Se até uma prestigiosa instituição financeira de Wall Street, o Morgan Stanley, esperava a queda da Selic de 13,25% ao ano para 12,75% — conforme bem fundamentada argumentação de seu economista-chefe para a América Latina, Gray Newman, distribuída na terça-feira —, foi muito estranho a diretoria do Banco Central frustrar as expectativas e baixar o ritmo de corte de 0,5 ponto percentual, que vinha seguindo, para o quase simbólico 0,25.
Aí tem coisa e não parece decorrente da inflação, que está mansa e com as previsões para o ano inferiores à meta de 4,5%, igual à de 2006, embora tenha fechado muito abaixo disso, a 3,14% — razão pela qual retardou a recuperação cíclica da economia, como se vai constatar quando o IBGE divulgar, no fim de fevereiro, a primeira prévia da variação do PIB no ano passado. Mais uma vez o Comitê de Política Monetária, vulgo Copom, codinome da diretoria do BC, não mostrou uma decisão consensual, mas mudou a relação de forças.
Agora, cinco em oito diretores votaram pelo corte menor, de 0,25 ponto percentual. Na última reunião, em novembro, deu-se o oposto: três em cinco defenderam o corte mirrado, mas prevaleceu a redução de 0,5 ponto. Dois destes cinco foram na quarta-feira convencidos pelos colegas mais assustadiços. Por quê? Mistério.
O que não mudou foram as variáveis consideradas por eles antes de decidirem em votação o tamanho dos juros que remuneram as reservas bancárias e, desse modo, ao influenciar o custo do dinheiro que os bancos transacionam entre si e com a clientela, expandir ou não o volume do crédito — o mais poderoso instrumento para determinar a evolução da economia. Juro é o grande preço básico da economia.
Juros menores implicam mais crédito e, portanto, mais consumo, negócios e crescimento do PIB. Se houver desequilíbrio da produção não suprida por importações, dado o aumento do consumo, a lei da oferta e procura põe em cena a inflação para fazer o “equilíbrio”.
O BC age preventivamente contra tal risco por meio da Selic. A meta de inflação, que é definida pelo governo ao BC, é o aviso ao mercado sobre a tolerância aos reajustes de preços. Tem a lógica do limite de velocidade nas estradas. Parece científico e preciso, tanto que muitos advogam a independência do BC, a exemplo do que ocorre em vários países, para livrá-lo de pressões políticas.
É pecado grave ao BC, reverenciado como “autoridade monetária” em reconhecimento aos poderes excepcionais de que dispõe para fazer o que for necessário para defender o valor da moeda, envolver-se com política. Suas decisões têm de ser técnicas e transparentes. Só o limite de inflação é uma escolha política, assumida no Brasil, sob o aval do presidente da República, por um colegiado composto pelos ministros da Fazenda e do Planejamento e o presidente do BC, cuja presença neste fórum constitui um equívoco que pede correção.
Motivações políticas
Este arrazoado didático se faz necessário porque parece que o BC votou motivado por considerações políticas, fruto do receio de que a orquestração pró-crescimento que o governo tenta criar com o PAC pudesse sugerir submissão de sua autonomia informal, se cortasse a Selic em 0,5 ponto. Isso nunca será admitido, mas as explicações para tanta timidez, dada a ausência de riscos visíveis, estão cada vez mais subjetivas. O IPCA fechou 2006 mais perto do piso da faixa de variação, 2,5%, que do centro da meta — e o presidente do BC, Henrique Meirelles, veio com graça dizendo que, “se a inflação abaixo da meta fosse erro, o centro da meta seria piso”. Ora...
No anúncio do PAC, o ministro Guido Mantega também fez sua graça. Dirigiu-se no meio de seu discurso ao presidente do BC, sentado à sua frente, e o provocou, falando de cenários: “Primeira conclusão é que o mercado está esperando a redução da Selic. A continuação! Viu, Meirelles?” O BC atendeu, mas com uma parcimônia de quem não tem pressa. Os motivos técnicos para isso não são consistentes.
Falta de argumentos
Como disse Gray Newman, do Morgan Stanley, agora “não é momento para reduzir a velocidade” de queda da Selic. O BC não concordou. Mas muito grave é o que ele revela: rumores de que alguns membros do Copom estariam mirando a variação de 4% ou 4,5% como novo teto da inflação, cujo intervalo legal vai de 2,5% a 6,5%, com a meta central em 4,5%. O BC não tem mandato para fazer tal revisão. Nem argumentos convincentes para explicar a freada do corte da Selic.
Primeiro, as previsões do mercado coletadas pelo próprio BC dão para o IPCA a variação de 4,03% este ano, abaixo da meta de 4,5%, como em 2006. Segundo, a recente alta do índice entre outubro e dezembro foi puxada pelos preços dos alimentos, mas tal efeito já se dissipou, assim como o reajuste de tarifas de ônibus no fim do ano. O segmento de bens não-exportáveis evoluiu acima da linha e fechou dezembro, em base anualizada, a 5,45%. Mas com peso de 35% no IPCA os bens exportáveis mais que compensaram esse aumento, com evolução anual de apenas 1,03%, e assim deverá continuar, devido ao real forte e à tendência deflacionária das commodities.
O pessoal do BC também se preocupa muito com descompassos entre a expansão do consumo vis-à-vis a oferta. Esta está correndo abaixo daquele, é fato, mas as vendas do varejo ganham impulso há meses e a inflação nem se mexeu. Além disso, as importações exercem efeito desinflacionário, e há sinais firmes de aumento dos investimentos na produção. O que falta mesmo é o BC se inflar de coragem.
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