Reportagem do site da revista Newsweek chama o Presidente Lula, de "o político mais popular do planeta" e diz que Lula é a estrela da Assembleia Geral da ONU, que ocorre em Nova York. A tradução é de Marco Bahé, do site Contas Abertas.
Ele cresceu tão pobre que só veio descobrir o que era pão quando tinha 7 anos. Essa era a idade de Lula quando ele subiu num pau-de-arara com sua família de agricultores pés-descalços e todos os seus bens para uma viagem de 1.900 milhas do nordeste do país para uma vida nas favelas de São Paulo. Ele abandonou a escola na quinta série, lustrou sapatos na rua, e, aos 14, foi trabalhar em uma fábrica de auto-peças, até perder um dedo em um torno durante o turno da noite. Eventualmente, ele subiu na vida ao se tornar um líder sindical respeitado internacionalmente. Uma junta militar governava o Brasil na época e as greves eram ilegais, mas ele desafiou os generais e os patrões e praticamente coloco de joelhos a potência industrial do continente em nome dos metalúrgicos.
Lula está em Nova York, esta semana, para abrir a 64ª sessão da Assembleia Geral da ONU. As câmeras podem concentrar-se na personificação cool americana Barack Obama ou em autocratas flamboyant de peito estufado como Mahmoud Ahmadinejad, do Irã, e Hugo Chávez, e da Venezuela, mas a maior estrela presente será o barbudo operador de torno: o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva. Após quase sete anos tumultuados de mandato, o homem a quem todos chamam de Lula continua a se beneficiar de uma taxa de aprovação acima de 70 por cento. Isso seria um feito notável em qualquer lugar, até mesmo em um continente onde os presidentes são uma mercadoria descartável. “Aquele ali é o cara”, saudou-o Obama na Cúpula das Américas deste ano. “O político mais popular na terra.”
Como da Silva ganhou tal aclamação diz muito sobre como a riqueza e o poder estão mudando nesta era de recessão. Com sua liderança, o Brasil tem resistido à crise melhor do que quase qualquer outra nação: nenhum único banco foi abaixo, a inflação está baixa e a economia está crescendo novamente. “As pessoas duvidavam quando eu disse que seria o último a cair em recessão e o primeiro a sair”, disse Lula a Newsweek, em uma entrevista exclusiva. “Mas espere para ver, em dezembro. Nós vamos criar um milhão de empregos este ano”. Isso não é tão bom quanto possa parecer: um milhão de empregos seria apenas o necessário para substituir os postos de trabalho que seu país perdeu desde outubro de 2008. Mas o Brasil parece muito melhor em comparação com a maioria dos lugares, está ultrapassando a Rússia e se juntando à Índia e à China, as outras grandes potências emergentes denominadas de BRIC – para liderar o caminho de volta ao crescimento econômico global. Longe estão os dias em que, como economista-chefe do Goldman Sachs, Jim O’Neill, brincando, lembrava: “as pessoas me disseram para eu colocar o B em BRIC só para fazer a sigla soar melhor.”
O “cara” do momento no Brasil diz que não poderia dar o fígado pelas pesquisas de opinião. “Se você tem políticas com falhas e tentar vendê-las com publicidade falsa, suas avaliações não vão durar”, diz ele. Mas a questão agora é saber se ele pode continuar a apostar na transformação da força de sua própria estrela em ganhos para o Brasil e, mais especificamente, se ele está prestes a jogar fora muito do que ele realizou como presidente. Ele tem apenas 15 meses de mandato e sua preferida na sucessão, a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, possui um nome pouco conhecido nacionalmente e nem um pouco do charme de seu chefe. Apesar da imensa popularidade de Lula, pesquisas recentes dizem que ela ocupa um distante segundo lugar e perdendo terreno para o candidato da oposição, o governador de São Paulo, José Serra. “A aura de Lula não é transferível”, observa Donna Hrinak, ex-embaixadora dos EUA para o Brasil. Para compensar, o ex-operário começou a fazer apenas o que seus críticos mais temiam quando ele tomou posse em 2003: apertar o controle governamental da economia, olhando para o outro lado quando aliados fundamentais são pegos com as mãos no dinheiro público.
Em nome de ajudar os pobres e os trabalhadores de classes mais baixas, mas com um olhar atento à eleição do próximo ano, Lula tem reiteradamente ‘bombado’ o salário mínimo (aumento de 67% desde 2003, quase 40% acima da inflação) e está impulsionando pagamento de benefícios sociais, um movimento que só pode acrescentar problemas à administração seguinte. “Temos que dar um pouco mais para aqueles que ganham menos”, diz Lula. No entanto, esse é o tipo de conversa populista que dá muitos calafrios. “O risco é o legado de despesas fixas e compromissos orçamentais que Lula vai deixar para o futuro”, adverte o ex-ministro Mailson da Nóbrega. A folha de pagamento pública está crescendo em mais de 10 vezes a taxa de investimento público em estradas, pontes e portos. Enquanto isso, Lula não tem feito nada para aliviar a carga tributária total do país, a mais elevada nos mercados emergentes em 36% do PIB. E quando o senador e ex-presidente José Sarney, que controla um bloco significativo de votos no aliado Partido do Movimento Democrático Brasileiro, viu-se sob o fogo por distribuir empregos para amigos e parentes, Lula correu em sua defesa, dizendo que Sarney “não poderia ser tratado como uma pessoa comum”, uma estranha escolha de palavras, vindo de um homem do povo.
Ainda assim, se há uma verdade constante sobre Lula, é que as coisas estão sujeitas a alterações. “Eu sou uma metamorfose ambulante”, ele gosta de dizer, citando o cantor cult brasileiro dos anos 1970 Raul Seixas. Na superfície, ele não tem mais do que uma leve semelhança com o sindicalista rude de 30 anos atrás, ou mesmo com o político se tornou nos anos 80 e 90, pregando para os pobres e esquecidos até que sua voz se tornou rouca. Os cachos negros agora são grisalhos e a barba desgrenhada é muito bem aparada. Em lugar de seu velho uniforme surrado e a calça jeans boca-sino, veste-se em belos ternos sob medida. Sua rispidez tem diminuído ao longo da vida, e longas horas de prática têm refinado sua gramática e vocabulário. O homem que assumiu o cargo dizendo que iria melhorar a sorte dos pobres brasileiros agora está convencido da missão do Brasil em transformar o mundo. “O Brasil é um país com sólidas instituições democráticas”, diz ele. “Nós mostramos às nações algumas lições sobre como enfrentar a crise econômica.”
De forma mais profunda, Lula é o mesmo de sempre. Ele ainda fala do mesmo jeito que eletrizou seus companheiros metalúrgicos. E, apesar de todas as suas maneiras polidas e roupas finas, nada irrita mais Lula do que ficar preso em seu escritório. “Ele fica nervoso quando passa muito tempo em sua mesa”, diz o chefe de gabinete, Gilberto Carvalho. “Ele diz: ‘Eu preciso sair e viajar e conhecer pessoas’. O presidente não gosta de protocolo rígido, gosta de sair do script, e (para o desespero de seus seguranças) adora ir ao encontro da multidão. No entanto, para seu crédito, ele tem resistido bravamente à pressão de seus seguidores para emendar a Constituição e buscar um terceiro mandato. E alerta para a condição falsa de celebridade. “Popularidade é como a pressão arterial”, diz ele. “Às vezes é alta e às vezes é baixa. O que você precisa é mantê-la sob controle.”
Essa é uma habilidade que ele adquiriu da maneira mais difícil. Começando em 1989, ele concorreu à presidência por três vezes, subindo nas pesquisas cedo só para bater de cara no muro no dia da votação. Até o final dos anos 90, ele estava à beira de abandonar a política. Em vez disso, Lula fez algo mais ousado: refez-se a si mesmo. Parou seu bradar arengas, vestiu um terno, e contratou um treinador de fala e um assistente de marketing. Mais importante, ele temperou a sua política de esquerda. O ponto de virada foi em junho de 2002. Ele estava à frente nas pesquisas, mas a economia do Brasil foi abalada em grande parte, ao que parece, porque os investidores estavam assustados com a perspectiva de Lula se tornar de fato presidente. Ele respondeu com uma “Carta ao Povo Brasileiro”, comprometendo-se a honrar os contratos, pagar as dívidas do país, cumprir as exigências do Fundo Monetário Internacional e, geralmente, jogar pelas regras do mercado. Foi o jogo da sua carreira, o equivalente político à aderência em um furacão. A linha dura de seu Partido dos Trabalhadores (PT) acusou-o de traição, de ceder aos banqueiros e de se tornar capacho dos capitalistas. Os executivos de negócios também foram cautelosos: seria esse “novo” Lula confiável? Mas os investidores se puseram em suas mãos.
Ganhou por um deslizamento de terra, mas o trabalho duro tinha apenas começado. A turbulência financeira pré-eleitoral comprometeu o crescimento econômico e forçou uma forte desvalorização da moeda do Brasil. “Não foi fácil”, lembra Lula. “Não tínhamos crédito externo. Nossas reservas eram extremamente baixas. A inflação mostrava fortes sinais de ressurgimento. A economia estava engarrafada.” Mas um desafio ainda maior foi pôr abaixo a imagem de esquerda radical que ele e o PT tinham adquirido ao longo dos anos. “Nós assumimos o cargo em meio a uma enorme crise de desconfiança”, diz Carvalho, seu chefe de gabinete e um amigo de longa data. “Nós éramos uma minoria no Congresso. A imprensa foi cética.” Afinal de contas, admite Carvalho, “até então, tudo o que eu defendia era não pagar a dívida externa, o aumento dos salários. Teria sido um desastre.”
Para convencer os credores do Brasil que era sua virada era séria, Lula aumentou o “superávit primário”, o dinheiro que o governo deixa de lado a cada ano para pagar dívidas e juros, e aumentou as taxas de empréstimo a escaldantes de 26% ao ano [Nota do tradutor: refere-se à Selic, juros básicos da economia brasileira pelos quais o governo remunera quem compra os títulos públicos], freando a aceleração do crescimento, a fim de matar a inflação. Ele também manteve os salários e aposentadorias sob controle. “Os sindicatos e muitas pessoas no partido odiava”, diz Ricardo Kotscho, amigo e ex-assessor de imprensa.
Mas os homens do dinheiro do mundo todo ainda não estavam convencidos. “Sabíamos que ele tinha sido um líder sindical e presidente de um partido político. O que eu realmente me perguntei foi se ele tinha as armas para ser presidente”, diz o ex-presidente do Banco Mundial James Wolfensohn. Assim Wolfensohn, enviou uma mensagem, oferecendo-se para encaminhar uma equipe de especialistas para discutir com o governo Lula sobre os principais problemas enfrentados na economia internacional e América Latina. Ele não sabia como o novo presidente iria responder. “Muitos líderes preferem lançar o selo presidencial sobre você”, disse Wolfensohn. “Mas Lula topou na hora. Ele era como um pedaço de papel em branco. Ele percebeu que tinha um grande trabalho a fazer e que a execução de uma eleição é diferente da execução de um país. Para mim, isso caracteriza o homem.”
Da Silva tem operado dessa maneira desde então, colocar o pragmatismo à frente da ideologia. “Ninguém nos seus sonhos teria pensado que Lula iria se comportar do jeito que ele se comportou”, disse-me o guru de investimentos em mercado emergentes Mark Mobius, da Templeton Asset Management, um ano atrás. Agora Templeton tem US$ 5 bilhões no Brasil, mais do que na China. Por certo, Lula tinha muito o que trabalhar. Com uma rede de centrais hidroelétricas e metade da sua frota de carros movidos a queima limpa de etanol de cana, o país tem sido o ponto de referência em energias renováveis. Agrônomos eficientes transformaram o duro sertão tropical em um celeiro, exportando mais carne, soja e frangos congelados do que qualquer outra nação. Mas Lula também agregou valor, subindo no palanque com marcas brasileiras no exterior. “Tivemos de deixar claro que o Brasil não é um país pequeno”, diz ele. “O Brasil tem a Amazônia [floresta], mas faz também aviões e telefones celulares.” E assim como nos comícios certa vez galvanizou os capacetes em São Paulo, sua diplomacia agressiva tem encorajado nações mais pobres na demanda de comércio livre e de um novo consenso na economia internacional.
Seu gênio real, entretanto, tem sido a sua capacidade de vender as reformas intragáveis para uma população majoritariamente pobre que olhou para ele como uma espécie de salvador. “A popularidade de Lula o ajudou a tomar decisões arriscadas que muitas vezes levava a sacrifícios necessários”, diz José Dirceu, um ex-dirigente do Partido dos Trabalhadores que caiu num escândalo de corrupção. Mais importante, ao contrário dos supremos e demagogos populistas que abundam na América Latina, ele fez tudo isso jogando pelas regras. “O respeito de Lula para a democracia e para as eleições é uma grande vantagem”, diz o ex-secretário do Tesouro Joaquim Levy. “Muitas vezes ele tem sido capaz de traduzir os valores fundamentais da democracia de modo a torná-las mais concretas para as pessoas”. O presidente ainda considera que seu trabalho está incompleto e que não resta muito tempo para realizá-lo. “Este é um país que tem sofrido de baixa auto-estima”, diz ele. “O Brasil precisa recuperar seu orgulho. E eu acho que as coisas estão acontecendo. Espero que quem vier depois de mim possa trabalhar para transformar o Brasil em uma grande economia.”
A crise econômica mundial colocou as habilidades de persuasão de Lula à prova. “Foi assustador”, lembra Silva. “Não tínhamos crédito, sem dinheiro, em setembro, outubro, novembro, dezembro, janeiro, fevereiro e março.” Mas em vez de balançar para a esquerda, seus instintos o levaram para o centro, fortalecendo-o contra pressões populistas. Ele deu ao Banco Central carta branca para controlar a inflação, mesmo ao preço de reduzir o crescimento. “Nós sabíamos que não haveria milagres”, diz ele.
Ainda assim, a crise inflamou o velho rancor de Lula sobre o “capitalismo selvagem” e a loucura do mercado livre. Ele culpou a confusão do mercado subprime aos banqueiros “pele branca, olhos azuis” e ridicularizou os campeões da desregulamentação e do estado “mínimo”. “Nos anos 80 e 90, era moda ridicularizar o Estado”, diz ele. “Mas, em um piscar de olho, o mercado desregulamentado quase faliu o mundo. E de quem eles foram buscar ajuda? Do Estado.” Isto não é tão forte quanto parece. Enquanto Lula denuncia veementemente seu antecessor de privatizar estatais, ele não fez nada para reverter o processo depois de tomar posse. “Eu acho que a privatização foi um erro, mas eu tinha que trabalhar para fazer”, diz ele. “Eu não podia dar ao luxo de gastar o meu mandato brigando com o antigo governo.” Consenso, não dogma, é o combustível de Lula.
É evidente que esta ‘realpolitik’ com que Lula trabalha é voltada para consolidar a preeminência do Brasil. “Como a economia dominante na região, o Brasil tem a compreensão de seus vizinhos”, diz ele. “É como as relações de pai para filho.” Ele ainda defende o governo do presidente venezuelano Hugo Chávez. “Dê-me um exemplo de como a Venezuela não é uma democracia!”, ele exige. Mas a maior ambição de Lula é fazer valer o lugar do Brasil no cenário mundial. Ele não faz segredo do seu próprio orgulho nacional. Já em 2003, as nações do G7, finalmente, abriram seu encontro anual para alguns dos países menos ricos, e Lula estava entre os convidados. Ele passou antes do encontro na França e ficou maravilhado com o quão improvável era que ele, filho de um camponês, agora abordar algumas das pessoas mais poderosas do planeta. Então ele virou a mesa: por que não realizar a próxima reunião do G7 no Brasil, ele desafiou. “Afinal, em 20 anos talvez apenas três de vocês vai continuar a existir.” Nem todo mundo se divertiu. Mas todos entenderam. Aqui a matéria em inglês na revista "Newsweek"
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