A Febraban pagou feriado na praia para 47 juízes. E chamou a atenção para um dilema ético
Até que ponto aceitar presentes, agrados ou - para usar uma gíria conhecida - os jabaculês pode comprometer o desempenho e o rigor ético de um profissional? No jornalismo, o manual das boas práticas recomenda a recusa, exceto em casos especiais. Entre os médicos há um movimento para tornar obrigatória, nas pesquisas sobre medicamentos, a explicitação de vínculos entre o pesquisador e a indústria farmacêutica. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária estabeleceu uma norma que veta o patrocínio de laboratórios a viagens a congressos médicos sempre que houver promoção de algum medicamento. Agora, um dilema ético semelhante começa a atingir outra categoria: os juízes.
Na semana passada, um projeto de resolução para restringir a aceitação de presentes e viagens por juízes, desembargadores e ministros de tribunais superiores foi apresentado por dois integrantes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A iniciativa surgiu depois de uma reportagem publicada pelo jornal Folha de S.Paulo sobre 47 juízes que passaram o feriado de 7 de setembro no hotel Transamérica, um resort de luxo localizado na Ilha de Comandatuba, na Bahia. As despesas de hospedagem e transporte de 31 desembargadores de sete Estados e 16 ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), acompanhados de alguns familiares, foram pagas pela Federação Brasileira dos Bancos (Febraban). Para levá-los a Comandatuba, a Febraban fretou um Air Bus da TAM. Durante o feriado, houve na ilha um seminário, com palestras sobre a "arquitetura do crédito do sistema bancário brasileiro".
Na comitiva estavam o presidente do STJ, ministro Raphael de Barros Monteiro, e o presidente da segunda turma do tribunal, ministro João Otávio Noronha. A segunda turma do STJ centraliza o julgamento da maioria das questões de interesse dos bancos. Elas representaram 29,85% de todas as ações analisadas pelo tribunal entre 2001 e 2006, segundo dados do STJ. Pode um juiz cujas despesas de viagem foram pagas por bancos julgar de forma independente ações de interesse desses mesmos bancos? Segundo o ministro Noronha, não há qualquer problema no evento promovido pela Febraban. "O encontro serviu para o debate de temas de interesse da sociedade", afirma.
O presidente do STJ reconheceu que, no plano teórico, a realização do seminário sob o patrocínio da Febraban "poderia melindrar o Poder Judiciário". Mas ele descartou a possibilidade de a aproximação interferir nos julgamentos. A Febraban emitiu uma nota em que afirma que esse tipo de encontro é realizado há três anos com o objetivo de "manter um diálogo de alto nível técnico".
A aceitação de convites para viagens para participar de seminários e palestras tem sido prática comum entre os juízes brasileiros. Em 2005, um evento semelhante, em Comandatuba, foi patrocinado pela Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF) e teve a participação do então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Nélson Jobim, de ministros do STJ e de desembargadores de tribunais federais. Em setembro do ano passado, 12 ministros do STJ, acompanhados das mulheres, viajaram para um seminário no Chile, com despesas pagas pela Amil, um dos maiores planos de saúde do país.
"Esse tipo de atitude não está certo. Fere a imparcialidade do Poder Judiciário", diz o procurador da República Eduardo Lorenzoni. Foram Lorenzoni e o advogado Paulo Lobo que apresentaram a proposta de os juízes serem proibidos de aceitar presentes de partes interessadas em suas decisões. O CNJ deverá se pronunciar, em um mês, sobre se isso ameaça ou não a independência da Justiça.
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