Pages

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Nada resolvido



Cabe a Dilma deixar bem mais claro o que pretende num próximo mandato; a política detesta o vazio

As eleições em primeiro turno confirmaram a dianteira do PT. Os números variaram, ao sabor de cada instituto de pesquisa. Mas, no atacado das urnas, a hegemonia do partido de Lula revelou-se inegável.

A aventura Marina Silva mostrou o que era desde o início: uma aventura. A conversão da ex-ambientalista à elite financeira custou à candidata a perda de seu capital de credibilidade. Entre ela e Aécio, a banca preferiu apostar no capataz conhecido, aquele que tem a chave do aeroporto.

A desgraça para o tucano é a derrota no seu quintal. Sua vitrine desmoronou. Minas Gerais, o Estado do celebrado choque de gestão, de índices positivos falsamente inflados, de uma imprensa servil e garroteada, resolveu se libertar. O paradoxo é evidente: chegando ao segundo turno no plano nacional, Aécio tem contra si um revés acachapante em sua terra natal.


Grave em qualquer circunstância, o cenário é ainda pior considerando o que é o PSDB. Trata-se de um partido de caciques, que costuma escolher seus candidatos em regabofes de restaurantes de luxo. A guerra de dossiês entre Aécio e Serra em eleições pregressas virou até livro. E a animosidade entre o mineiro e o paulista Alckmin chega a ser conversa de botequim. Esperar uma unidade do partido no segundo turno é como apostar na aparição de fadas e duendes numa tarde de arco-íris.

Conclui-se então que a fatura está liquidada para o PT? Nada mais equivocado. Dilma pode comemorar a liderança, mas os sinais de alarme não param de tocar. Os números evidenciam que o governo está devendo um conjunto de propostas capaz de convencer o eleitorado de que pode ir além do que já foi. Muitas vezes, a sensação é a de que a administração petista faz mais do que queria, mas muito menos do que devia. Isso fruto de uma política de alianças que trava medidas de maior alcance social.

A propósito, vale a pena prestar atenção em análises como a de Neil Irwin sobre o panorama global, publicada na edição do "New York Times" distribuída junto com esta Folha no último dia 30 de setembro:

"Há um acordo implícito nas democracias modernas: tudo bem que os ricos e poderosos desfrutem de jatos particulares e casas extraordinariamente caras, desde que o resto da população também tenha um aumento consistente do seu padrão de vida. Mas só a primeira parte do trato vem sendo cumprida, e os eleitores estão expressando sua frustração de maneiras que variam de acordo com o país".

É previsível aguardar nas próximas semanas a luta acirrada entre projetos diametralmente opostos. Os tucanos não irão economizar munição para derrubar o PT. Esse é o objetivo confesso do PSDB, reiterado à exaustão pelo "cardeal dos cardeais", o ex-presidente FHC. E nisso vale tudo. Se entre os partidários Aécio e Serra, por exemplo, houve uma chuva de denúncias de fogo amigo, imagine-se contra Dilma num ambiente de delações premiadas.

Contra isso, o PT tem mais do que argumentos. Além de alguns avanços sociais, o fato de que, durante a gestão tucana, as suspeitas contra a Petrobras resultaram num processo que, como todos se lembram, levou à morte de um jornalista e à impunidade dos criminosos. Agora, tais denúncias são alvo de investigação. Mas não basta. Cabe a Dilma deixar bem mais claro o que pretende fazer num próximo mandato. A política, como os eleitores, detesta o vazio.
Por Ricardo Melo - colunista da Folha

0 Comentários:

Postar um comentário


Meus queridos e minhas queridas leitoras

Não publicamos comentários anônimos

Obrigada pela colaboração