Mas a marcha de ontem não foi apenas um protesto clamando justiça, como se espera de um evento de enlutados por uma tragédia. Ela fez parte de uma operação midiática calculada e que pretende devolver o governo federal às cordas do ringue político. Não há nada de novo no formato do evento. Na operação midiática realizada contra o presidente venezuelano Hugo Chávez, da qual trato em detalhes em meu recente livro, Midiático Poder, as passeatas tiveram papel importantíssimo. Tanto que foi em meio a uma delas que a ação golpista tomou o Palácio de Miraflores, seqüestrando e encarcerando o presidente do país.
Dias depois desse primeiro golpe contra Chávez, estive em Caracas e fiz uma entrevista com o jornalista Clodovaldo Hernadez, editor de El Universal, o principal jornal de oposição do país. Ele de forma honesta, disse sem meio tom a respeito das marchas que “quando eram só alguns protestando, a mídia já apresentava essas manifestações com enorme destaque”
O que aconteceu ontem foi isso.
A mídia convocou durante toda a semana o evento. Divulgou local, hora e data e tentou até calibrar o mote. Seria algo como uma manifestação pacífica para lembrar as vítimas da TAM, mas ao mesmo tempo para protestar contra tudo de errado. Entenderam? Pois é, em geral, eles fazem assim. Jogam tudo num mesmo balaio, mas no fundo no fundo querem só uma coisa.
Por exemplo, se você não gosta de pagar imposto e acha o peso dos encargos sociais na folha de pagamento um absurdo, pode ir. Se o seu problema é o aumento do salário mínimo que fez sua empregada doméstica custar mais caro, também. Se considera um absurdo que o governo dê bolsa-família para “essa gente”, é bem-vindo. Se não gosta de deputados e políticos, a não ser aquele que lhe quebra todos os galhos, está quase se tornando um líder. Agora, se além de tudo isso você não suporta que um analfabeto como o Lula na presidente da República, aí você entendeu tudo.
Ou seja, o objetivo é retomar o controle do poder, que sempre esteve nas mãos da elite branca, má e perversa, para usar uma definição do ex-governador Cláudio Lembo. E mesmo com tudo isso a manifestação de ontem (que até já encontrou um negro com passado pobre para chamar de seu, o seu Jorge) foi um fiasco de público. Mas isso não quer dizer quase nada para a campanha midiática. Vejam, por exemplo, a capa de hoje da Folha de S. Paulo é um panfleto de campanha. Muito bem diagramado e pensado por sinal. A foto de destaque é da marcha, mesmo ontem tendo sido o dia do encerramento dos Jogos Pan-Americanos.
Mas se achar isso pouco, perca um pouco do seu tempo com a programação da TV Globo. É na emissora dos Marinhos e nos seu programas “despolitizados”, como despolitizada era a marcha de ontem, que os dentes do jacaré aparecem mais salientes. Em Malhação, Ana Maria Braga, Faustão etc. é possível perceber a feiúra do bicho. Ontem, por exemplo, Faustão não cansou de dizer que: apesar de tudo de ruim que está acontecendo no país, apesar de tanta corrupção e tanta desgraça, o esporte brasileiro tinha tido uma participação brilhante no Pan. Tinha mostrado que o Brasil pode ser diferente, pode ser melhor do que é e blá-blá-blá. Ou seja, apesar desse governo, o Brasil tem coisas boas, entenderam?
No editorial que encerrou o programa de Ana Maria Braga de hoje a coisa foi ainda mais escancarada. Ela falava de corrupção, de desmando, de falta de segurança, de crise aérea, de problema na saúde e educação e ao fundo apareciam imagens da manifestação que reuniu 800 pessoas em São Paulo. Claro que isso não é jornalismo ou qualquer outra coisa que se assemelhe a ele. É campanha que em princípio não creio seja para derrubar Lula na semana que vem. Mas que tem ao menos dois objetivos muito claros. O primeiro, amarrar o noticiário numa grande crise, para que o governo gaste suas energias enfrentando-a.
E como esse governo é exageradamente covarde para lidar com os barões da mídia, isso eles devem conseguir com certa facilidade. Em segundo lugar, estão começando o jogo das eleições municipais. Sabem que se não fizerem nada desde já, os partidos que os representam serão escurraçados nas urnas. Sendo que um deles, o dos demos, pode se tornar um nanico já em 2008. Mas e se as marchas crescerem? Bem, nesse caso, como ocorreu na Venezuela, aqueles que as estão incentivando podem ficar mais ousados. E tentarem aquilo que tentaram lá. E que quase chegaram a tentar aqui em 2006. Na ocasião, só não o fizeram, porque as marchas não ficaram grandes. Mas não se deve subestimá-las.
Renato Rovai
0 Comentários:
Postar um comentário
Meus queridos e minhas queridas leitoras
Não publicamos comentários anônimos
Obrigada pela colaboração