Escutas feitas pela Polícia Federal durante conversa com supostos integrantes da máfia dos combustíveis, revelam que o ex-governador favoreceu empresas em resolução assinada por ele
Um amontoado de 26 CDs com escutas telefônicas gravadas pela Polícia Federal para investigar a máfia dos combustíveis tem um conteúdo explosivo que joga estilhaços sobre o Palácio da Guanabara. As conversas entre lobistas e policiais presos e condenados por envolvimento com o grupo de mafiosos revelam os bastidores de uma reunião entre o então governador Anthony Garotinho com o então chefe da Polícia do Rio, Álvaro Lins, e o conselheiro do Tribunal de Contas José Nader na qual seria negociada uma concessão especial para isentar de impostos uma distribuidora de combustível. Esse tipo de concessão foi respaldada pela resolução nº 6.488, publicada no Diário Oficial do estado no dia 10 de setembro de 2002, que, segundo as gravações, acabou abrindo a torneira para os mafiosos dos combustíveis sonegarem impostos mediante o pagamento de propina.
Mantida em vigor pela governadora Rosinha Matheus até o dia 30 de abril último, a resolução isentava de recolhimento de impostos na fonte as empresas de outros estados que compravam combustível no Rio. Em tese, as empresas deveriam recolher os impostos em seu estado de origem. Mas isso nunca acontecia porque, com a conivência de policiais rodoviários federais corruptos, os caminhões de combustíveis trafegavam livremente com notas frias, denominadas “bate-volta”, e fabricadas em gráficas clandestinas. A resolução determinava que cada empresa deveria obter uma licença específica e individual do governo para deixar de recolher os impostos. As fitas levantam suspeitas de que essas concessões eram negociadas.
Bombeiro
Nas gravações um integrante da máfia dos combustíveis identificado pela PF apenas como “Luizinho” detalha com policiais ligados à quadrilha a reunião de Garotinho com o conselheiro Nader e Álvaro Lins. No dia 18, por exemplo, Luizinho, que se identificou ao Correio como Luiz Matheus, conversa sobre a reunião com o bombeiro Rildo Soares, preso sob acusação de comandar a máfia de combustíveis dentro do Corpo de Bombeiros. “O velho quer sentar comigo, com o Renato e com o cara da distribuidora (…). Sabe quem é o cara: José Nader, presidente do Tribunal de Contas. Já chamou o Garotinho, e o Álvaro botou (sic) direto com ele. Não é o Álvaro quem faz isso. É o Garotinho”, diz Luizinho.
Os policiais teriam chegado a José Nader por meio do ex-comandante do Corpo de Bombeiros coronel Geraldo Cipriano, que nas horas de folga fazia segurança privada para o filho do conselheiro, o deputado estadual José Nader Filho (PTB). As ligações de Cipriano com o deputado estão documentadas num processo que tramita na Justiça Federal do Tocantins. Os dois foram presos às margens do Rio Araguaia, no início do ano, por porte ilegal de armas.
Numa conversa telefônica, gravada no dia 21 de julho de 2004, um homem identificado pela polícia como sendo o próprio Cipriano fala da reunião com o lobista. “O Garotinho já abriu o processo, mas é o José Nader quem vai liberar”. Segundo Cipriano, os donos da distribuidora ainda não sabiam qual o valor da propina que o ex-governador queria cobrar. “Você tem de ter paciência e ficar atento, pois quando o Garotinho publicar, e tiver de ser feito o negócio, tem que saber valorizar e ter poder de barganha para que o percentual de lucro não saia pequeno. O Garotinho falou que vai publicar”, afirma Cipriano, acrescentado que a reunião seria na casa do Garotinho ou do José Nader. Numa conversa com o policial Sidnei Leandro, o bombeiro Rildo disse que a reunião teria acontecido no dia 6 de agosto de 2004.
Sem denúncia
Um dos principais focos da investigação, o lobista Luizinho faz todo o tipo de negociata com donos de postos, políticos e policiais corruptos ao ser interceptado em mais de 20 horas de gravação. Apesar disso, o lobista não foi indiciado pela polícia e nem denunciado pelo Ministério Público Federal. A polícia não se interessou nem mesmo em saber qual é o nome completo e o endereço do lobista. Alguns trechos em que o lobista aparece foram alterados nas degravações. O nome de José Nader, por exemplo, foi retirado nas degravações. Já a palavra Ipem (Instituto de Pesos e Medidas) foi alterada para empenho.
Procurado, por meio de sua assessoria desde a manhã de ontem, o ex-governador Garotinho não retornou a ligação. O Correio não conseguiu também localizar os bombeiros Rildo e Cipriano e o conselheiro José Nader e o ex-chefe de Polícia Álvaro Lins. Localizado em um dos telefones grampeados pela polícia, Luizinho confirmou que conhece Cipriano e Rildo, mas não quis falar sobre a reunião. “Só falo na Justiça”, disse ele.
para saber mais
Quadrilhas do esquema agiam em duas frentes
As quadrilhas que atuam no setor de combustíveis adotam algumas práticas que têm como objetivo sonegar impostos, principalmente ICMS, e com isso faturar milhões de reais. O Sindicato das Empresas Distribuidoras de Combustíveis (Sindicom) estima que sejam sonegados cerca de R$ 3 bilhões por ano. Para a Polícia Federal, o país perde em torno de R$ 5 bilhões com a adulteração de combustíveis e a sonegação. Há duas modalidades básicas de fraude:
Adulteração de combustíveis: Em geral, costuma-se adicionar mais de 25% de álcool à gasolina (nível máximo autorizado por lei). Ou então são adicionados solventes. Esses dois produtos têm uma carga de impostos menor. A Agência Nacional do Petróleo (ANP) já encontrou gasolina com até 90% de álcool.
Sonegação simples: Existem quadrilhas que vendem o produto sem adulteração, mas com sonegação de impostos. Uma das práticas, por exemplo, é comprar combustível num estado onde a alíquota do ICMS é reduzida, e trazê-lo para outro, sem pagar o imposto local. No caso da gasolina, as quadrilhas compram o produto em São Paulo, Minas Gerais e no Espírito Santo, onde a alíquota do ICMS é menor, e o transportam para ser vendido no Rio, sem o pagamento do imposto no estado. Essa prática é uma das mais comuns, já que a alíquota do ICMS da gasolina no Rio é a maior do país.
Degravações
DIÁLOGO ENTRE O BOMBEIRO RILDO SOARES E O LOBISTA “LUIZINHO”
LUIZINHO: A reunião foi boa. O cara que está mandando é o velho. Quer sentar comigo, com o Renato e com o cara da distribuidora. Sabe quem é o cara: José Nader, presidente do Tribunal de Contas do estado. O Álvaro (Lins) Marcou uma reunião com o Garotinho e vou ter que ir com o renato.
RILDO: Vamos sentar pessoalmente.
LUIZINHO: Eu tenho que falar isso contigo, eu vou te falar que isso não é fumaça.
RILDO: Sai semana que vem.
LUIZINHO: Sai semana que vem, mais tarde, segunda feira.
RILDO: A reunião com o Álvaro Lins sai quando?
LUIZINHO: Os dois juntos. Não é o Álvaro quem faz isso, é o Garotinho.
DIÁLOGO ENTRE LUIZINHO E GERALDO CIPRIANO, EX-COMANDANTE DO CORPO DE BOMBEIROS
LUIZINHO: Novidades?
CIPRIANO: O Garotinho abriu o processo., mas o José Nader é quem vai liberá-lo. O velho vai marcar uma reunião para ser discutido o assunto.
LUIZINHO: Quando acontecer me avisa que eu levo o dono da distribuidora lá.
CIPRIANO: Tem de ter paciência e ficar atento, pois quando o Garotinho for publicar e tiver que ser feito o negócio, tem que saber valorizar e ter poder de barganha para que percentual do lucro não saia pequeno. Ademais, não sabem quanto o Garotinho pediu a eles.
LUIZINHO: É dinheiro demais. Ganham todos por igual. Parceria é parceria.
Helena





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