Pressionados pela reação popular e por decisão do STF, congressistas adiam para 2007 decisão sobre o reajuste de 90,7% nos próprios salários
O Congresso produziu nos últimos quatro anos momentos lamentáveis da história política brasileira. Escândalos de corrupção e absolvições em massa de acusados provocaram muitas vezes manifestações irritadas dos eleitores. Desde quinta-feira, porém, quando as mesas diretoras da Câmara e do Senado tomaram a decisão de reajustar em 90,7% a remuneração parlamentar, a revolta da população contra deputados e senadores transformou-se em fúria. A reação popular, somada à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de obrigar os parlamentares a votar uma lei para garantir o reajuste, fizeram os congressistas recuar ontem da idéia de aumentar para R$ 24,5 mil os próprios salários. A questão foi transferida para o próximo ano, quando os deputados iniciarão uma nova legislatura com uma pauta antiga.
A decisão de simplesmente enterrar este ano a idéia de reajuste salarial dominou o dia dos deputados, em um jogo político de blefes e cartadas de efeito. O líder do PDT na Câmara, Miro Teixeira (RJ), ajudou a confundir o cenário ao propor o fim da verba indenizatória de R$ 15 mil. Os deputados recebem os recursos e apresentam notas fiscais para justificar gastos como gasolina e aluguel de imóveis nos estados. A verba é uma complementação ao salário de R$ 12,8 mil. O presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), aproveitou para incluir na pauta também a proposta de extinção do 14º e do 15º salários dos deputados. Os deputados se debateram para chegar a uma equação que evitasse o desgaste e garantisse os maiores benefícios financeiros. A solução, porém, não foi encontrada.
Depois de participar da reunião na semana passada, que decidiu pelo reajuste de 90,7%, a oposição, capitaneada por PSol, PV, PPS e PSB, não aceitou discutir ontem qualquer proposta sobre remuneração parlamentar. Considerava que as alternativas eram uma manobra dos defensores do aumento para R$ 24,5 mil. Para eles, ao acabar com a verba indenizatória e em seguida com os salários extras, haveria argumento para, em terceiro lugar, defender que os parlamentares recebessem a mesma remuneração dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que é o teto salarial do serviço público. “Essas duas propostas são uma farsa. Temos de votá-las corretamente no ano que vem, porque, isoladas, neste momento, elas são uma tentativa de salvar a face de quem votou pelos R$ 24 mil”, atacou o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ).
Desgaste
Os oposicionistas aos poucos ganharam a adesão dos demais partidos. Quase todos os líderes defenderam, na tribuna, deixar a discussão para a próxima legislatura. Apenas o líder do PSDB, Jutahy Júnior (BA), defendeu claramente a fixação, ainda ontem, do salário em R$ 16,5 mil, que corresponderia ao reajuste da inflação acumulada nos últimos quatro anos. Para ele, não faria sentido iniciar a próxima legislatura com uma agenda de desgaste. “Vejo isto aqui hoje como um jogo de pôquer, em que todo mundo está blefando”, acusou o tucano.
O recuo dos parlamentares começou a ser discutido em uma reunião de líderes convocada por Aldo ontem à tarde. O presidente da Câmara acreditava, pela manhã, que os colegas iriam preferir fixar o salário em R$ 16,5 mil. A reunião, porém, produziu discussões, bate-bocas e nenhum consenso sobre um novo valor para a remuneração. Apenas o líder do PR (fusão do PL e do Prona), Luciano Castro (RR), defendeu na reunião a equiparação com a remuneração dos ministros do STF. “Foi uma vitória o congelamento de salários. Vamos deixar para os futuros deputados decidirem”, avaliou o deputado Raul Jungmann (PPS-PE).
Em um dia tenso, o presidente da Câmara encerrou a sessão pouco depois das 23h com uma discussão com o deputado Paulo Delgado (PT-MG). O mineiro reclamou da presença, dentro do plenário, de atletas que acompanhavam a votação da lei de incentivo ao esporte. “Isso aqui está parecendo um bordel”, reclamou. Aldo ficou irritado com a frase. “Não venha descarregar na Casa seu ressentimento tardio”, rebateu o presidente da Câmara, referindo-se à derrota de Delgado na eleição para escolha de ministro do Tribunal de Contas da União (TCU). Durante a votação da lei, a Câmara manteve o acordo entre atletas e artistas e rejeitou a modificação feita no Senado, que separava os incentivos fiscais concedidos ao esporte da área de cultura. A base do estímulo ao financiamento cultural e esportivo continuará sendo a Lei Rouanet, com percentual de renúncia fiscal de até 4% do Imposto de Renda devido para pessoas jurídicas e de até 6% para pessoas físicas.
Sermão contra abuso parlamentar
A indignação com a tentativa dos parlamentares de aumentar em 90,7% os próprios salários contaminou até a tradicional missa natalina do Congresso. Falando diretamente aos presidentes da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que se sentaram na primeira fila, o arcebispo de Brasília, Dom João Braz de Aviz, passou um sermão aos congressistas durante a homilia ao criticar a tentativa de elevar para R$ 24,5 mil a remuneração atual de R$ 12,8 mil.
“Como aceitar que um parlamentar brasileiro receba R$ 800 por dia quando boa parte das pessoas que representam é obrigada a viver com R$ 12?”, reclamou o arcebispo, diante de uma platéia composta principalmente por senadores, como Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) e Heloísa Helena (PSol-AL), e alguns deputados, como ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha e o primeiro-secretário da Câmara, Inocêncio Oliveira (PR-PE).
O arcebispo também reclamou da tentativa da cúpula do Judiciário de elevar os próprios salários e conceder gratificações aos servidores da Justiça. “Como aceitar que o Judiciário legisle em alguns casos a seu favor sem demonstrar sensibilidade pelo povo para quem as leis são feitas e interpretadas?”, queixou-se.
Para ele, esses comportamentos demonstram que as autoridades brasileiras não estão preocupadas com as necessidades do povo, mas com interesses próprios. “As últimas pautas do Congresso e do Judiciário deixam a sensação de que os representantes do povo estão distantes do interesse da sociedade, estão mais preocupados em defender seus interesses e de corporações com as quais estão comprometidos.”
Para ele, o Legislativo e o Judiciário terminam o ano com a imagem “desgastada”, contrariando o espírito natalino. “Atitudes como a que temos visto nestes dias, matam o espírito de Natal”, vaticinou. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) orientou os padres a criticar o aumento salarial dos parlamentares durante as homilias das missas do último domingo.
Aldo, que ouviu todo o sermão de Dom Braz com atenção, demonstrou inicialmente constrangimento. Evitou falar sobre o assunto. Em seguida, porém, resolveu comentar o episódio e disse ter recebido “com respeito” as críticas. “A palavra do arcebispo de Brasília é a palavra de um homem da Igreja que todos nós devemos receber com respeito, principalmente quem tem sentimento de justiça, e deve servir de reflexão para todo mundo”, justificou.
Helena
0 Comentários:
Postar um comentário
Meus queridos e minhas queridas leitoras
Não publicamos comentários anônimos
Obrigada pela colaboração