Houve lágrimas, desabafo, profissão de fé e até um pouco de Machado de Assis na sessão de ontem do Conselho de Ética do Senado, na qual três senadores envolvidos no caso dos sanguessugas — Ney Suassuna (PMDB-PB), Magno Malta (PL-ES) e Serys Slhessarenko (PT-MT) — acabaram inocentados pelos pares. Do trio, só Suassuna terá uma ligeira contrariedade. Receberá uma advertência verbal, a ser lida pelo presidente João Alberto de Souza (PMDB-MA) na próxima vez que o próprio Conselho de Ética se reunir. Ainda não há data marcada. Os outros processos foram arquivados.
A sessão foi rápida e sem polêmicas renhidas. João Alberto de Souza pôs o processo contra Suassuna, seu companheiro de partido, no primeiro item da pauta. Nos bastidores, dizia-se que a escolha era uma espécie de senha. Se algo saísse errado, Malta e Serys, julgados em seguida, iriam para a guilhotina. Todos os senadores negaram tal possibilidade. Disseram que os processos andaram dentro dos parâmetros e que as absolvições decorreram da falta de provas.
O relator do processo contra Ney Suassuna, senador Jefferson Péres (PDT-AM), admitiu em seu voto não ter encontrado provas cabais de que dinheiro sujo da máfia das ambulâncias abasteceu contas do peemedebista. Mas pediu a cassação do mandato assim mesmo. Nos autos, há provas do pagamento de R$ 225 mil da família Vedoin a Marcelo de Carvalho, assessor de Suassuna. Chamado a depor, Carvalho negou fazer parte do esquema e, curiosamente, disse com todas as letras que não dava um passo no gabinete sem que seu chefe soubesse. Há mais.
Ofícios oriundos do gabinete de Suassuna para o Ministério da Saúde faziam gestões para resolver assuntos de interesse da máfia. As assinaturas do senador eram feitas por uma funcionária do gabinete. Na investigação da Polícia Federal antes de deflagrar a Operação Sanguessuga, foram gravadas conversas telefônicas de Marcelo de Carvalho e Darci Vedoin, chefe da máfia, no qual o assessor cobra parcelas de propina. Os integrantes do esquema se referiam ao senador como “tio Ney”.
Péres apresentou o pedido de cassação, mas foi logo enfrentado pelo atual líder do PMDB, senador Wellington Salgado (MG). Ele cumpriu a promessa feita há meses, apresentou um voto em separado e propôs a advertência verbal a Ney Suassuna. Por ele ter permitido que assessores falsificassem sua assinatura. “Isso não é um comportamento adequado para um senador”, disse Salgado ao Correio, em defesa de sua idéia.
O próprio Suassuna foi à mesa e discursou, defendendo-se. “Fui injustamente acusado nestes últimos 140 dias de agonia. Não desejava isso a ninguém”, desabafou. O parecer de Péres acabou derrotado. O de Salgado, vitorioso. Por 12 votos a dois — o próprio Péres e Demóstenes Torres (PFL-GO) queriam a cassação do mandato.
Absolvido o peemedebista, João Alberto de Souza pôs o caso da petista Serys Slhessarenko para andar. Desta vez, o relator, senador Paulo Octávio (PFL-DF), pediu o arquivamento do processo por falta de provas. Há cópia de cheque dos Vedoin entregue a um genro da senadora. Mas os senadores não viram nisso motivo suficiente para puni-la. Absolveram-na por unanimidade. Até o adversário local, Antero Paes de Barros (PSDB-MT), votou em favor dela, que chorou.
Por fim, veio o romance. Ao ler seu relatório sobre Magno Malta, Demóstenes Torres explicou-se, ao pedir o arquivamento: “Como Bentinho, tenho acompanhado o caso intrigante, que postumamente a Machado, rendeu diversas versões, muitas convincentes, mas não posso afirmar, com 100% de certeza, que Capitu fraquejou e foi dar em praias escobarianas”.
Era uma referência a Dom Casmurro, clássico da literatura brasileira. Ele trata da relação entre Bentinho e Capitu. Seu ponto alto é a desconfiança do protagonista, estendida pelo autor aos leitores, de que sua esposa o traiu com o melhor amigo, Escobar. A dúvida eternizou-se. Assim como a de Demóstenes Torres sobre o envolvimento de Magno Malta, que admite ter usado, sem saber, um carro pertencente a Planam. “Foram quatro meses de sexta-feira da Paixão, mas hoje foi meu domingo de Páscoa”, benzeu-se o senador, que é evangélico.
CRÍTICAS À IMPUNIDADE
O presidente em exercício do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Aristoteles Atheniense, criticou ontem a decisão do Conselho de Ética do Senado de aprovar uma simples censura verbal ao senador Ney Suassuna (PMDB-PB). “É um estímulo para que outros parlamentares que se vejam em uma situação como essa se tornem ainda mais audaciosos e audazes do que já são”.
Mais um deputado falta a depoimento
Enquanto os senadores acusados de envolvimento com a máfia dos sanguessugas se livraram da cassação, a Câmara enfrenta dificuldades para ouvir os deputados processados por quebra de decoro. Ontem, o Conselho de Ética da Casa cancelou o depoimento do deputado Cabo Júlio (PMDB-MG), depois que ele alegou problemas de saúde e enviou um atestado médico para justificar o não-comparecimento. Além de Cabo Júlio, outros cinco deputados já apresentaram atestado médico para não serem ouvidos pelo órgão. São eles Carlos Nader (PL-RJ), César Bandeira (PFL-MA), Coronel Alves (PL-AP), Lino Rossi (PP-MT) e Vieira Reis (sem partido-RJ).
Embora a falta de defesa oral dos deputados não comprometa os processos, uma vez que os acusados apresentaram a defesa escrita, o presidente do Conselho, deputado Ricardo Izar (PTB-SP), avalia que a ausência nos depoimentos dificulta o andamento dos trabalhos. O prazo é curto para julgar todos os 67 casos até o fim desta legislatura. "Apesar do prazo exíguo e da entrega das representações em pleno período eleitoral, os processos estão andando", afirmou.
Explicações
Ainda nesta semana, o Conselho tentará ouvir outros três deputados acusados de apresentar emendas ao Orçamento para beneficiar licitações superfaturadas para compra de ambulâncias e equipamentos hospitalares por prefeituras. Em troca, os parlamentares teriam recebido da empresa Planam, que coordenava o esquema, uma comissão de 10% sobre o valor de cada emenda executada. Hoje está previsto o depoimento do deputado Érico Ribeiro (PP-RS). Amanhã, devem ser ouvidos os deputados Maurício Rabelo (PL-TO) e Pedro Henry (PP-MT).
Helena
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