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terça-feira, 6 de novembro de 2007

STF decide se deve julgar Cunha Lima


O Supremo Tribunal Federal (STF) deverá julgar o ex-deputado, ex-senador e ex-governador da Paraíba, Ronaldo Cunha Lima (PSDB), por tentativa de homicídio, mesmo depois de ele ter renunciado ao seu último mandato na Câmara dos Deputados para perder o foro privilegiado e, com isso, evitar a realização do julgamento pela Corte.

Ontem, quatro ministros do STF (Joaquim Barbosa, Cezar Peluso, Carlos Ayres Britto e Eros Grau) manifestaram-se a favor da realização do julgamento, mesmo após a renúncia de Cunha Lima. Eles consideraram que o então deputado quis "driblar" o STF com a sua renúncia, anunciada na quarta-feira, às vésperas de o Supremo julgá-lo.

O Supremo só não iniciou o julgamento de Cunha Lima ontem porque a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha pediu vista do processo para examinar melhor a questão. Ao pedir vista, a ministra quis dar tempo para que outros ministros possam se manifestar sobre esta que será mais uma tese inovadora no STF. Ontem, a Corte não contava com cinco de seus onze integrantes. Celso de Mello, Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Menezes Direito estavam ausentes. A presidente do tribunal, ministra Ellen Gracie, concordou com o adiamento: "Será oportuno para ouvirmos os demais colegas".

O novo avanço do STF será o de considerar que: nenhum político detentor de mandato eletivo poderá renunciar, se iniciado o processo contra ele no Supremo, para perder o foro privilegiado e, com isso, evitar o julgamento pela Corte, tendo seu processo adiado. O assunto está sendo discutido pelo STF dentro de um contexto maior. O tribunal tem demonstrado em suas últimas decisões que não pretende mais tolerar abusos da classe política, nem omissões por parte do Congresso Nacional.

Essa tendência, que vem sendo definida nos meios jurídicos como um ativismo judicial do STF, foi deflagrada no julgamento do mensalão, realizado no final de agosto passado, quando o tribunal transformou os 40 indiciados em réus e, com isso, se afirmou contra a impunidade na classe política. Em outubro, o STF definiu, no julgamento da fidelidade partidária, que os parlamentares que trocarem de partido estão sujeitos à perda de seus mandatos, numa interpretação inovadora da legislação. Foi um freio do STF ao troca-troca partidário e uma alteração à regra que prevalecia até então, permitindo as constantes mudanças de legenda. E, na semana passada, o Supremo tomou uma decisão também inovadora ao decidir que o funcionalismo deve seguir, em suas greves, a legislação imposta ao setor privado. Nessa última decisão, os ministros não apenas criticaram o fato de o Congresso não ter aprovado lei para regulamentar a greve no setor público, como indicaram qual lei deve ser aplicada.

Agora, no caso de Ronaldo Cunha Lima, os ministros deverão passar por cima da renúncia dele e julgá-lo.

Antes dessa fase, a tendência no STF era a de considerar que, se a autoridade renunciasse ao mandato, perderia, com isso, o foro privilegiado e o seu processo iria para a 1ª instância da Justiça. Mas, os quatro ministros que votaram ontem foram além e reconheceram na renúncia de Cunha Lima a intenção de evitar o julgamento. "Essa renúncia teve como objetivo exclusivo impedir que a jurisdição deste tribunal se exercesse", acusou o ministro Joaquim Barbosa, relator da ação penal contra o ex-deputado.

Barbosa lembrou que o processo tramita há 14 anos. Cunha Lima atirou em seu adversário político na Paraíba, o também ex-governador do Estado, Tarcísio Buriti, em 5 de dezembro de 1993, num restaurante em João Pessoa. Na época, ele era governador e tinha direito a foro privilegiado no Superior Tribunal de Justiça. Em 1994, Cunha Lima foi eleito senador e, a partir de 1995, quando tomou posse, passou a ter foro no STF. Mas, na época, era preciso autorização do Senado para que ele fosse processado. O Senado negou essa autorização em 1999. Só que, em 2001, o Congresso aprovou emenda retirando essa necessidade de autorização. Com isso, o processo chegou ao STF em 2002. Barbosa marcou a data do julgamento para ontem, mas Cunha Lima renunciou cinco dias antes, na tentativa de fazer com que o caso voltasse à 1ª instância, onde seria reiniciado na Justiça da Paraíba e demoraria mais 15 anos para chegar a uma sentença final.

Ontem, Barbosa defendeu que o STF fizesse uma analogia ao que acontece no Congresso. Lá, uma vez iniciado o processo de cassação de mandato, o parlamentar não pode mais renunciar. A proposta foi aceita pelos três ministros que votaram ontem.

"Acho que a renúncia, na circunstância em que se deu, às vésperas do julgamento, propõe um problema de ordem jurídico a esta Corte", apontou o ministro Cezar Peluso. Ele explicou que o deputado tem o direito a renunciar, mas que não poderia fazê-lo para evitar a realização de um julgamento. Se o fizer, a renúncia adquire, segundo Peluso, um "caráter de fraude". "A ordem jurídica não pressupõe que se possa dela fazer uso para fraudar o exercício da jurisdição do STF", completou o ministro Eros Grau.

Carlos Britto enfatizou que se, no Congresso, o parlamentar não pode renunciar após iniciado o processo de cassação de seu mandato, então, também não poderia fazê-lo para evitar o julgamento no Supremo. "A renúncia não valeria para obstruir o exercício da competência da Suprema Corte do país", afirmou Britto.

Mesmo pedindo vista, Cármen Lúcia também criticou o fato de Cunha Lima usar uma formalidade da lei - a possibilidade de renúncia - para atentar contra o seu espírito, contrário à impunidade. "A letra formal, isolada da lei poderia levar a um resultado oposto ao que quer a Constituição." O julgamento deverá ser retomado amanhã.

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