O pecado do franciscano
O bispo Cappio chantageia o governo para sustar a transposição do Rio São Francisco. Mas sua greve de fome não é problema do estado
No dia 27 de novembro, dom Luiz Flávio Cappio, bispo de Barra, na Bahia, anunciou o início de uma greve de fome. Ele disse que não iria comer enquanto o governo não arquivasse o projeto de transposição do Rio São Francisco. Cappio instalou-se às margens do rio, debaixo de uma árvore, disposto a enfrentar a penitência com orações. Na última sexta-feira, seu jejum completou dezoito dias. A barriga do religioso pode até estar vazia, mas sua agenda nunca esteve tão cheia. Ele afirma que parou de comer, mas não lhe falta energia para dar entrevistas, posar para fotografias e liderar passeatas. Suas missas em Sobradinho, na Bahia, estão concorridíssimas. Políticos querem aparecer a seu lado. A esquerda, sempre mais festiva, chegou primeiro. Na comissão de frente, a ex-senadora Heloísa Helena, a deputada Luciana Genro (PSOL-RS) e o chefão do MST, João Pedro Stedile. A atriz Letícia Sabatella puxou a ala dos artistas esquerdistas. Beijou a mão do bispo e chorou. Até o democrata João Alves Filho, ex-governador de Sergipe, aderiu à romaria. O assédio é tão grande que o frade franciscano teve de arregimentar uma procissão de assessores para ajudá-lo com a imprensa. "O governo não vai deixar para negociar sobre o cadáver de um bispo", disse Cappio.
Garotinho: em greve de fome, ele perdia 700 gramas por dia
Não é a primeira vez que o religioso jejua em rede nacional para protestar contra a transposição das águas do rio. Em 2005, ele passou onze dias sem comer. Agora, já perto de dobrar o seu recorde, o bispo não dá sinais de fraqueza. Está corado, falante e bastante ativo. Parece ser um milagre como ele suporta bem a provação. Médicos ouvidos por Veja dizem que, depois de uma semana sem comer, o hálito se torna insuportável, o raciocínio falha, os riscos de arritmia cardíaca são altíssimos e pode-se até entrar em coma. Cappio não tem nada disso. "Estou lúcido e bem-disposto", tranqüiliza o bispo. Seu aspecto é tão saudável que, em Sobradinho, corre o boato maldoso de que ele devora melancias durante a madrugada. Cappio jura que é mentira. Diz que sua alimentação se restringe a 3 litros diários de soro caseiro (água, sal e açúcar). A solução fornece sódio, potássio e glicose, substâncias vitais para o corpo. Mas, ainda assim, ele não deveria se agüentar em pé. É um mistério o fato de o bispo perder tão pouco peso. No ano passado, Anthony Garotinho, ex-governador do Rio, fez greve de fome e perdeu 700 gramas por dia. Por essa conta, Cappio deveria estar 12,6 quilos mais magro. Depois de nove dias de jejum, ele afirmou a Veja que só tinha emagrecido 3 quilos, quiçá 4. Em seguida, parou de divulgar o peso.
Deixando de lado a incrível resistência física de Cappio, o fato é que sua atitude tem nome: chantagem. Ele quer sustar um projeto de 5,2 bilhões de reais. Mas sua greve de fome não é problema do estado, e sim da Igreja. A instituição estaria obrigada a impedir que um de seus integrantes atentasse contra a própria vida – um pecado, do ponto de vista católico. Mas os bispos brasileiros, por meio de sua Conferência Nacional, resolveram conclamar os cristãos a seguir o exemplo de Cappio. Que Deus os perdoe, porque eles não sabem o que fazem. E que o estado não se dobre à chantagem do bispo. Da Juliana Weis, aqui no Day By Day
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