A mentira, se repetida mil vezes, torna-se uma verdade. Sim ou não? A expressão é atribuída a Goebbels, o grande gurus da propaganda nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Se a invenção maldosa adquire mesmo status de verdade, é uma incógnita. No entanto, é certo que corrói reputações, convence os desatentos e dissemina o ódio. Essa tem sido a prática de varejo da oposição neoliberal brasileira. Se não há crítica possível à política econômica de Lula, investe-se brutalmente sobre seu patrimônio moral. Mina-se diariamente sua credibilidade. Nessa batalha sem escrúpulos, tudo vale, do aluguel de caseiros à divulgação de pequenos venenos de impacto setorial. Pouco importa a realidade se a versão atende ao interesse golpista.
Lupa à mão, vasculhemos o universo microscópico da informação. Recentemente, logo após o encerramento do campeonato paulista de futebol, a Federação estadual promoveu uma prosaica solenidade para homenagear os heróis do ludopédio bandeirante. À festa compareceu o presidente Lula, confesso amante do esporte das multidões e corinthiano fanático. Ali, elogiou os alvinegros praianos, dialogou animadamente como o técnico Vanderlei Luxemburgo e enalteceu o título mundial do São Paulo Futebol Clube, conquistado em dezembro, no Japão.
Até aí, nenhuma surpresa. Sabe-se que o supremo mandatário identifica-se com as paixões populares. No dia seguinte, entretanto, iniciou-se sorrateiramente a construção de uma nova narrativa para os fatos. À gênese, o parlapatão e dublê de comentarista esportivo Chico Lang. Em sua coluna digital na Gazeta Esportiva, o jornalista publicou mais uma amostra do jornalismo de intriga e desconstrução de imagem. Lang, que também se diz corinthiano, procura de todos os modos incompatibilizar o presidente com a nada desprezível massa de torcedores do Parque São Jorge, hoje calculada em 24 milhões de almas. O jornalista afirma que Lula "pulou para o lado dos bambis", numa alusão rasteira e preconceituosa aos são-paulinos, identificados como maricas.
Para Lang, o presidente ofendeu o Corinthians ao posar para fotos ao lado dos tricolores e ao lamentar a ausência da Taça Libertadores da América na sala de troféus do Timão. Em linhas mal redigidas, o bufo-comentarista distorce os fatos para disparar sua conclusão: "Lula defende a elite e manda fumo no bolso dos pobres".
Convém notar que Lang apresenta-se como paladino dos interesses corinthianos, mesmo que suas invenções freqüentemente resultem em graves crises internas no clube. O mesmo ocorre nas intervenções corporativas do jornalista, também conhecido por gerar intrigas entre os colegas da TV Gazeta. Sua faceta pública menos visível é a de político sem mandato. Utilizando a adulação como método, Francisco José Lang Fernandes de Oliveira obteve, em 2000, uma vaga do PSDB para disputar um cargo na Câmara Municipal. O resultado nas urnas foi um estrondoso fracasso.
Hoje, novamente nas fileiras (inferiores) do exército tucano-peefelista, Lang procura mostrar serviço. O libelo difamatório faz parte de sua estratégia de exibição de fidelidade partidária. Pouca gente decente ou ocupada perde tempo com os textos confusos e com as bazófias de Chico Lang. Lupa à mão novamente, entretanto, encontramos quem lhe dê ouvidos e propague a inverdade.
Orkut e versão enlodada
Na rede de relações Orkut, acaba de surgir uma comunidade "Lula, Vergonha para o Timão". É moderada por um certo Gust Marques, que se diz conservador de direita, lutador de Jiu-Jitsu e leitor de um certo "Diário do Nazismo". Na apresentação da comunidade, baseada na obra de Lang, o jovem cidadão apresenta com estardalhaço uma frase que jamais foi pronunciada pelo presidente: "O São Paulo tem um grande time, merecedor dos três títulos mundiais. Pena o Corinthians não ter ganhado nenhum". Quem esteve presente à festa sabe que se trata de uma mentira. Gust adiciou um ponto à fantasia maliciosa do jornalista da Gazeta.
No caso de Gust Marques, o propósito sinistro é convencer os corinthianos de que Lula não considera válido o título mundial conquistado pelo clube, em 2000. Sabe-se que qualquer referência dessa natureza gera a imediata indignação dos alvinegros. Não satisfeito em criar a comunidade destinada a difamar e caluniar o presidente, o lutador de Jiu-Jitsu postou uma mensagem-propaganda na comunidade oficial do Corinthians, que conta com mais de 83 mil membros. O título é "Vejam o que Lula falou do Timão... Que vergonha".
Como era de se esperar, dezenas de fanáticos torcedores acreditaram na versão e teclaram pesados impropérios contra o presidente. Os inocentes consideram-se traídos pelo célebre membro da Fiel torcida. Alguns, decepcionadíssimos, afirmam que não mais votarão em Lula. Outros, espertíssimos, encontram pretexto para a exasperação. Aproveitam para exercitar o ódio de classe e para escancarar o preconceito contra o "pobre" e contra o "nordestino".
Tramas sutis como essa geram a faísca capaz de inflamar os ingênuos e armar os intolerantes. Na Alemanha, na Espanha e na Itália, propagandistas da extrema-direita, infiltrados especialmente entre os jovens torcedores, têm-se utilizado de pequenos ardis para paulatinamente reinstaurar o racismo e o recrutar novos militantes para a causa suprematista. O singelo exemplo brasileiro mostra como não estamos imunes a esse tipo de perversidade midiática. Entre a patranha de um tolo e a vilania de um tosco, arma-se a bomba da desavença. A vítima? Todos nós.
Mauro Carrara, jornalista e escritor
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