O que sugere a reportagem da revista " aqui CartaCapital", nas bancas desde o fim de semana, é que toda a trama urdida para, como um guindaste, levantar a votação do candidato Geraldo Alckmin e levá-lo ao segundo turno, deveu-se a um delegado da Polícia Federal, Edmilson Pereira Bruno, e a um procurador da República, Mário Lúcio Avelar - em conluio com um setor da mídia, em especial o império Globo.
Segundo o relato, antes mesmo de chegarem à sede da Polícia Federal em São Paulo os dois homens ligados ao PT, com os quais teria sido encontrada a soma de R$1,7 milhão, já estava lá a perua da Rede Globo. E ao chegar, estacionou entre outras duas equipes tucanas de televisão - as do marketing político das campanhas de Geraldo Alckmin e do candidato a governador José Serra, primeiras a chegar.
Avelar, apontado como comandante da operação, já tivera papel igual ao divulgar no início de 2002 as fotos do dinheiro apreendido na firma Lunus, do marido de Roseana Sarney (o que detonara a candidatura presidencial dela pelo PFL no momento em que, nas pesquisas, ultrapassava a do tucano Serra na preferência para confrontar Lula). Mas a ficha do afoito Avelar não fica nisso.
Estranha conduta de autoridades
O procurador já tinha pisado na bola mais duas vezes. Em Tocantins, fora afastado pelo procurador-geral Geraldo Brindeiro no final de 2002, por ter indiciado políticos com mandato sem ter autoridade para tal (pois isso cabe ao procurador-geral). E em Mato Grosso, seu posto seguinte, tinha sido o desastrado comandante jurídico da operação Curupira, da Polícia Federal, contra funcionários do Ibama e madeireiros.
Essa operação Curupira incluíra, entre as 93 pessoas presas, o diretor de florestas do Ibama, Antônio Carlos Hummel. Levado, algemado, para Cuiabá, ele passara quatro noites na cadeia antes de ser, afinal, libertado. Como lembrou "CartaCapital", o próprio Avelar, depois de acompanhar o depoimento oficial de Hummel, acabou por reconhecer que ele não devia sequer ter sido indiciado.
Com antecedentes como esses três casos - de Roseana, no qual o dinheiro foi afinal devolvido, após a conclusão de que nada ocorrera de ilegal; dos políticos indiciados ilegalmente em Tocantins; e da prisão arbitrária do diretor do Ibama, totalmente inocente - o mesmo procurador Avelar, responsável pelo procedimento jurídico no caso do dossiê, pediu a prisão preventiva de Freud Godoy, segurança do presidente Lula.
Isso só não levou a nova arbitrariedade porque o pedido dele foi rejeitado pelo juiz Marcos Alves Tavares - que estranhou, entre outras coisas, o contra-senso de ser divulgado o pedido na imprensa antes de sua análise pelo juízo. Depois, como é sabido, a Polícia Federal e o Ministério Público inocentaram Godoy, levando jornais e jornalistas com um mínimo de dignidade a pedir desculpas publicamente.
Mentindo para agradar à fonte
É relevante a esta altura a suspeita de que, sob a influência de figurões da política, generalizam-se práticas duvidosas entre procuradores e policiais, tirando proveito do período eleitoral. Para atender a inclinações partidárias, servir a grupos políticos ou até mesmo buscar vantagens pessoais, gente sem escrúpulos pode não resistir à tentação de tornar rotina essa atividade nova e na certa altamente lucrativa.
"CartaCapital" chama atenção para detalhe insólito. Ainda que o "caso do dossiê" esteja nas primeiras páginas há um mês, a Polícia Federal e o procurador ainda não sabem que crime (ou crimes) atribuir aos suspeitos presos. O dinheiro que destroçou a candidatura de Roseana foi devolvido, após o estrago, por não haver crime. Sobre o de agora Avelar insinua que pode ser dinheiro público mas ainda não apareceu prova.
Isso pode acontecer, claro, mas parece óbvio que as ações do delegado e do procurador foram no mínimo precipitadas. Como também a conduta da mídia. Logo no início "O Globo" comparou o caso a Watergate - onde havia o fato concreto da invasão do escritório do Partido Democrata e, mesmo assim, só veio a renúncia em razão de fatos posteriores graves, no esforço oficial para obstruir a investigação.
O prontuário das organizações Globo, que já tinha as fraudes de 82 (Proconsult) e 89 (debate editado), engordou agora com a figura patética do delegado Bruno. Ao entregar as fotos ele mandou a mídia mentir para protegê-lo, dizendo que elas tinham sido roubadas. Depois mudou de idéia e assumiu tudo. Resultado da lambança: num texto "O Globo" assumiu a mentira como verdade, em outro deu versão diferente.
Receita promíscua de reportagem
No caso atual, pode-se até imaginar uma confraternização promíscua à porta da sede da Polícia Federal naquele 15 de setembro, com as equipes de jornalismo da Globo e as do marketing político tucano, de responsabilidade da produtora GW, cujos donos, por coincidência, são dois ex-jornalistas da mesma Globo, Luiz Gonzales (o G) e Woile Guimarães (o W).
O diretor de jornalismo da rede Globo, Ali Kamel, pode até achar que ao deixar de responder às 10 perguntas da revista varreu a sujeira para debaixo do debate. Mas as perguntas continuarão a perseguir o jornalismo do império Globo. Porta-voz oficioso da ditadura e colaborador da censura, como atestou uma vez o próprio ministro Armando Falcão, expõe hoje sua incompatibilidade com as regras democráticas.
Kamel fala em isenção, mas é acusado de ter encomendado o sumiço da fita de áudio na qual o delegado Bruno cita a Globo. Desapareceu ainda a fita, editada, sobre Abel Pereira, empresário ligado ao PSDB que supostamente tentava comprar o mesmo dossiê. Enfim, que diabo de jornalismo é esse, que suprime o que compromete um partido e escancara na manchete o que atinge o outro.
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