenas querendo ajudar o país. O que é que o governo pode fazer? Devassa fiscal, me dizem. Mas nem as empresas podem ter medo de devassa nem o governo pode usar isso como instrumento de pressão".
No cargo há quatro meses, depois de uma carreira na Nivea marcada pela ênfase nas estratégias de marketing, Zottolo chegou à Philips com o desafio de alavancar a marca da empresa seguindo as mesmas diretrizes mundiais do grupo. Líder em televisores no Brasil, a Philips vem enfrentando uma concorrência cada vez mais acirrada das coreanas LG e Samsung.
Sentado à mesa da antesala de seu escritório, na zona sul de São Paulo, na tarde de ontem, com as mangas arregaçadas de sua camisa branca, sem gravata, Zottolo já viu as ameaças de boicote aos produtos da Philips que circulam na internet, mas não acusa preocupação. "Tem muita gente que é contra e que vai deixar de comprar produto Philips, mas isso é secundário. Qual é a minha função aqui? Maximizar lucro. Não mais. A empresa deve gerar lucro e ser socialmente responsável".
Zottolo não teme que a empresa fique marcada pelo anti-lulismo: "É uma noção do papel das empresas que está sendo colocada pela primeira vez no Brasil. A noção predominante na década de 1970, de explorar o proletariado para dar lucro ao capitalista não vale mais. A nova geração tem responsabilidade social. E a Philips, que está há 83 anos no Brasil, não pode ser acusada de querer mal ao país".
Ainda que não se contabilizem adesões de seus pares ao movimento, Zottolo tem a convicção de que está fazendo escola no país. (Valor Econômico)
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