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terça-feira, 26 de dezembro de 2006

As mílhas desperdício


A falta de cultura do uso racional de dinheiro público e a inexistência de legislação específica sobre viagens de trabalho de servidores são responsáveis por um desperdício das verbas destinadas a bancar a locomoção dos funcionários públicos. Nos últimos quatro anos, o Distrito Federal (incluindo o governo, a Câmara Legislativa e o Tribunal de Contas) deixou de economizar cerca de R$ 10 milhões ao não exigir de funcionários que viajaram com despesas pagas pelo GDF o repasse ao poder público das chamadas milhas — bônus oferecidos pelas companhias aéreas a cada viagem.

Todos os anos, o Executivo reserva uma quantia do Orçamento para as despesas com diárias e trânsito de funcionários públicos, que incluem desde bilhetes aéreos até corridas de táxi. Em 2006, o valor autorizado só para pagar a locomoção de servidores foi de R$ 35,7 milhões. Dados do Sistema Integrado de Gestão Governamental (Sigo) — que registra os gastos do governo local — informam que até 22 de dezembro foram usados R$ 27,3 milhões com tal finalidade (veja quadro abaixo).

Somente nos últimos quatro anos gastou-se R$ 98,2 milhões em passagens aéreas. Cálculos do Ministério Público Federal e de procuradores junto ao Tribunal de Contas do DF indicam que pelo menos 10% desse total poderia ser economizado pelo poder público se as milhas acumuladas pelos servidores fossem usadas para emitir novas passagens para viagens oficiais. Só o valor que seria poupado este ano, cerca de R$ 2,5 milhões, é maior do que o repasse da União ao DF para custear, por exemplo, o programa de qualificação de jovens para o mercado de trabalho em 2006, de R$ 2,1 milhões.

As principais companhias aéreas desenvolveram na última década um mecanismo para incentivar quem viaja com certa freqüência. Há dois tipos de premiação. Uma modalidade é calculada por trechos viajados e a outra se dá pela soma de quilometragem aérea percorrida. Quando o passageiro acumula determinada quantidade de milhas, pode emitir bilhetes de graça. Nos dois casos, o bônus pode ser usado pelo servidor público para fins particulares, uma vez que as passagens aéreas, apesar de pagas pelo governo, são emitidas em nome do funcionário.

Negociação

Como não há lei que obrigue a devolução de milhas, nenhuma culpa pode ser atribuída ao servidor. As companhias aéreas também não têm o compromisso de direcionar os prêmios resultantes de viagens oficiais para os órgãos públicos. Teria de partir do Estado a iniciativa de negociar com as empresas um sistema que garantisse que os bônus se transformassem em crédito para os cofres públicos.

Só neste ano, a União usou R$ 577,1 milhões em passagens aéreas. Durante o primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva foram gastos R$ 2,5 bilhões. Um economia de 10% sobre esse valor resultaria em reserva de R$ 250 milhões. Em julho de 2004, o Ministério Público Federal recomendou, por meio de um ofício enviado ao Ministério da Defesa, que os benefícios com os programas de premiação das companhias áreas fossem revertidos para o Estado. “O beneficiário destas vantagens deve ser o erário, evitando a apropriação de recursos públicos”, diz o documento, assinado pelo procurador Luiz Francisco Fernandes de Souza.

Com base nesta avaliação, em agosto do mesmo ano a procuradora Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira, do Ministério Público de Contas do DF, apresentou representação no Tribunal de Contas local sugerindo que o órgão comunicasse ao Poder Executivo a recomendação feita em âmbito federal e o entendimento de que a providência deveria ser estendida às instâncias do GDF.

“Sendo certo que a administração pública deve pautar-se pelo princípio da eficiência, economicidade e moralidade, não é possível que os recursos públicos, já tão minguados, possam sofrer com essa prática, redundando perda para o Estado”, argumenta Cláudia Fernanda na representação. Sem uma lei para amparar a recomendação, porém, nem o governo federal nem o GDF tomaram a iniciativa de economizar com as passagens aéreas.


Projeto proíbe uso particular

O deputado distrital Augusto Carvalho (PPS), que teve como uma das bandeiras do mandato a luta contra o desperdício de dinheiro público em passagens aéreas, conseguiu aprovar por unanimidade no plenário da Casa um projeto de lei que proíbe o servidor público de receber ou utilizar as milhas concedidas pelas companhias. A matéria, votada na semana passada, agora segue para o Executivo e deverá ser sancionada pelo futuro governador do DF.

A justificativa de Augusto Carvalho, que se elegeu deputado federal em outubro, para formular projeto de lei que obriga a devolução dos descontos ao erário é baseada nas avaliações do Ministério Público Federal e de procuradores junto ao Tribunal de Contas do DF. O entendimento é de que a prática gera desperdício para os cofres públicos e, por isso, os dois órgãos recomendam a devolução dos prêmios aos cofres da União e do DF. “É inacreditável que milhões de reais sejam perdidos porque não há uma regulamentação para redirecionar os descontos promovidos pelas companhias aéreas ao poder público”, lamenta o distrital.

Em conversas com o governador eleito José Roberto Arruda na semana passada, Augusto Carvalho conseguiu a sinalização de que o projeto de lei será sancionado ainda no início de governo, tornando-se uma das medidas que deve ser incluída na agenda dos 100 primeiros dias da administração. Uma das bandeiras levantadas pelo pefelista, que assume o GDF na semana que vem, é racionalizar o uso dos recursos públicos. Entre as providências prometidas está o fim do desperdício de verbas, motivo pelo qual Arruda teria demonstrado simpatia pelo projeto de Augusto Carvalho.

Lei federal

De mudança marcada para o Congresso Nacional, Augusto Carvalho planeja estender a lei distrital para obrigar a União a operacionalizar o resgate das milhas. Em 19 de março de 2004, o parlamentar entregou ofício ao chefe de gabinete de Luiz Inácio Lula da Silva, Gilberto Carvalho, em que pede ao presidente da República a publicação de Medida Provisória disciplinando as viagens de servidores públicos. Usou como argumento a necessidade de gerenciamento racional dos recursos destinados a cobrir despesas com passagens e diárias em viagens oficiais. Nos últimos quatro anos, o governo federal usou R$ 4,8 bilhões para bancar viagens de servidores. Entre 1995 e 1998 foram desembolsados R$ 5,8 bilhões.

“Quero insistir na necessidade de que as despesas com locomoção de funcionários ganhem mais racionalidade. Diante da inexistência de obrigação definida pelas autoridades, os servidores públicos costumam usar para fins pessoais as milhas acumuladas em função de missões oficiais”. A providência, no entanto, não teve até agora nenhuma repercussão prática.


Helena

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