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quinta-feira, 14 de maio de 2015

A 'reforma' política de Cunha vai se confirmando como artifício das ilhas de poder em Brasília


A via da grande corrupção eleitoral e partidária está mantida no relatório, ontem dado como concluído, da comissão especial de reforma política. As doações de dinheiro de empresas para candidatos e partidos estão preservadas, como desejado pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha.

Quanto à pior das deformações do atual sistema eleitoral, portanto, a "reforma" que Eduardo Cunha quer votada ainda neste mês vai se confirmando como artifício com duas finalidades. Em uma parte, antecipa-se contra movimentos pelo fim das doações empresariais, que o julgamento da Lava Jato talvez até reforçasse; em outra, facilita a aprovação, no bojo da "reforma", de medidas desejadas pelas forças que Eduardo Cunha representa, mas que, em propostas isoladas, suscitariam maior polêmica.

É o caso, por exemplo, do mecanismo eleitoral batizado de "distritão", que elege só os mais votados, sem transferir votos destes para os menos apoiados. Os cultos evangélicos, aos quais Eduardo Cunha está ligado, beneficiam-se com o distritão porque produzem grandes votações individuais e não lhes agrada transferir votos para eleger companheiros de partido alheios, se não mesmo contrários, à sua corrente.

Em si mesma, a trama é inteligente, lembra os truques dos "coronéis" do antigo PSD, com seu modo de fazer política malandramente brasileiro. E está estruturada com objetividade. A comissão foi decidida por Eduardo Cunha, a presidência e a relatoria foram decididas por Eduardo Cunha, a composição da maioria foi decidida por Eduardo Cunha, a cronologia foi decidida por Eduardo Cunha e a linha do relatório feito pelo deputado Marcelo Castro já estava decidida (e exposta) por Eduardo Cunha antes do primeiro passo prático.

Mas o que está em jogo não são apenas o poder e os objetivos de Eduardo Cunha e dos chefes evangélicos. São problemas, inquietações, a moralidade e a ordem política, e o decisivo Poder Legislativo do país. Muita coisa essencial. E tudo vai se decidir em um mínimo círculo de influência em Brasília? É o que se vê.

Os brasileiros nunca dispuseram de suficientes representações, por meio de entidades e forças associativas cujo conjunto é a chamada sociedade civil. Mal ou nada representados pelos partidos políticos, com raríssimas e transitórias exceções, no último meio século a representação exponencial ficou com a OAB, a CNBB e a ABI. E esteve bem entregue, como também com suas coadjuvantes.

No presente, a OAB organizou suas propostas de reforma. A CNBB fez e continua trabalhando as suas. Não lhes falta consciência do momento, pois. Nem das próprias responsabilidades. Mas propostas não avançam sozinhas.

A OAB do inesquecível Raymundo Faoro estaria nos jornais, nos auditórios, na batalha. A CNBB, em contradição com estes tempos estimulantes de papa Francisco, parece que se deixa inibir por questões pontuais, como o aborto, diante de um horizonte de relevâncias. A ABI há tempos partidarizou-se e, como consequência típica da corrente política que a dominou, perdeu-se na luta de facções provenientes do PCB.

Hoje, a inação é a regra nacional para a sociedade civil. O que quer dizer mãos livres, mas não necessariamente mãos limpas, para ambições e ousadias depositadas em ilhas de influência e poder, que as amplificam por falta de contraste cívico e de civilidade. O que aconteceu? Por que isso? Não sei e não conheço explicação convincente, ainda que um pouco.

Não é um bom presente. Mas é um presente maravilhoso, comparado ao futuro que sugere. - Janio de Freitas

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