Para cumprir mínimo constitucional, governador incluiu como despesas da área combate à febre aftosa e até construção de praça
Artifício foi utilizado em período em que tucano criou programas de "déficit zero" e "choque de gestão", suas maiores bandeiras eleitorais
O governo Aécio Neves (PSDB), de Minas Gerais, fez maquiagem contábil nas prestações de contas de 2003 e 2004, para esconder a não-aplicação de recursos em serviços de saúde nos percentuais determinados pela Constituição. O artifício ocorreu no período em que Aécio lançou os programas do "déficit zero" e do "choque de gestão", carros-chefes da campanha para a reeleição em outubro. Ou para uma eventual disputa pela Presidência da República em 2010.
Minas Gerais registrava no início de 2004 um déficit acumulado de R$ 1 bilhão nas políticas públicas de saúde, segundo o Ministério Público Federal. A inadimplência do Estado com a saúde vinha desde 2000.
O governo mineiro contabilizou como gastos em serviços de saúde para a população despesas com a erradicação da febre aftosa e outras doenças de animais. Incluiu exposições agropecuárias; precatórios; saneamento (cujos serviços são tarifados); construção de praças e até a locação de serviços de limpeza para o hotel de Araxá. "O Poder Executivo simplesmente obedeceu à resolução do Tribunal de Contas do Estado que determina o que deve ser considerado como despesa na área de saúde", diz Fuad Noman, secretário da Fazenda.
A mágica contábil compromete a austeridade e transparência prometidas no "choque de gestão", a reforma que introduziu processos de metas e avaliações no serviço público. Esse programa foi patrocinado por grandes empresas privadas. Gerdau, Votorantim, Vale do Rio Doce e grupo Moreira Salles dividiram os R$ 4 milhões pagos ao Instituto de Desenvolvimento Gerencial, entidade privada que coordenou o processo de aplicação dessa metodologia.
Parte dos recursos veio de uma fundação que tem sede no paraíso fiscal de Delaware, nos EUA.Hábil articulador político, Aécio formou ampla base parlamentar, não é hostilizado pela oposição nem sofre maiores questionamentos da imprensa local. O Tribunal de Contas do Estado e o Ministério Público estadual, por sua vez, são tratados numa cartilha do governo como "parceiros".
Ação civil pública
Em 2004, o Ministério Público Federal moveu ação civil pública, pedindo que a União condicionasse a entrega de R$ 376,2 milhões a Minas à aplicação em ações e serviços públicos de saúde. Esses valores correspondem ao que o governo teria que destinar à saúde, para obedecer ao mínimo imposto pela Constituição (12% das receitas vinculadas em 2004).
"A verdade crua é que Minas Gerais tornou-se um contumaz sonegador de recursos à saúde, fato, aliás, reconhecido pelo próprio Tribunal de Contas do Estado", sustenta o MPF nos autos da ação civil pública. Ao aprovar as contas de Aécio de 2003, o conselheiro do TCE Sylo Costa citou outros gastos atribuídos indevidamente à saúde pública, como um "programa de melhoramento urbanístico e aquisição de equipamento para fabricação de bloquete e meio-fio". "Considero isso um engodo", Folha para assinantes aqui
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