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terça-feira, 2 de janeiro de 2007

Autoconfiante, Lula assume opção por distribuir renda


O Luiz Inácio Lula da Silva que tomou posse ontem é bem diferente daquele que assumiu o poder em janeiro de 2003. O primeiro iniciou o mandato em meio a uma grave crise econômica que o tornou defensivo, pouco à vontade no exercício do poder, refém de uma política econômica herdada de seu antecessor e com a qual nunca havia concordado e muito dependente de ministros e assessores fortes. O novo Lula, reeleito no segundo turno com votação histórica e amparado por elevados índices de popularidade, não tem ministros intocáveis nem se considera mais refém de ninguém. Autoconfiante, já decidiu que a prioridade de seu segundo mandato será a distribuição de renda e não propriamente a aceleração do crescimento da economia.

A estrutura de poder muda daqui em diante. Durante boa parte do primeiro mandato, reinaram José Dirceu na Casa Civil e Antonio Palocci na Fazenda, então dois presidenciáveis, além de um "núcleo duro", no Palácio do Planalto. Esse núcleo, que funcionou quase como um colegiado, foi extinto. Dirceu e, principalmente, Palocci opinavam sobre todos os assuntos. Hoje, os participantes das reuniões são definidos de acordo com os temas a serem tratados.

"Ele ouve todo mundo antes de tomar uma decisão sobre determinado assunto, reúne um "petit comité" com os ministros ligados àquela área. Acabou o núcleo duro", segundo o relato de um ministro.

Lula está, agora, absolutamente confortável no cargo. Ele lida diretamente com tarefas que antes costumava delegar - a montagem do ministério e da base de sustentação no Congresso, a definição de políticas públicas e a escolha dos rumos na economia são alguns exemplos. Não admite mais a existência de superministros.

Mesmo Dilma Rousseff, a temida chefe da Casa Civil, é tratada por Lula de forma diferente. Enquanto Dirceu era visto como um candidato dentro do Palácio do Planalto, um rival nas lutas internas do PT, um primeiro-ministro, Dilma é a funcionária leal, cumpridora de ordens e de comportamento político discreto.

Enquanto o primeiro Lula era refém de ministros, especialmente do titular da Fazenda, o novo se diz ele próprio o comandante da economia. No episódio de correção do salário mínimo, uma decisão que contrariou o atual titular da Fazenda, Guido Mantega, o Presidente deixou claro que não preza mais a existência de ministros fortes nessa área. "O Lula fez aquilo com o Guido porque sabe que ele não reage. O Guido se acomodou e vai fazer a política que o Lula quer", atesta um conselheiro do presidente.

Animado por pesquisas de opinião que mostram que três em cada quatro brasileiros aprovam a sua gestão, Lula nunca esteve tão autoconfiante quanto agora. Pela primeira vez, desde que assumiu, está contrariando, sem cerimônia, as propostas dos economistas do governo. Num dos debates sobre a definição do salário mínimo que vai vigorar a partir de 1º de abril, ouviu de um ministro o argumento de que, justamente por ter acabado de ganhar a eleição com ampla maioria e por gozar neste momento de popularidade inédita, ele não precisaria conceder reajuste tão elevado - de 5,4%, em termos reais (acima da inflação) - ao mínimo neste momento.

Em resposta, Lula alegou que o fato de dispor de amplo capital político neste momento não o autoriza a "jogá-lo fora". O presidente é grato ao apoio que recebeu, no auge da crise do mensalão, de movimentos sociais e das centrais sindicais, quando setores da oposição aventaram inclusive a possibilidade de impeachment. "Agora, não é a hora de brigar com a minha base social", disse Lula, segundo relato de um ministro. "Vou consolidar a minha base." "O salário mínimo é um símbolo para as centrais", justificou, na reunião em que bateu o martelo sobre o reajuste.

Na avaliação de um importante interlocutor, o Presidente fez uma opção relevante ao definir o valor do salário mínimo bem acima do que pretendia a equipe econômica. Segundo essa opção, a ênfase do segundo mandato será promover mais redistribuição de renda e não propriamente o crescimento econômico. Uma opção que marcará os rumos do governo e do país nos próximos anos.

Durante os debates sobre o pacote de medidas destinado a estimular o crescimento, Lula ouviu de economistas oficiais, empresários e conselheiros com quem costuma conversar que, para o país expandir a taxas de 5% ao ano, o governo teria que promover novas reformas constitucionais - e impopulares -, realizar cortes drásticos nos gastos públicos, conter a evolução das despesas da área social, especialmente da previdência, reduzir a carga tributária e, assim, estimular o aumento dos investimentos públicos e privados. O Presidente entendeu também que, mesmo adotando todas essas medidas, o crescimento de 5% não ocorreria no horizonte de seu mandato.

Lula não gostou do que ouviu e, por isso, passou a dizer internamente que não aceitaria a "mesmice" do primeiro mandato. Ele constatou que, para fazer a economia crescer mais rápido, teria que sacrificar seu objetivo número 1, que é diminuir a desigualdade social.

"Lula entendeu que tem que fazer uma opção. A opção do primeiro mandato [combate à inflação, responsabilidade fiscal, autonomia operacional do Banco Central], que não foi feita por opção, mas por contingência, deu certo", assinala um conselheiro. Combinadas com forte aumento real do salário mínimo e a consolidação de uma política social que transfere renda para os mais pobres, essas políticas foram, na avaliação do presidente, a razão de sua reeleição. "Eu fiz distribuição, mas não fiz crescimento. De cada quatro pessoas, três me dizem que estou certo", teria dito Lula numa reunião com ministros.

É por causa da opção que fez que o Presidente parou de falar em crescimento de 5% ao ano, um dos slogans da sua campanha de reeleição. Ele tem citado períodos da história do país em que a economia cresceu de forma acelerada, mas a renda dos trabalhadores encolheu. Mencionou os anos JK e o milagre econômico dos militares. "O raciocínio dele é o seguinte: a distribuição é a favor do pobre. Ele diz: "o pobre [no primeiro mandato de seu governo] melhorou mais do que o rico" ", diz um ministro. "A esfinge está decifrada. O Lula tem uma afinidade com o pobre que é algo genuíno."

"É uma concepção diferente. Na cabeça do Lula hoje, distribuição tem valor 100; crescimento tem valor 50. Mas, tudo isso tem que ser feito, na avaliação dele, com uma restrição - o equilíbrio fiscal. Logo, o que vai acontecer é que o crescimento da economia vai ter que se dar pelo setor privado. O próprio governo está começando a falar em PPP (Parcerias Público-Privadas), concessões e até em privatização", observa um interlocutor do presidente.

A opção pela distribuição de renda, em detrimento da aceleração do crescimento econômico, não será explicitada publicamente. Lula sabe que, se o fizesse, sofreria fortes críticas. A escolha pela distribuição não significa que o Presidente vai abandonar a responsabilidade fiscal e os outros dois pilares da política econômica - o câmbio flutuante e o regime de metas de inflação. De forma pragmática, Lula preservará esses preceitos porque está consciente de que, sem eles, não tem como distribuir renda.

"Ele tem uma prioridade não revelada. Fala em crescimento, mas a grande prioridade é a distribuição, mas ele não vai fazer violação fiscal. Se precisar aumentar juros em algum momento, o Copom [Comitê de Política Monetária] vai aumentar porque o Banco Central, para o Lula, é a chave da tranqüilidade do setor financeiro, que é o único que pode lhe criar problemas", comenta um conselheiro, que considera equivocada a opção do presidente. "A prioridade é a distribuição e não o crescimento, o consumo presente e não o consumo futuro, e o consumo presente na verdade vai reduzir o consumo futuro. Cada dia que se cresce menos é irrecuperável." "No fundo, o que vai acontecer é que no médio prazo o país vai parar de crescer", lamenta um ex-ministro.

Tendo feito a opção pela não-contenção dos gastos públicos, Lula, segundo ministros ouvidos pelo Valor, quer marcar também seu segundo mandato com a realização de obras, mas nada monumental, uma vez que não haverá recursos disponíveis. O plano é investir R$ 20 bilhões por ano em projetos de recuperação, construção e ampliação de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos.

A ambição é também fomentar investimentos, via Eletrobrás, em geração de energia. Esta seria, na sua avaliação, a contribuição do governo para o crescimento da economia no médio e no longo prazos. O ambiente econômico favorável, com a inflação sob controle, as contas externas favoráveis e, como diz um colaborador, com "o mundo conspirando a favor", facilita as opções de Lula, num momento em que seus principais conselheiros gostariam que ele seguisse outro caminho.


Helena

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