O ano de 2007 vai ficar marcado como aquele em que, pela primeira vez em décadas, as principais construtoras e incorporadoras voltaram seu foco para a Classe C brasileira. Capitalizadas pela onda de ofertas públicas de ações (OPA) que varreu o setor este ano, essas companhias investiram pesado em imóveis vão de R$ 50 mil a R$ 150 mil, voltados para um segmento da sociedade que foi alijado do crédito imobiliário nos últimos anos. Só em 2007, oito das principais empresas que estão apostando em famílias com renda média média de 10 salários mínimos lançaram um volume de residências mais de 400% superior ao ano passado. Foram, ao todo, 57,3 mil unidades que chegaram ao mercado, com financiamentos que não raro superam os 25 anos. Em 2006, elas lançaram menos de 11 mil unidades nesse segmento. Para o próximo ano, já falam em índice de crescimento superiores a 100%.
"Não é um avanço gradual, é um novo patamar, nunca vimos nada como aconteceu em 2007", diz Leonardo Corrêa, vice-presidente e diretor de relações com investidores da mineira MRV, especializada no segmento econômico. Somente neste ano, a companhia, que captou mais de R$ 1 bilhão na abertura de seu capital, lançou 11 mil unidades, quase quatro vezes mais do que no ano anterior. "Estávamos nos preparando para um crescimento, mas até nós, que conhecemos bem o setor, não imaginávamos que seria tão grande", diz o executivo.
A expansão recorde da MRV está se repetindo em maior ou menor escala em todas as companhias que entraram o ano dispostas a repetir aqui a tão falada experiência mexicana, onde serão construídas, em 2007, algo próximo a 1 milhão de casas, a maior parte delas voltadas para as classes mais baixas que começam a ascender economicamente. A Tenda, outra empresa mineira que também já aposta na classe média baixa há mais de 10 anos, viu o número de seus lançamentos pular de 2 mil unidades para impressionantes 20 mil residências. A Goldfarb, adquirida pela PDG Realty, outra que também atuava nesse segmento, ampliou os lançamentos em quatro vezes.
Na esteira dessas companhias, que já tinham experiência com imóveis voltados para a classe média baixa, vieram as grandes companhias, que iniciaram a onda de grandes capitalizações no ano passado. Cyrela, Gafisa e Rossi, as três maiores companhias do setor, ou criaram empresas específicas para atuar no segmento econômico ou montaram divisões para atuar exclusivamente com imóveis de até R$ 150 mil. "Esse foi o ano em que os chamados imóveis populares deixaram de ser uma promessa e se tornaram, de fato, um filão econômico importante dentro do setor", diz Antônio Guedes, diretor de novos negócios da Cyrela, que no ano passado lançou uma marca que atua de forma exclusiva para a classe média baixa, a Living.
Apesar de todas as expectativas que já vinham sendo alimentadas desde o ano passado, a expansão desse segmento surpreendeu praticamente todas as empresas do setor. Quase todas elas superaram suas previsões de lançamentos e, para muitos, o crescimento está sendo ditado pela demanda, e não pela oferta. "É um mercado que está sendo puxado pela demanda, nós não estamos vendendo imóveis, estamos vendendo acesso ao crédito", diz Newman Brito, presidente da FIT, braço da Gafisa para o segmento econômico.
A chave para este crescimento, é claro, está na expansão do financiamento imobiliário. Por isso, apesar de não declararem abertamente, muitas empresas estão conscientes de que o crédito, hoje, é mais importante que o produto em si. Em relação a outros países, como o México e o Chile, que servem como principal parâmetro paras as empresas brasileiras, o crédito imobiliário no Brasil ainda é tímido. Deve chegar, este ano, a 3% do PIB, enquanto no México e no Chile já superou a casa dos 10%.
Mas a escassez de financiamento para a classe média baixa é tão aguda que o simples alongamento do prazo de pagamentos e uma redução ainda tímida dos juros está fazendo com que as empresas consigam vender cerca de 60% do lançaram este ano em menos de seis meses. "Tivemos casos que vendemos empreendimentos inteiros, com algumas centenas de unidades, em menos de duas semanas", afirma Renato Diniz, diretor de novos negócios da Rossi.
No melhor estilo que tornou as Casas Bahia uma "financeira" de sucesso no varejo, as incorporadoras estão calculando seus custos - e consequentemente os preços dos imóveis - de acordo com as prestações a serem pagas mensalmente pelos consumidores. Com valores médios de R$ 100 mil, esse imóveis são vendidos na planta por prestações que podem chegar até a menos de R$ 250. Os prazos de construção, em geral, são estendidos para que, na entrega das chaves, o cliente já tenha pago 20% do imóvel e, assim, o financiamento seja transferido para os bancos.
Essa conta, por enquanto, tem fechado. E as construtoras acreditam que um número cada vez maior de pessoas vai se comprometer em financiamentos de 25 ou 30 anos para ter uma casa própria. "Esse é só o início desse processo, há muito o que crescer ainda", diz Henrique Alves Pinto, presidente da Tenda. Sua empresa já informou aos investidores que pretende lançar mais de 30 mil unidades no ano que vem. Para 2009, os planos são ainda mais ambiciosos: quer colocar no mercado 50 mil imóveis novos em todo o país.
As previsões de crescimento se repetem nas demais companhias. Quase todas estão prevendo um volume de lançamento superior a 100% para 2008. E esses números ainda não levam em conta as quase 8 milhões milhões de residências que precisariam ser construídas para zerar o déficit habitacional, de acordo com dados da Fundação Getúlio Vargas . Para isso, a maior parte desses imóveis teria que chegar ao mercado a preços inferiores a R$ 50 mil, o que não acontece hoje. Em meio a ressaca da crise do mercado sub-prime americano, a grande dúvida que paira no mercado é se, de fato, as torneiras estão sendo abertas na proporção certa.
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